Quais as vantagens e desvantagens dos acordos e contratos relativos a bioprospecção para países em desenvolvimento? Para analisar o impacto das parcerias e a preservação do meio ambiente foi desenvolvido um estudo no Instituto de Geociências da Unicamp.
A exploração de recursos naturais por diversos países e empresas, decorrente do desenvolvimento da biotecnologia, tem culminado em contratos de bioprospecção. Mas quais as vantagens e desvantagens desses acordos para países em desenvolvimento? Essa é a questão que vem sendo feita pelo Parbio, Natureza e Impacto de Parcerias Norte-Sul na Produção e Utilização de Conhecimento em Bioprospecção, do Instituto de Geociências da Unicamp.
Coordenado pelas professoras Léa Velho e Maria Conceição da Costa, o estudo focaliza esse cenário, analisando o impacto das parcerias e a preservação do meio ambiente. Conforme Léa Velho, a pretensão do trabalho, que está sendo financiado pelo órgão canadense International Development Research Centre (IDRC), é promover um estudo amplo e comparado, contendo dados quantitativos e qualitativos que servirão como ferramenta para orientar os países interessados em futuras ações de cooperação.
Embora a conclusão da pesquisa esteja prevista para setembro deste ano, já é possível apontar alguns resultados. De acordo com Velho, as parcerias entre países do Norte e do Sul estão normalmente marcadas por desigualdades. “Os primeiros contam com instituições que têm poder financeiro e equipes mais consolidadas do que os segundos. Ou seja, as condições de entrada na parceria são quase sempre desiguais”, afirma. No entanto, as colaborações Norte-Sul têm contribuído de maneira significativa para o fortalecimento da capacidade de pesquisa no Sul.
Nos últimos anos, segundo Maria Conceição da Costa, as nações do Norte têm sido representadas principalmente por corporações privadas, interessadas em lucrar com a exploração da biodiversidade. Embora essa atividade seja regulamentada pela Convenção da Diversidade Biológica (CDB), instituída em 1992 com o objetivo de estabelecer regras para a preservação da biodiversidade e a justa repartição dos benefícios da transformação dos recursos genéticos, ela desperta algumas observações no caso brasileiro. A primeira refere-se a aspectos burocráticos e rigidez da legislação. “Ela é tão complexa que está afastando os potenciais parceiros. Há empresas que estiveram interessadas na cooperação com o país, mas desistiram e procuraram a África, onde as leis são mais flexíveis. Mais do que proteger a biodiversidade local, as normas brasileiras praticamente impedem o acesso a ela”, revela Costa.
O problema é que isso não impede que os recursos naturais continuem sendo explorados pelos países desenvolvidos. Se eles não deixam legalmente o território nacional, isso acaba ocorrendo por meio da biopirataria, comércio ilegal da biodiversidade. “O ideal é encontrar um modelo mais flexível, que preserve a biodiversidade e ao mesmo tempo traga vantagens científicas e econômicas com a sua exploração racional e sustentada”, afirma Costa.
Também fazem parte dos acordos de cooperação os marcos regulatórios estabelecidos pelos países em desenvolvimento. Tais normas ratificam as garantias da CDB e asseguram vantagens extras às nações do Sul, como a transferência da tecnologia resultante da bioprospecção. Para constatar se a prática condiz com a teoria, a Unicamp está analisando a bioprospecção em quatro países: Brasil, Colômbia, Peru e Suriname. O objetivo é constatar se as nações fornecedoras de recursos naturais de fato obtêm vantagens com os contratos.
O Brasil no combate à biopirataria
A biopirataria não é novidade no Brasil, principalmente em casos envolvendo a Amazônia. A fim de evitar a apropriação de recursos genéticos ou conhecimentos de comunidades tradicionais, por instituições monopolizadoras, sem autorização do governo, o país estabeleceu normas internas de prevenção da biopirataria, por meio de Resoluções do CGEN – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – e do INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
A Resolução do CGEN regulamenta o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional, além de estabelecer que o requerente da bioprospecção deve declarar ao INPI que cumpriu as determinações estabelecidas. A legislação vigente determina que o acesso aos recursos com finalidade de desenvolvimento tecnológico só poderá ser efetuado com autorização prévia do IBAMA ou do CGEN. Para José Manuel Dias, chefe geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, embora válidas apenas em território nacional, estas determinações legais são de grande importância nas negociações internacionais e permitem que o Brasil solicite aos demais países a adoção de medidas semelhantes, fortalecendo o combate à biopirataria.
De acordo com Dias, a discussão envolve questões sócio-econômicas. “As nações têm direito de utilizar seus recursos naturais de acordo com a sua vontade, inclusive em proveito próprio. Se não houver vontade de compartilhar, a legislação brasileira oferece proteção. Mas existe obrigação da repartição dos benefícios econômicos adquiridos com as comunidades tradicionais detentoras dos recursos ou conhecimentos”. Diversos exemplos recentes demonstram a necessidade de adequação da legislação e dos procedimentos, em escala global, para prevenir ou coibir a utilização indevida de recursos. O caso mais conhecido foi o registro do nome “cupuaçu” como marca por uma grande empresa japonesa. O registro foi cancelado, após a reação de ONGs brasileiras.
Para saber mais: Projeto Parbio