O que o designer de uma pequena agência de publicidade tem em comum com o proprietário de um bar na periferia? E com o catador de papel que leva seu carrinho junto às sargetas?Como pessoas jurídicas (PJs) ou como trabalhadores que sobrevivem marginalizados pelo mercado, todos, certamente, trabalham em pequenos negócios com algum grau de precarização. De consultores especializados a limpadores de carro, o número de ocupações em “micro empreendimentos” aumenta no Brasil desde 1980.
O projeto “Trabalho e Pequenos Negócios no Brasil”, desenvolvido na Unicamp por Anselmo Luís dos Santos, professor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), analisa o crescimento e a fragilização das relações de trabalho nesse segmento do mercado, apontando suas principais causas.
Segundo o pesquisador, a expansão do que muitos chamam de “empreendedorismo” no Brasil é reflexo do elevado desemprego e de uma crise social agravada ao longo de décadas. A abertura de espaço para micro-empresas modernas, organizadas e eficientes seria bem menos significativa que o crescimento de pequenos empreendimentos atrasados.
“Houve uma precarização enorme do trabalho no Brasil e grande parte disso ocorreu por conta do aumento do peso das ocupações em pequenos negócios, onde se concentra a maior parcela dos trabalhadores sem carteira assinada, nenhum direito trabalhista, poucos benefícios resultantes de acordos sindicais, salários menores, etc”, diz o economista da Unicamp.
Atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e armas, por exemplo, também funcionariam através de pequenas “empresas”, embora não haja sistematização de dados nesses casos.
Enquanto, para alguns, a elevação do trabalho em atividades empreendedoras revela uma tendência mundial positiva, para outros, reflete a falta de oportunidades de trabalho.
Panorama
Como causas do fenômeno, o pesquisador aponta as baixas taxas de crescimento da economia brasileira, as redefinições das estratégias empresariais e a decorrente elevação do desemprego. Na década de 1980, o PIB do país avançou apenas 1,5%, em média. De 1991 a 2000, a taxa arrastou-se em 2,7%.
Por outro lado, o crescimento da população economicamente ativa, embora desacelerado, continuou significativo: de 1981 a 1990, era de 3%; entre 1991 e 2000, foi de 2,9%. Com o baixo dinamismo econômico e a constante entrada de pessoas no mercado de trabalho, o índice nacional de desemprego aberto foi multiplicado por 3,5 vezes, entre 1980 e 2003.
Nesse período, o Brasil ainda abriu sua economia à entrada de produtos estrangeiros e ampliou as possibilidades de ganho do capital financeiro. Enquanto empresas automobilísticas começaram a trazer peças – que antes eram produzidas internamente – de outros países e, além disso, enquanto diversos setores (como o têxtil, de calçados e brinquedos) passaram a sofrer forte concorrência externa com países como a China, por exemplo, o investimento no capital produtivo tornou-se cada vez mais desinteressante.
Mudanças organizacionais, como privatizações e terceirizações de serviços, também contribuíram para um novo desenho do mercado de trabalho. De acordo com Anselmo dos Santos, a estagnação econômica aliada a transformações técnico-produtivas (mudanças tecnológicas, gerenciais e de articulação entre a grande, média e pequena empresa) “enxugaram” os postos de trabalho.
O movimento contraditório de aumento da população economicamente ativa e incapacidade econômica de geração de empregos teria promovido uma proliferação enorme de ocupados em pequenos negócios precários, segundo o professor.
Precarização
A pesquisa indica que, no Brasil, os pequenos negócios que se utilizam do alto desemprego são os que crescem mais. Sem alternativa de sobrevivência, as pessoas tendem a aceitar qualquer trabalho. Por isso, há aumento de negócios que remuneram mal, não oferecem segurança, garantias ou benefícios.
Vendedores ambulantes, limpadores de terreno, flanelinhas… Uma série de atividades precárias aumenta, inclusive as ilegais, como prostituição e tráfico. Crescem também ocupações que exigem mais capital, como estabelecimentos nas periferias (manicures, cabelereiros, armazéns e pequenos armarinhos) e serviços de transporte alternativo (mototáxis e vans). Em menor quantidade, o mesmo acontece com empresas melhor localizadas (lojas em shoppings, academias e consultórios).
Já o número de ocupações em pequenos negócios que demandam maior qualificação e tecnologia (área de informática, telecomunicação, pesquisa e produção de softwares, vídeos e músicas) são bem mais baixos. “Ao contrário de Taiwan, Coréia, Itália e mesmo do Japão – países em que as pequenas empresas em crescimento são industriais ou prestadoras de serviços modernos -, esse movimento, embora exista, é muito pequeno aqui no Brasil”, aponta Santos.
Dados divulgados em 2005, pelo economista Marcio Pochmman, também da Unicamp, já mostravam que o principal motivo para abrir um novo empreendimento (não considerando regiões rurais, moradores de rua, empregados domésticos e ilegais) é não ter encontrado emprego.
Desde 1987, a falta de clientes é o principal obstáculo à operacionalização dos negócios, segundo entrevistas realizadas pelo IBGE em microempresas. Em 2003, quase 90% de microempresários informais não utilizavam serviços de informática em seus negócios, segundo o instituto.