Abordar a sistematização da técnica desenvolvida pelo bailarino Klauss Vianna e registrar seus conceitos inovadores sobre dança foram os objetivos do estudo desenvolvido pela coreógrafa e pesquisadora em dança contemporânea, Jussara Miller. Realizado como pesquisa de mestrado no Instituto de Artes na Unicamp, em 2005, o trabalho de Miller será publicado como livro, com lançamento previsto para 2007. A indicação para publicação considerou seu ineditismo e o valor como registro documental.
A escuta do corpo: sistematização da técnica Klauss Vianna trará não apenas a abordagem da técnica criada pelo coreógrafo, mas uma pesquisa histórica sobre Klauss, sua mulher Angel e seu filho Hainer, também bailarinos. “Esse trabalho de pesquisa é importante, pois valida a história e a técnica criada por um bailarino brasileiro. Precisamos valorizar o que é nosso, pois na área de dança muitos voltam-se para a produção externa, em detrimento da brasileira. Ainda temos um olhar colonizado”, argumenta Miller.
Segundo a pesquisadora, o mineiro Klauss Vianna revolucionou a dança em todo o Brasil, ao questionar a rigidez do ensino da dança na década de 1940. Ele propunha maior liberdade de criação de movimentos, a partir da consciência corporal. Isso porque a técnica Klauss Vianna pressupõe que, antes de aprender a dançar, é necessário que se tenha consciência do corpo, como ele é, como funciona, quais suas limitações e possibilidades. Propõe princípios da física e da anatomia para o estudo dos ossos e suas articulações, que segundo ele, funcionam como alavancas e dobradiças que levam ao movimento. Em suma, o movimento é gerado a partir dessa consciência.
Miller explica que com o aprofundamento dos estudos em anatomia e nas artes plásticas, o bailarino também passou a estudar uma nova maneira de ensinar dança. Hainer Vianna iniciou um trabalho de sistematização da técnica criada pelo pai, pois percebeu que as idéias em conjunto formavam uma nova estrutura de ensino, e fez uma elaboração didática da pesquisa, possibilitando que futuras gerações conheçam e apliquem esse trabalho. A técnica Klauss Vianna é aplicável não apenas na dança, mas no teatro, para músicos e todos que buscam qualidade de vida, na medida em que trabalha com a reeducação postural. Miller ressalta ainda que a técnica não exclui outros estilos de dança, e não é direcionada apenas para as artes cênicas. “Ela serve para a vida diária”, conclui ela.
Precisão proporciona subjetividade ao movimento
Na opinião de Miller, o trabalho de Vianna liberta o corpo de qualquer maneirismo ou concepção pré-estabelecida de forma de movimento. A pesquisadora esclarece que o método é dividido em três etapas: processo lúdico, processo de vetores e processo criativo. Na primeira o objetivo é o reconhecimento do corpo e do espaço, por meio da identificação das articulações ósseas e do tônus muscular com as idéias de peso, apoio e resistência, assim como o eixo global – integração do corpo com a gravidade na conquista do equilíbrio. Segundo Vianna, os movimentos são gerados por forças opostas, como por exemplo, quando a coluna vertebral é movimentada graças à oposição de movimentos do osso sacro e do crânio.
A partir da idéia de que os movimentos do corpo são proporcionados pelo direcionamento ósseo, Vianna mapeou oito vetores de força no corpo humano, distribuídos dos pés à cabeça: metatarsos, calcâneos, púbis, sacro, escápulas, cotovelos, metacarpos e sétima vértebra cervical. Para o bailarino, esses vetores estão inter-relacionados, compondo a direção óssea. No processo de vetores, o intuito é compreender que cada um deles aciona musculaturas específicas e que juntos, formam o movimento.
A partir dessa consciência, o executor inicia o processo de criação da dança, momento de subjetividade e de interpretação individualizada, baseada em direcionamentos precisos. Essa consciência oferece maior liberdade ao criador e o professor torna-se mero facilitador do movimento, ao invés de dar as regras do jogo.
A técnica, mais difundida a partir dos anos 1990, foi bem recebida no meio acadêmico, por ter cunho científico e aplicar a anatomia ao movimento. No entanto, segundo Miller, existem críticas em relação à sistematização da técnica: “Ninguém contesta Klauss Vianna, mas sim a sistematização do que ele criou, porque alguns estudiosos não querem formalizar algo que tende a ser livre. Mas não se trata de aprisionar o trabalho e sim deixar suas bases mais claras para construir e pesquisar um caminho, validando sua técnica entre pesquisadores”.
Pesquisa em dança no Brasil é pouco difundida
Arte e ciência têm uma estreita relação no âmbito acadêmico, no ensino e na pesquisa. Isso se reflete no número crescente de cursos de graduação e pós-graduação em dança no país, a exemplo da Unicamp, USP, Unesp, UFBA entre outras. Para Eusébio Lobo, do Instituto de Artes da Unicamp, as pesquisas na área estão ampliando e o Brasil pode ser considerado um país de excelência: “Temos inúmeras pesquisas em arte, que se intensificaram a partir da década de 90. Nessa época, muitos mestres e doutores foram formados e a relação dança-universidade intensificou-se. Em termos de quantidade, Europa e EUA são mais ricos devido a questões históricas que influem nesse levantamento. Mas quando falamos em qualidade, nossos trabalhos não deixam a desejar”, afirma. Segundo Lobo, um dos maiores problemas enfrentados é a ausência de uma bibliografia popularizada sobre dança. “Temos muito material de pesquisa, ao contrário do que as pessoas imaginam. O problema é que isso fica restrito aos bancos de dados das universidades, pois o mercado editorial valoriza pouco esse filão”, opina.
Para saber mais:
Vianna, Klauss. A Dança. Editora Summus, 3ª edição, São Paulo-SP, 2005.
Bibliografia de Pesquisa em Dança no Brasil: www.luciavillar.com.br