Pesquisadores precisam de estímulo para divulgação científica

Em palestra realizada durante a 60a Reunião Anual da SBPC, em Campinas (SP), pesquisadora defende a divulgação científica como antídoto para melhorar a apropriação de conhecimento sobre assuntos de ciência e tecnologia e sugere estímulos a atividades de divulgação por cientistas.

“A circulação e a apropriação social de informação e conhecimento sobre ciência e tecnologia são fundamentais no desenvolvimento sócio-econômico de um país”. Foi partindo desta premissa básica que Maria Lucia Maciel defendeu que cientistas precisam ser estimulados a divulgar os resultados de suas pesquisas para um público mais amplo, em palestra realizada ontem (14), na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas (SP).

A pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro destacou que os debates atuais e intensos sobre ciência e tecnologia (C&T) são restritos a um universo microscópico: poucas pessoas participam de tais discussões, que têm conseqüências práticas como o uso de transgênicos na agricultura, células-tronco na medicina, ativação de usinas nucleares, transposição do rio São Francisco, apenas para citar alguns exemplos. “São assuntos da maior relevância e que incidem na vida cotidiana”, afirma Maciel, que também é diretora do Instituto Ciência Hoje e coordenadora do Laboratório interdisciplinar sobre informação e conhecimento (Liinc). No entanto, chama a atenção o alto grau de desconhecimento da população sobre tais temas, independentemente do grau de instrução, o que gera, por exemplo, decisões desinformadas por parte dos políticos.

Tal desconhecimento não é resolvido apenas com o acesso à informação e ao conhecimento possibilitado pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Em países periféricos como o Brasil, o problema não é receber o conhecimento. “Você recebe o conhecimento, mas este não é apropriado e acaba sendo apropriado apenas por aquele que o produz”, pondera a pesquisadora.

Sendo assim, como solucionar o problema desta precária apropriação? Um antídoto, sem dúvida, é a educação. No entanto, seus primeiros efeitos só seriam sentidos daqui a uns 20 anos, afirma a pesquisadora. Nesse contexto, entra em cena a divulgação científica, como um antídoto válido e importante e que pode abarcar uma proporção maior da população nas diversas discussões sobre C&T. Para Maciel, o “cidadão comum” tem direito à informação correta e precisa para, entre outras coisas, multiplicar suas possibilidades de escolha. “Na Dinamarca, comitês de cidadãos participam da decisão de temas científicos que serão financiados”, exemplifica a pesquisadora.

No Brasil, ela constatou dois tipos de barreira ao fluxo de informação científica, entraves que terminam por limitar ou retardar o desenvolvimento de uma divulgação científica de qualidade. A primeira barreira é entre os cientistas e a imprensa: dificuldade de comunicação entre cientista e jornalista e espaço restrito na “grande imprensa”. Resgatando uma fala de três anos atrás, também na SBPC, Maciel observou uma melhora nestes quesitos: aumento de espaço e criação de editorias de ciência em alguns jornais, apesar da redução radical da editoria de ciência do jornal Folha de São Paulo.

Citando estudos de percepção pública da ciência realizados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo Científico da Universidade Estadual de Campinas (Labjor/Unicamp) e pelos cientistas Crodowaldo Pawan e Luisa Massarani, a pesquisadora destacou que o público continua interessado por assuntos de ciência, mas por outro lado, segue frustrado por não obter informação suficiente e de qualidade.

Além de ocupar pouco espaço na grande imprensa – assuntos de C&T ocupam menos de 3% do tempo de notícias das emissoras de rádio, por exemplo – Maciel destacou também que na última campanha eleitoral para presidente apenas um candidato – o atual senador Cristovam Buarque – falou de C&T como uma de suas propostas de governo e apenas um editorial comentou o assunto.

O segundo tipo de barreira, segundo a pesquisadora, está colocado entre os organismos governamentais e a divulgação pelos cientistas. “Há uma total falta de estímulo, apesar de algumas iniciativas presentes como o comitê de divulgação científica do CNPq, liderado pelo Prof Ildeu de Castro Moreira e a semana Nacional de C&T”. O esforço existe, mas é um esforço de certa forma esquizofrênico, pois estimula a divulgação científica, mas desestimula o cientista de divulgar, segundo Maciel. Hoje em dia o cientista vive em função do currículo Lattes, tanto por imposição do CNPq quanto da CAPES. Os critérios de excelência considerados nas avaliações de bolsas, projetos e programas de pós-graduação valorizam a publicação de artigo científico em periódico internacional e, com isso, os cientistas padecem de pouco tempo para escrever divulgação científica. “Há avanços mas entraves”, conclui.

Por fim, Maciel propôs agendas de pesquisa e de ação. Dentro da agenda de pesquisa algumas questões são atualmente estudadas dentro do projeto “Informação pública e divulgação científica: relações de produção e de difusão social da informação em ciência”, liderado pela pesquisadora.

Para a agenda de ação, Maria Lucia Maciel sugere que trabalhos de divulgação científica passem a contar pontos para os pesquisadores, tanto na avaliação de programas de pós-graduação quanto para os pesquisadores individuais. Além disso, “incluir em todos os editais de apoio a pesquisa a obrigatoriedade de atividades de divulgação”, aconselha.