Venda de bebidas alcoólicas nas estradas federais pode ser proibida

O Ministério Público Federal (MPF) vai ajuizar uma ação civil pública para restringir o consumo de bebidas alcoólicas nas estradas federais. A maioria dos acidentes graves é causada por embriagados e a iniciativa do MPF deverá reduzir acidentes, que resultam em 516 mortes por mês nas rodovias federais.

O Ministério Público Federal (MPF) vai ajuizar uma ação civil pública para restringir o consumo de bebidas alcoólicas nas estradas federais. Essa decisão foi respaldada por uma audiência pública realizada no último dia 6 no MPF paulista. A intenção de restringir o acesso a bebidas alcoólicas através de lei já tramita na Câmara dos Deputados desde 1994.

Segundo estatísticas do Programa de Redução de Acidentes no Trânsito (Pare) do Ministério dos Transportes, fornecidas pela da Polícia Rodoviária Federal (PRF), de um total de quase 107 mil acidentes, em 2003, apenas 0,7% (735) das causas presumíveis dessas ocorrências são atribuídas à ingestão de álcool nas estradas federais. Apesar de o número ser baixo, o procurador Márcio Shusterschitz da Silva Araújo, responsável pela instauração do procedimento legal para apurar o assunto no MPF, defende a proibição da venda de bebidas nas estradas federais e considera os dados subestimados.

O Inspetor Chefe da Divisão de Fiscalização de Trânsito da PRF, Alvarez Simões, deduz que muitos dos acidentes registrados em itens como “outras causas” (34 mil em 2003) e “falta de atenção” (32 mil em 2003) envolvem pessoas que ingeriram álcool. Uma das dificuldades em se melhorar as estatísticas é que o motorista não é obrigado a submeter-se ao bafômetro – aparelho que mede a concentração do álcool no organismo – e as vítimas hospitalizadas em estado grave não passam por exame de alcoolemia. O que poderá mudar este quadro, no entanto, é a Lei Federal 11275, aprovada no último dia 7, que prevê o testemunho do policial como prova de embriaguez do motorista. De acordo com Simões, a maioria dos acidentes graves é causada por embriagados e a iniciativa do MPF deverá reduzir a média de 516 mortes por mês nas rodovias federais.

Em São Paulo e no Paraná, já existem leis que proíbem a comercialização de bebidas nas estradas estaduais, mas não faltam queixas com relação à ineficácia da norma. Nesses casos, a falha não está na lei, está na falta de fiscalização, aponta a pesquisadora da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad) e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ilana Pinsky. “As equipes responsáveis por manter a vigilância trabalham com grupos mínimos e ainda existe a abertura de estabelecimentos sem licença à beira das estradas. Esses pontos ilegais são um complicador na hora de fiscalizar”, pondera.

Apesar da falta de fiscalização, verifica-se a importância de se regulamentar a venda de álcool nas estradas. “Em países como os EUA, a redução de acidentes provocados por pessoas alcoolizadas foi efetiva quando houve a implementação de políticas punitivas. Para a lei funcionar, a punição severa deve ser cumprida rapidamente”, argumenta Pinsky.

Incentivos ao consumo

A unanimidade da população, na audiência pública, ao votar a favor da proibição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais, é apenas um dos passos para que haja consumo mais comedido do álcool. O médico do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), Ricardo Amaral, acredita que é preciso formação, desde a infância, a respeito dos riscos que a combinação bebida e volante pode provocar.

A redução do acesso ao álcool pelo aumento de impostos e pela restrição de publicidade é uma forma de diminuir a compra desta que é considerada uma droga lícita. No entanto, a pesquisadora lembra que “há propaganda massiva que incentiva o consumo de bebidas, principalmente de cerveja, e o preço desse produto é muito acessível”.

No Brasil, o decreto 2018, de 1996, permite a propaganda de bebidas alcoólicas entre às nove horas da noite e às seis da manhã. No entanto, essa restrição é válida para bebidas com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac, o que significa que produtos como a cerveja podem aparecer em propagandas de rádio e de televisão fora do horário estipulados pela lei.

Aliada à propaganda, a facilidade do acesso ao álcool também estimula o consumo da bebida. No artigo “Crescimento econômico e indústria do álcool”, publicado no site da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, os autores, Ronaldo Laranjeira e Raul Caetano, explicam que a disponibilidade física é importante e indicam que, no Brasil, há cerca de um ponto de venda de bebidas alcoólicas para cada 170 habitantes.

Apesar do acirramento do debate sobre o consumo do álcool, ainda faltam estudos atuais no país. Atualmente, Ilana Pinsky estuda o perfil dos que dirigem alcoolizadas em municípios como Diadema (SP), Santos (SP) e Belo Horizonte (MG) e que deverá finalizar em três meses. “As pessoas que freqüentemente bebem são homens jovens. No entanto, o número de mulheres embriagadas no volante também cresceu”, adianta.

“Maus motoristas e maus bebedores, os jovens até os 25 anos são os que mais morrem. Eles são impulsivos, dirigem de forma veloz e bebem em excesso”, afirma a pesquisadora que publicou estudo na Revista Drug and Alcohol Dependence, em 2000. O trabalho baseou-se na entrevista de 2166 jovens de 18 a 25 anos, que passavam pelos testes para retirar a Carteira Nacional de Habilitação no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) de São Paulo. Destes 14% admitiram que iriam beber e dirigir, sendo que metade admitiu uma pequena chance de conduzir automóveis alcoolizados (depois de duas doses de bebidas alcoólicas).