Proposta quer ação conjunta para transporte sustentável na AL

Conferência “Ar Limpo para a América Latina 2006″ reuniu em São Paulo especialistas para discutir metas de transporte sustentável para a América Latina. Vontade política foi a palavra-chave. A versão final da “Declaração de São Paulo”, documento que pretende traçar rumos para políticas públicas no setor, está prevista para o final de agosto.

Boa parte da poluição das cidades é causada por carros particulares. Para resolver o problema, “é preciso ações conjuntas”, disse Sérgio Sánchez, da Iniciativa do Ar Limpo para as Cidades da América Latina (IAL-CAL). Foi em busca disso que pesquisadores, políticos e técnicos de vários países se reuniram em São Paulo até o último dia 27 na conferência “Ar Limpo para a América Latina 2006”, que teve como tema o transporte sustentável. Está previsto para agosto a versão final da “Declaração de São Paulo”, documento que segundo Sánchez será o marco estratégico que constituirá o principal objeto de trabalho da Iniciativa.

A poluição traz problemas ao nível local – a poluição do ar; e global – o impacto do homem na atmosfera. “A atmosfera em relação ao mundo é como a casca de uma maçã, uma camada muito frágil”, explicou Mário Molina, mexicano que ganhou o prêmio Nobel de Química em 1995 por descobertas relativas a gases que atacam a camada de ozônio. Como conseqüência das atividades humanas o clima está mudando, o nível do mar está subindo, as chuvas estão diferentes. Segundo ele, restringir as emissões tem efeito importante.

Estudos apresentados por Bob O’Keefe, do Health Effects Institute, instituição norte-americana que pesquisa efeitos da poluição na saúde, mostram que a poluição tem efeitos muito graves. O pesquisador diz que os conhecimentos epidemiológicos nessa área são grandes e permitem determinar normas mais rígidas.

É preciso limpar os veículos

Os problemas que existem hoje não surgiram por acaso, disse Lee Schipper, da Embarq, instituto sediado nos Estados Unidos que presta consultorias para encontrar soluções de transporte urbano. Eles foram permitidos e até mesmo encorajados, devido a interesses comerciais e políticos, além de maus parâmetros ambientais. A proliferação de pequenos coletivos, como as peruas, é um problema sério, pois acaba por agravar o trânsito e a emissão de poluentes. A primeira medida, portanto, é limpar os veículos – tanto em termos de regulagem e tecnologia como do combustível utilizado.

Combustíveis alternativos, como gás natural e biocombustíveis, produzem menos emissões tóxicas e são uma ferramenta importante na redução de poluentes. De acordo com Ruy de Góes, do Ministério do Meio Ambiente, eles são uma ferramenta importante para atender ao problema de saúde pública a curto prazo.

Luis Cifuentes, da Pontifícia Universidade Católica do Chile, mostrou que em Santiago a renovação da frota de ônibus e táxis reduziu muito as emissões de gases tóxicos. Mas ônibus movidos a combustíveis mais limpos não resolvem o problema de poluição se estão presos no trânsito, afirma Lee Schipper. “A mobilidade sustentável é o que resolve o problema”. Para ele, a ênfase em combustíveis limpos acaba por aumentar sua demanda. A solução é reduzir a necessidade de combustível, explicou.

Prioridade ao transporte público

Mas combustíveis limpos são uma pequena parte do pacote total, afirmou Lloyd Wright, da Fundação Viva, em Quito (Equador). “A sustentabilidade completa está longe de ser encontrada em um laboratório ou veículo flex”. Ele acredita que vias para pedestres, ciclovias e transporte público são soluções muito mais efetivas do que depender de um tipo de combustível. Mas avisa que essas soluções só serão adotadas pelo público se oferecerem velocidade, comodidade e segurança.

Experiências de sucesso como Curitiba, Bogotá e Cidade do México, mostram que corredores rápidos para ônibus podem ser soluções eficientes e muito mais baratas do que o metrô. Outro projeto em análise em Curitiba é o metrô cutting cover, explicou o Diretor de Negócios da Urbanização de Curitiba S.A. (Urbs) Clodualdo Pinheiro Júnior. Trata-se de uma tecnologia mais barata do que o metrô convencional, porque as escavações se limitam a 7 metros de profundidade. Em cima dessa vala é posta uma tampa, sobre a qual se propõe a instalação de jardins e ciclovias.

O transporte transcende questões científicas e técnicas, diz Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá (Colômbia). Já as cidades têm que ser planejadas para promover igualdade social e bem-estar. “Até agora foi dada prioridade à mobilidade dos carros mais do que à felicidade das crianças”, lembra.


Via de pedestres e “TransMilenio” em Bogotá. Foto de http://www.porelpaisquequeremos.com

O colombiano afirma ainda que precisamos rever nossos ideais de felicidade. E compara que a posse de um carro possante a 200 Km/h numa auto-estrada pode não trazer tanta felicidade quanto andar numa bicicleta velha por uma ciclovia às margens de um rio. Acima de tudo, o ex-prefeito defende que as cidades devem contribuir para a igualdade de qualidade de vida entre as pessoas. Por isso se os recursos são escassos, a prioridade deve ser o calçamento de vias para pedestres e bicicletas; se falta espaço, o que não cabe são os carros. “É um direito do cidadão deslocar-se de forma barata sem correr risco de vida”, defende.

Tais decisões exigem não só vontade, mas punho político. Medidas para estimular o uso de transporte público não são necessariamente populares – como foi o caso do rodízio de carros na cidade de São Paulo, lembrou o autor da medida Fábio Feldmann, atualmente Secretário Executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas. Peñalosa afirma que quando os cidadãos priorizam a utilização de transportes públicos, isso ocorre devido a sérias restrições ao uso de veículos particulares, não por amor ao meio ambiente.

Esforço conjunto

O encontro de governos, iniciativa privada, instituições de pesquisa, organizações não-governamentais e agências internacionais de desenvolvimento propiciou uma possibilidade de estabelecer colaborações reais. Vontade política foi a necessidade mais invocada pelos palestrantes da conferência.

Na sessão de encerramento, foi lida e discutida a “Declaração de São Paulo”, que estará disponível para sugestões no site da IAL nos próximos dez dias. Eduardo Jorge conclamou as cidades latino-americanas a se filiarem para participar do processo de construção coletiva de políticas.