Duas unidades de conservação em Santa Catarina foram criadas no último dia 20 por meio de decretos do governo federal. Entre os ecossistemas abrangidos pelas unidades, destacam-se matas com araucárias e campos naturais a elas associados. Outras cinco unidades de conservação que contemplam tais ecossistemas estão previstas para o Paraná, porém liminares na Justiça estão impedindo sua criação.
A criação das duas unidades em Santa Catarina, no entanto, não garante a implantação efetiva delas, já que agora o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem que disponibilizar recursos humanos e financeiros para gestão das áreas. “A alocação de recursos é sempre um problema”, admite Maurício Mercadante, diretor do Programa Nacional de Áreas Protegidas do MMA. De acordo com ele, a verba disponível até o momento é de R$21 milhões, que será utilizada para a regularização fundiária das áreas abarcadas pelas unidades.
Tanto as unidades criadas em Santa Catarina como as previstas para o Paraná são resultado de um processo iniciado em 2002, quando foram definidas áreas prioritárias para conservação nos dois estados. Após a conclusão dos estudos de um grupo de trabalho coordenado pelo MMA, que determinou quais dessas áreas eram adequadas para serem transformadas em unidades de conservação e quais deveriam ser seus limites, as propostas foram apresentadas em audiências públicas para discussão. No caso das recém-criadas unidades de Santa Catarina – o Parque Nacional das Araucárias e a Estação Ecológica da Mata Preta – suas áreas finais (12.841 e 6.563 hectares, respectivamente) correspondem a 84% do que havia sido proposto inicialmente pelo MMA.
Ao longo do processo, grupos contrários à criação das unidades têm usado diferentes estratégias para tentar impedir sua implementação. “Há um lobby bastante grande liderado por setores ligados a madeireiros, grupos que historicamente têm destruído as florestas com araucárias”, explica Miriam Prochnow, coordenadora-geral da Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica (RMA). No Paraná, proprietários de terras que deverão ser desapropriadas entraram com ações na Justiça que barram a criação das unidades. Segundo Mercadante, o MMA está contestando as ações. “Assim que as liminares do Paraná forem derrubadas, faremos o encaminhamento à Presidência dos decretos para criação das unidades de conservação daquele estado”, afirmou. Outras ações na Justiça já haviam sido usadas para impedir a realização de algumas audiências públicas programadas durante a fase de consulta popular.
Mas vias não-legais também foram utilizadas pelos opositores, aponta a coordenadora da RMA. De acordo com ela, derrubadas de mata para plantio de reflorestamento e queimadas foram feitas em algumas áreas para descaracterizar o patrimônio natural e, assim, tentar evitar que as unidades de conservação fossem criadas. O representante do ministério, no entanto, assegura que tais ações não vão alterar os objetivos do órgão. “A descaracterização das áreas não afetará a criação das unidades”, garante Mercadante.
Além das denúncias contra as ações de destruição dos remanescentes de matas com araucárias, os ambientalistas têm se mobilizado para pressionar o governo para criação das unidades. A RMA está liderando uma campanha pela internet para que as pessoas enviem mensagens à ministra Marina Silva (Meio Ambiente) manifestando apoio à criação das unidades. Em um mês de campanha, quase quatro mil pessoas enviaram suas manifestações, segundo a RMA.
Patrimônio ameaçado
Além da histórica extração por madeireiras da araucária (Araucaria angustifolia, também conhecida por pinheiro-do-paraná ou pinheiro-brasileiro) e outras árvores de interesse comercial, o reflorestamento de Pinus e a agricultura (com destaque para a soja) são as principais atividades econômicas que atualmente ameaçam a preservação dos remanescentes de matas com araucárias. Estima-se que estes remanescentes representem apenas 3% da cobertura original das matas com araucárias, que são consideradas como parte do bioma Mata Atlântica e cuja área de ocorrência natural são os planaltos do sul e sudeste brasileiros.
Outro ecossistema associado às matas com araucárias que se encontra bastante degradado e que está contemplado por algumas das unidades de conservação de Santa Catarina e Paraná é o de campos naturais, formações vegetais sobre solos rasos e frágeis em que predominam gramíneas e leguminosas rasteiras. “A destruição dos campos acaba sendo maior do que a das araucárias porque a população não sente isso como uma perda muito importante”, destaca o geógrafo Lindon Fonseca, do Instituto de Geociências da Unicamp.
Fonseca coordenou dois projetos de caracterização e gestão do patrimônio natural dos Campos Gerais, desenvolvidos pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR), instituição da qual o geógrafo fazia parte à época da realização do projeto (abril de 2001 a dezembro de 2003). Situada no 2º Planalto do Paraná (região leste do estado), os Campos Gerais apresentam importantes fragmentos de campos naturais e matas com araucárias. Como proposta final dos projetos coordenados por Fonseca, foram apontadas três áreas de interesse imediato à conservação, as quais ainda apresentam áreas de campos e araucárias, que preservam suas características naturais, bem como possuem sítios naturais e arqueológicos de interesse turístico e de preservação do patrimônio.
O geógrafo, no entanto, lamenta que grande parte destas áreas não tenha sido contemplada pelas unidades de conservação propostas pelo MMA para a região dos Campos Gerais. “Muitas áreas importantes foram deixadas de fora e outras menos importantes foram incluídas sem que ficassem muito claros quais os critérios utilizados para delimitar as unidades de conservação”, critica Fonseca.
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