Análises químicas ajudam a descobrir quais espécies de abelhas participam da polinização e quais apenas extraem o óleo floral. A coleta desse líquido é uma importante atividade para vários desses insetos que o utilizam na composição do ninho e como alimento para as larvas. O óleo floral chega a ser oito vezes mais energético do que o pólen.
Ao passar pelas flores em busca de alimento (néctar ou óleo floral), as abelhas ficam com os pêlos de seu corpo impregnados de polén e acabam transportando-o de uma flor para outra. Porém, nem todas as espécies de abelhas que visitam as plantas participam desse importante processo que é a polinização. Foi o que mostrou uma pesquisa realizada no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas. O trabalho estudou as interações de duas espécies de abelhas, solitária e jataí, com o óleo floral da árvore conhecida como lanterneira da Amazônia (Lophanthera lactescens).
Em sua pesquisa em campo, a química Adriana Pianaro observou que os cachos amarelos da lanterneira eram visitados entre as 11 horas da manhã e às três da tarde por abelhas solitárias (Centris trigonoides). A pesquisadora explica que essa espécie, que não vive em colméias, poliniza a planta ao pousar sobre elas. “Elas se prendem, ou abraçam as pétalas por trás, com auxílio das mandíbulas ficando o ventre em contato com as anteras e os estigmas das flores”, diz Pianaro. O pólen que gruda na barriga do inseto é levado a outras flores realizando a polinização.
No entanto, Pianaro averiguou também que as mesmas flores eram visitadas por um outro tipo de abelha, a jataí. Diferentemente das solitárias, que só aparecem no pico do dia, essa outra espécie vem às plantas durante todo o dia coletando apenas o óleo que escorre pelos cabos das flores. Desse modo, elas não polinizam as flores, segundo Pianaro. “Elas simplesmente coletam os óleos florais sem tocar os estames,” explica a pesquisadora. Essas abelhas oportunistas foram identificadas como abelhas indígenas sociais sem ferrão, que os entomologistas chamam de meliponíneos (Tetragonisca angustula) e são popularmente conhecidas como jataís.
O trabalho de Pianaro consiste em comprovar, através das análises químicas, qual é a composição química do óleo floral e que as abelhas estão visitando as flores para fazer a sua coleta. Para isso ela captura algumas abelhas nas flores e as sacrifica por congelamento. Depois faz uma extração do conteúdo dos seus abdomens com um solvente orgânico apropriado e analisa os extratos das flores e das abelhas em um equipamento chamado cromatógrafo a gás acoplado a espectrômetro de massas, que identifica moléculas através de suas massas e da forma como essas moléculas se fragmentam.
A pesquisadora explica que para fazer a análise ela compara as substâncias químicas identificadas no óleo que é produzido pelas flores da lanterneira com as substâncias do abdômen das abelhas. “Os óleos florais são armazenados em bolsas chamadas de elaióforos epiteliais localizadas na parte de trás das flores e para conseguir uma quantidade de amostra suficiente para a elaboração dos experimentos foi necessária a coleta de 1200 flores”,conta a pesquisadora. A análise dos resultados mostra que a substância majoritária do óleo floral, um hidrocarboneto, aparece nos extratos das abelhas, comprovando as interações abelha-planta e mostrando como é importante relacionar as análises químicas com as observações biológicas. “Existe uma carência muito grande de profissionais com uma visão mais interdisciplinar”, acredita Pianaro.
Pianaro é integrante do grupo de Ecologia Química coordenado pela química Anita Marsaioli. O grupo ainda conta com a parceria da especialista em comportamento de abelhas solitárias, Isabel Alves dos Santos do Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP). Segundo Santos, 80% das espécies de abelhas são solitárias, isto é, não vivem em colméias. “Essas abelhas coletoras de óleos florais são muito especializadas. Os óleos florais são utilizados por elas como alimento larval e na construção de parte de seus ninhos”, diz a pesquisadora. O projeto também recebe contribuições de outros pesquisadores como os botânicos Volker Bittrich e Maria do Carmo Amaral, do Instituto de Biologia da Unicamp, e Rodrigo Singer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.