Espécie que invadiu o sertão nordestino a partir da década de 1940 traz promessa de desenvolvimento: além da produção de madeira de excelente qualidade e de um ótimo carvão, a algarobeira também poderá encher o tanque do seu carro. Mas ela também traz ameaça de graves problemas ambientais.
Já se sabia que sua madeira é de excelente qualidade para fazer cercas e outras construções rurais, além de dar um ótimo carvão. Sua vagem é rica em fibras, sais minerais, carboidratos e açúcares, o que a torna um alimento de alto valor nutricional e que virar farinha, mel, açúcar, vinagre, ração animal e até de aguardente. A novidade, fruto de uma parceria entre a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) é que a Prosopis juliflora, conhecida como algarobeira, também poderá encher o tanque do seu carro.
O primeiro álcool de algaroba (vagem da algarobeira) foi extraído este ano pela equipe liderada pelo engenheiro agrícola Mário Eduardo Mata, professor da UFCG. O projeto de pesquisa foi idealizado pelo engenheiro de alimentos Clóvis Gouveia da Silva, doutorando na mesma universidade. Nascido no Cariri Paraibano, região sertaneja a cerca de 300 quilômetros de João Pessoa e onde há grande incidência da planta, Silva tem uma forte ligação com a algaroba. Três patentes relacionadas à vagem são de sua propriedade: a aguardente e o vinagre de algaroba e o aparelho reator que produz este último.
Adaptada ao calor e a solos rasos, a algarobeira domina a paisagem da caatinga apesar de não ser nativa da região. A espécie foi introduzida no Brasil na década de 1940 vinda do Peru e do Sudão e se proliferou com uma velocidade impressionante. Apesar de seu potencial nutricional para a alimentação humana, a planta é usada pela população sertaneja basicamente para a produção de madeira, carvão e ração animal. É essa subutilização que Silva busca eliminar com o desenvolvimento de novos produtos de algaroba, entre os quais o álcool combustível.
Ainda não há estudos sobre a viabilidade econômica da produção do novo biocombustível, mas a alta produtividade da planta animou o grupo de pesquisa. “É possível extrair cerca de 260 litros de álcool por tonelada de algaroba, enquanto a média da cana-de-açúcar é de 90 litros por tonelada,” compara Clóvis da Silva. No entanto, a produtividade de vagem por hectare, cerca de dez toneladas, ainda é baixa frente à da cana que chega a mais de 100 toneladas por hectare em algumas espécies. Uma desvantagem que o pesquisador acredita eliminar com o desenvolvimento tecnológico. “Já foram registradas produções de 30 toneladas de algaroba por hectare, esse número pode subir com o desenvolvimento em laboratório das espécies e o aprimoramento técnico das lavouras,” acredita Silva.
As propriedades combustíveis do etanol de algaroba também não foram testadas, mas o grupo prevê que elas devem ficar bem próximas das do álcool hidratado da cana-de-açúcar. O custo do processo produtivo, uma das razões que faz o álcool de milho norte-americano ser mais caro que o similar brasileiro de cana, não será problema de acordo com o pesquisador. “A maior dificuldade é a obtenção do açúcar e esse processo nós já dominamos,” afirma Silva. Para coletar mais dados, estão sendo montadas duas mini-usinas experimentais de destilação de álcool de algaroba, uma na Universidade Federal de Campina Grande e outra numa fazenda no interior da Paraíba.
No entanto, o entusiasmo de Clóvis Silva com a algaroba não é uma unanimidade entre os especialistas. Para o engenheiro agrônomo Leonaldo Andrade, professor da Universidade Federal da Paraíba, a algarobeira é um sério problema ecológico não-resolvido. Andrade coordenou um projeto de avaliação dos impactos da algaroba sobre a fitodiversidade e a estrutura da Caatinga. Nesse trabalho, realizado em seis municípios na Paraíba e no Rio Grande do Norte e financiado pela Fundação O Boticário, a equipe levantou dados alarmantes. De proliferação agressiva, a algarobeira chegou a dizimar várias espécies nativas em determinadas regiões. A oiticica e a caibreira, árvores nativas importantes da vegetação ciliar do sertão, estão entre as espécies mais ameaçadas pela algaroba.
“É necessária uma ação urgente de governo a fim de conter a proliferação da algarobeira e salvar as espécies nativas,” declara o agrônomo. Sobre a perspectiva de um futuro mercado de álcool de algaroba, o pesquisador se mostra ainda mais preocupado. “Uma lavoura de algaroba teria que ser bem controlada. Isolada dos animais, por exemplo. E, no Brasil, sabemos que esse controle é difícil,” diz Andrade. Os animais ao comerem as vagens se tornam os principais vetores das sementes. Por isso, eles estão entre os objetos do novo projeto de pesquisa de Andrade, o mapeamento da dinâmica de proliferação da algaroba, também fomentado pela Fundação O Boticário.
Clóvis da Silva e Leonaldo Andrade concordam que a planta deva ser cultivada em lavouras controladas e sob técnicas específicas para garantir produtividade e segurança ao meio-ambiente. O engenheiro agrônomo, porém, defende uma solução radical para as plantas selvagens, a dizimação. “Uma invasão biológica só se agrava com o tempo. Sem inimigos naturais, a espécie invasora que consegue se adaptar e se reproduzir tende a dominar o novo ambiente e a eliminar as demais,” explica.
Andrade também acredita que o álcool da algaroba pode se transformar numa nova febre a respeito da espécie. “Na década de 1970, o governo propagou a algaroba como a árvore maravilha contra todos os males. A panacéia incentivou o desmatamento para dar lugar à nova planta. Por fim, a vagem como fonte de alimento humano jamais se concretizou porque há pontos mais complexos envolvidos como o próprio hábito alimentar da população. Ninguém come o que não quer comer, independente do gosto ou valor nutricional do alimento,” conta o agrônomo.
Para o pesquisador, muito mais do que desenvolvimento e capacitação tecnológica, uma provável produção de combustível de algaroba vai esbarrar num obstáculo conhecido no Brasil, a dificuldade de se manter um controle governamental rígido sobre o setor. Se o governo não consegue controlar nem o preço do álcool da cana, prerrogativa dos usineiros, é pouco provável que haja uma preocupação ecológica no caso da algaroba.