Transporte público individualizado: uma alternativa ao ônibus urbano?

Um veículo com capacidade para até quatro pessoas, movido a bateria elétrica, que percorre vias próprias, com controle automatizado e trajeto programado pelo próprio usuário. Um estudo realizado na Escola de Engenharia da USP de São Carlos analisa como seria a implantação, aqui no Brasil, desse sistema já existente em países ricos.

Um veículo com capacidade para até quatro pessoas, movido a bateria elétrica, que percorre vias próprias, com controle automatizado e trajeto programado pelo próprio usuário. Parece a descrição de um automóvel utilizado em filmes futuristas de ficção científica, mas o Transporte Público Individualizado (TPI) já tem protótipos no Japão, na Europa e nos Estados Unidos. E agora, um estudo realizado na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, analisa como seria a implantação desse sistema aqui no Brasil.

A pesquisa simulou a implantação do TPI na cidade de São Carlos (SP) e fez uma avaliação comparativa entre esse veículo e os ônibus urbanos. O estudo envolveu questionários com usuários de ônibus e pesquisadores da área de transporte, comparação entre os dados existentes sobre os ônibus urbanos e os estimados caso o TPI fosse adotado, e até a análise das imagens de uma câmera, instalada em um ponto de ônibus, que permitiu calcular a média do tempo de espera de embarque. “Para essa comparação, buscou-se os critérios que indicam a capacidade da tecnologia em servir ao usuário com qualidade, impactando de forma aceitável o ambiente, com custos compatíveis para a sociedade”, explica o engenheiro Leonardo Hitoshi Hotta, autor da pesquisa.

O TPI é uma espécie de “táxi sem motorista”, como explica Hotta, e tem um funcionamento simples. O passageiro solicita um veículo em um painel num terminal. Já no veículo, informa seu destino e o centro de controle traça uma rota otimizada até o ponto mais próximo. O TPI possui controle próprio para evitar colisões e é guiado por sensores localizados no veículo e na própria via. Sistemas similares estão em desenvolvimento ou já foram construídos em nível de protótipo, como o Cabintaxi na Alemanha e o CVS no Japão. O TPI está em fase de implantação na Inglaterra, onde a ATS Ltda, empresa desenvolvedora do protótipo estudado no Brasil, está instalando o sistema para atender os usuários do aeroporto de Heathrow, em Londres.

O estudo de Hotta revelou pontos problemáticos do transporte público atual e a insatisfação dos passageiros com a qualidade do serviço de ônibus urbanos. As principais reclamações dos usuários foram o tempo de viagem, a freqüência dos ônibus, a lotação e a condição dos veículos. “Estas reclamações, aliadas ao preço da tarifa, são constantes na avaliação das condições do transporte público no Brasil”, afirma Hotta. A pesquisa também avaliou que a poluição sonora e atmosférica, o consumo e a fonte de energia são outros pontos que pesam contra este tipo de transporte.

Fazendo a comparação entre ônibus e TPI, este último sai em vantagem e desponta como uma alternativa interessante para o transporte público. O TPI reúne as vantagens do automóvel e do transporte público: conforto, privacidade, viagens diretas e possibilidade de se levar cargas, por um lado; e por outro, segurança similar ao trem ou metrô, acessível a todos, dispensa áreas de estacionamento e a necessidade de condução do veículo, produz menos poluição, e não interfere no trânsito. Na simulação realizada na USP, foi constatado que o tempo de espera e de viagem são menores, resultando num serviço de melhor qualidade. “A idéia do TPI é não compartilhar o mesmo espaço com o trânsito normal, ou seja, a sua via deve ser similar ao trem ou metrô, portanto a sua implantação não deve prejudicar o trânsito do outros meios”, diz o pesquisador.

Uma grande vantagem do veículo é que seu impacto no meio ambiente é muito baixo. “Os veículos do TPI são movidos a bateria elétrica, o que resulta num nível de emissões de partículas praticamente nulo, além de serem mais silenciosos que os automóveis. Esta alternativa é interessante também do ponto de vista da matriz energética brasileira, uma vez que diminuiria a dependência por combustíveis fósseis”, aponta Hotta.

Mas existem também pontos negativos no TPI. Um deles é que sua capacidade de atendimento seria menor que a do ônibus – no máximo quatro pessoas por viagem -, e o preço da tarifa seria maior. Outra é que o custo para construção da estrutura e operação do veículo é muito alto. “Provavelmente, o maior empecilho para a implantação do sistema é o custo, que gira em torno de R$ 15 milhões por quilômetro construído. Existem os problemas de barreiras tecnológicas e culturais a serem superadas, a necessidade de se repensar a estrutura urbana para comportar tal empreendimento e de criar toda a regulação deste novo sistema”, explica o engenheiro.

Isso mostra que o TPI ainda está longe do Brasil, e para implantar o sistema aqui ainda é preciso muito estudo, sendo a pesquisa realizada em São Carlos apenas o primeiro passo. “Em primeiro lugar, seria necessário elaborar um estudo mais aprofundado sobre a viabilidade do sistema, principalmente sobre a capacidade, tempos de atendimento e viagem, e custos. Uma vez comprovada a viabilidade do sistema, é necessário desenvolver ou adaptar a tecnologia para as condições brasileiras, identificar cidades ou regiões com possibilidade de instalação e criar um ambiente favorável para tamanho impacto no meio urbano”.

A pesquisa não aponta o TPI como solução para o trânsito urbano, mas como uma alternativa interessante que deve ser aliada a outras para resolver uma situação cada vez mais problemática. “É necessário um plano de mobilidade, contemplando o transporte motorizado e não-motorizado, público e particular, afinal todos esses meios são complementares. Sem a existência de políticas objetivas e de uma visão holística, estaremos altamente comprometidos em termos de mobilidade”.

O estudo serviu também para lançar a discussão do caminho que o transporte público pode tomar. O índice de insatisfação crescente dos usuários com relação ao transporte público, especialmente os ônibus, mostra que é preciso intensificar as pesquisas em soluções tecnológicas diversas para o trânsito urbano. “Nunca a questão do transporte foi tão debatida como atualmente e a esperança é que, dentro deste debate, surjam novas soluções para resolver ou pelo menos amenizar o problema do transporte. Dentro do nosso papel de pesquisador, lançamos uma alternativa que pode auxiliar a atingir este objetivo”.