Pensamento de Milton Santos chega às telas do cinema

Milton Santos, um dos mais importantes pensadores sobre o território brasileiro, teve uma parte de sua obra transformada em documentário pelo diretor de cinema Silvio Tendler. “Encontro com Milton Santos, ou o mundo global visto do lado de cá”, merece mérito pela preciosidade do registro, o último antes da morte de Milton, em 2001.

 

 

Milton Santos, um dos mais importantes pensadores sobre o território brasileiro, teve uma parte de sua obra transformada em documentário pelo diretor de cinema Silvio Tendler. “Encontro com Milton Santos, ou o mundo global visto do lado de cá”, merece mérito pela preciosidade do registro, o último antes da morte de Milton, em 2001. Mas não apenas por isso. Para Tendler, o documentário traz a discussão sobre um mundo do ponto de vista dos pobres que procuram alternativas para o mundo como ele é hoje.

O documentário de 89 minutos, vencedor na categoria Júri Popular no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2006, será lançado no dia 17 de agosto em cinco capitais do Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília, Porto Alegre. Para Milton Santos, essas cinco capitais fazem parte da Região Concentrada, que abrange os estados da região Sudeste (Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo), os estados da região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e dois estados do Centro-oeste (Mato Grosso do Sul e Goiás), tendo como pólo as metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro. Essa região se caracteriza pela modernização generalizada, onde os acréscimos de ciência e tecnologia se verificam de modo contínuo, pela intensa circulação interna e acentuada divisão territorial do trabalho. A nova proposta de regionalização para o território brasileiro de Milton Santos está no livro “O Brasil: território e sociedade no inicio do século XXI”, escrito juntamente com Maria Laura Silveira, professora de geografia da USP.

Tendler conta que a entrevista com o professor Milton Santos foi o ponto de partida e também sua principal referência. O documentário expõe um pensamento acerca da globalização e discute as distorções impostas aos países pobres que pagam injustamente pelo crescimento da economia dos países ricos e as conseqüências provenientes dessa lógica do capital, que amplia as diferenças ao invés de redistribuir as riquezas. “O lado de cá são os países do sul, explica o diretor. “Na verdade, para Milton a globalização tem características dos regimes totalitários como o nazismo e facismo, por isso ele a chamava de globaritalismo, que se refere a esse processo imposto pelas grandes empresas à humanidade”, explica Tendler, e completa, “Milton Santos é um dos pensadores oriundo do mundo do sul que pensou esse processo de globalização de um ponto de vista dos pobres”.

O documentário traz um pensamento pessimista do presente, mas uma visão otimista quando tenta mostrar as possibilidades de um novo mundo, também sinalizado pelo professor Milton Santos, onde a união entre as “novas técnicas” e “os de baixo” podem fazer um futuro mais distinto para a humanidade. Milton Santos é um intelectual que, por suas idéias e práticas, inspira o debate sobre a sociedade brasileira e a importância que a categoria território tem na construção desse novo mundo.

De acordo com informações da Agência Senado, onde o documentário foi lançado no último dia (19), no auditório Petrônio Portela do Senado Federal, no filme Milton Santos explica que a informação é o coração da globalização. É através dos sistemas de comunicação que as grandes empresas estabelecem atualmente os seus domínios. Mas é também através da comunicação que pode se dar a mudança rumo a um futuro mais humano. As novas tecnologias de informática-eletrônica, apropriadas, cada vez mais, por pequenos grupos, podem trazer à luz fatos antes conhecidos, e até mesmo desconhecidos pela maior parte das pessoas, sob um novo olhar, um novo ponto de vista.

O conceito de espaço e abordagem inovadora

A obra de Milton Santos traz uma nova proposta sobre o conceito de espaço. O território usado, que é sinônimo de Espaço Geográfico, deve ser estudado sobre a ótica das novas tecnologias, dos agentes hegemônicos e dos hegemonizados, da crescente fluidez que acelera os fluxos das grandes empresas ao mesmo tempo em que nega essa possibilidade para os homens mais pobres, que ele chamou de “os homens lentos”. Nessa abordagem o território adquire novas características para se tornar um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações.

De acordo com Milton, as velhas noções de centro e periferia já não se aplicam, pois o centro poderá estar situado a milhares de quilômetros de distância e a periferia poderá estar dentro do próprio centro. Daí a correlação entre espaço e globalização, que sempre foi perseguida pelos detentores do poder político e econômico, mas só se tornou possível com o progresso tecnológico. Para contrapor-se à realidade de um mundo movido por forças poderosas e cegas, impõe-se, para Santos, a força do lugar, que, por sua dimensão humana, anularia os efeitos perversos da globalização.

Pan impulsiona debate sobre violência no esporte

Os jogos Pan-Americanos despertam também a atenção de cientistas, que analisam a segurança esportiva, importância social dos jogos e violência no esporte. Essas e outras questões foram debatidas no encontro “Jogos Pan-americanos 2007 em Debate”.

Os jogos Pan-Americanos 2007, que acontecem em julho no Rio de Janeiro, são destaque na grande mídia brasileira. Afinal, desde 1963 que um dos eventos mais importantes do esporte não acontece no país. Além de altíssimos investimentos públicos, patrocínios milionários e grande expectativa de torcedores e atletas, o Pan desperta também a atenção de cientistas, que analisam a segurança esportiva, importância social dos jogos e violência no esporte. Essas e outras questões foram debatidas no encontro “Jogos Pan-americanos 2007 em Debate”, organizado pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.

Para adequar a cidade às necessidades do evento, o governo federal investiu dois bilhões de reais para receber mais de cinco mil atletas de 42 países. A segurança urbana e dos espaços das competições está sob total responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública. Foram criados o Centro de Inteligência dos Jogos, ação conjunta dos policiais e monitoramento com 600 câmeras, e o Programa de Segurança Cidadã, onde jovens carentes farão a integração entre turistas e sociedade, como guias cívicos. As preocupações maiores são com o crime organizado, narcotráfico e confronto com policiais.

Entre os cientistas, o que mais tem despertado reflexões a partir da realização do Pan-Americano no Brasil, é justamente a violência no esporte. “Não consigo visualizar política pública na preparação e segurança do Pan. Muito dinheiro tem sido gasto de maneira questionável, pois não há ligação entre o esporte espetáculo – que é o que veremos – e a formação dos direitos do cidadão, explícitos no Estatuto Torcedor. A violência que acontece no esporte não está combatida de maneira segura neste evento”, alerta Heloísa Reis, pesquisadora da Unicamp e doutora em Direito de Segurança Social.

Segundo Reis, as raízes da violência esportiva ultrapassam o mero espírito competitivo do atleta e dos torcedores, pois está inserida no contexto social e no processo de mercantilização esportivo: “A violência tem início a partir da idéia equívoca de que o esporte é um espaço de legitimação da masculinidade. Além disso, não podemos esquecer de fatores como a questão econômica e social, além da corrupção nos clubes, impunidade em relação aos que praticam atos violentos e desigualdade social”. A pesquisadora cita, como marco de violência no esporte, o episódio do Estádio do Pacaembu, em 1995, com uma morte e mais de cem feridos na batalha entre torcedores dos times Palmeiras e São Paulo, que disputavam a extinta Supercopa de Futebol Júnior.

De acordo com Jocimar Daolio, pesquisador da Unicamp, em seu livro Futebol, Cultura e Sociedade, a violência sempre caminhou junto ao esporte, principalmente o futebol, tendo como atores os atletas e torcedores: “A torcida organizada surgiu nos anos 60 e tem sido responsabilizada pela crescente rivalidade entre os clubes. Essa corrente nega a riqueza simbólica do futebol. Existem comportamentos pontuais errados de alguns indivíduos, como em qualquer outra esfera social. As generalizações configuram uma visão preconceituosa e elitista do fenômeno esportivo”, alerta Daolio.

A violência no esporte não preocupa apenas cientistas e políticos brasileiros. Na Europa, ela está ligada ao racismo e à xenofobia. Por conta disso, vários países, como a Espanha, passaram a adotar a lei de proteção da violência, o que tem melhorado gradativamente os índices nos espaços desportivos e projetado o esporte como função social. No Brasil, uma política pública de prevenção da violência no esporte começou a ser articulada em 2003. “Essas diretrizes ainda estão em construção, mas ainda há muito o que fazer: falta política de esporte efetiva, infra-estrutura de equipamentos esportivos, os eventos são mal administrados. Sem falar na banalização de violência pela mídia, com notícias sensacionalistas. Os jornais dão pouca atenção às conclusões dos fatos, como punições aplicadas, o que poderia ajudar a combater o problema”, afirma Heloísa Reis.

Embora várias discussões tenham vindo à tona com o Pan 2007, raros são os momentos de debate científico, segundo especialistas. “Faltam congressos científicos para debater o Pan, o que frustra a comunidade acadêmica, que não tem espaço para apresentar seus trabalhos”, afirma Laércio Pereira, representante da IASI – International Association for Sport Information. Para o diretor da Faculdade de Educação Física da Unicamp, Paulo César Montagner é fundamental que se consiga, a partir do conhecimento acadêmico, multiplicar as informações e fazer com que as questões possam ser amplamente debatidas. “Todos sabem do crescimento do esporte no país e no mundo, os indicadores de PIB são impressionantes. Indústrias mais tradicionais cresceram numa velocidade muito grande e o esporte, em algumas comparações, cresceu 14 vezes mais. Isso já é significativo para que se possa fazer uma discussão com olhar crítico”, explica o pesquisador.

Uma das oportunidades para debater a ciência e a tecnologia no desporto nos Jogos Pan-americanos, ocorreu com o Congresso Pan-Americano de Treinamento Esportivo. O evento, que aconteceu no Rio de Janeiro, entre 21 e 23 de junho, voltou-se para pesquisadores, estudantes e interessados em esporte de alto rendimento. A iniciativa é da Rede Cenesp (Centros de Excelência Esportiva), um projeto do Ministério do Esporte. O congresso abordou temas como treinamento, análise quantitativa e qualitativa do movimento, prevenção de lesões, preparação psicológica e nutrição aplicada. A proposta foi apresentar o que há de mais moderno em treinamento desportivo no mundo.

Raça, racismo e genética: novos parâmetros, velhas práticas políticas?

Análises feitas sobre a ancestralidade do povo brasileiro, pelo geneticista Sérgio Pena, afirmam que do ponto de vista biológico, raça não existe. Entretanto, não há consenso de que as ciências biológicas possam trazer contribuições para um debate sobre a questão racial no Brasil, além da possibilidade de recolocarem o determinismo biológico em novos parâmetros: o genético.

Negar a existência de “raça”, no Brasil, não implica em dizer que racismo não existe. Essa afirmação ganhou destaque na mídia escrita e televisiva com apresentação das análises feitas sobre a ancestralidade do povo brasileiro pelo geneticista Sérgio Pena, professor titular de bioquímica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor do laboratório Gene – Núcleo de Genética Médica. Para ele, do ponto de vista biológico, raça não existe, ou seja, as categorias raciais humanas são construções sociais. Entretanto, não há consenso de que as ciências biológicas possam trazer contribuições para um debate amplo sobre a questão racial no Brasil, além da possibilidade de recolocarem o determinismo biológico em novos parâmetros: o genético. Pesquisadores argumentam que se a noção de raça pode ser pensada como uma construção social é porque raça e racismo existem, ou seja, o conceito de raça é usado no dia-a-dia para classificar socialmente as pessoas a partir da cor da pele, da textura do cabelo e do formato do nariz, por exemplo.

Utilizando ferramentas da genética molecular, Sérgio Pena e colaboradores, mapearam as linhagens paternas, pelo cromossomo sexual Y, e maternas, pelo DNA mitocondrial, de uma amostra de brasileiros autodenominados brancos de várias regiões do país. Nesse teste estimou-se as porcentagens de genes europeus, africanos e ameríndios (indígena) dos indivíduos. As estimativas são baseadas na análise de determinadas regiões do genoma escolhidas por revelarem traços que distinguem genes associados à cada região geográfica, representando uma média do código genético de uma pessoa.

Segundo Ana Maria Galdini Raimundo Oda, professora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, as pesquisas mostraram que a maioria das linhagens paternas era européia (90%), enquanto a maior parte das maternas (60%), era ameríndia ou africana. Isto significa que muitas das pessoas que se consideram brancas de origem européia são, na verdade, mestiços.

Para a professora de História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Adriana Pereira Campos, é importante a contribuição da genética para a discussão sobre raça, pois desmistifica não somente a posição racista, como também a racialista. “Afinal, defendemos ou não que raça não existe?”, questiona, e continua, “agradou-me muito saber que a cor da pele nada serve para definir a herança genética de alguém. Isso acaba com o mito da cor ou da raça”, enfatiza.

Velhas práticas políticas

Na opinião de Lúcia Xavier, coordenadora da Organização não Governamental Criola, afirmar que raça não existe é a mesma coisa que dizer que pobreza não existe. “Eu posso dizer que na favela, onde há uma casa com geladeira, televisão, ar condicionado e telefone, é uma casa de classe média. Na verdade, morar na favela, sem esgotamento sanitário, onde as pessoas têm baixa escolaridade e a maioria é negra, não serve como parâmetro para este novo argumento”. Ela questiona a genética ao definir os parâmetros para que determinado grupo social tenha direitos, lembrando que o racismo foi legitimado pela ciência durante a época da escravidão. A teoria científica do racismo ficou conhecida por afirmar que existiam raças inferiores não capazes do desenvolvimento intelectual. Tais raças estariam naturalmente destinadas ao trabalho manual, pois não conseguiam compreender as idéias complexas e avançadas. “Será ele de novo científico, quer dizer, a ciência vai prestar de novo esse papel? O que vale é a genética?”, questiona. Na opinião dela, os argumentos são novos, mas a ação política é antiga. “A genética não determina a prática política, que é feita nas relações sociais”, afirma.

Xavier, da Criola, ainda destaca que a questão colocada pela genética pouco contribui para a formação da consciência crítica da sociedade em um Estado democrático de direito. “As pessoas querem ainda ter a possibilidade de usar a metáfora do: ‘sabem com quem você está falando?’. Elas querem ser cidadãos através dos privilégios e não dos direitos, terem um tipo de conduta política que coloque para elas, o privilégio de poderem ter essas condições para seu próprio beneficio”. Nesse ponto a pesquisadora da Ufes, Adriana Campos, concorda com Xavier: “Tenho dúvidas que as pessoas estejam dispostas a abrir mão de posições consolidadas a respeito do conceito de raça, seja biológico, seja social, em favor de opiniões mais democráticas”.

Na opinião de Ana Maria Oda, pesquisadora da Unicamp, é pouco provável que a constatação do predomínio ameríndio e africano na ascendência materna dos “brancos” possa mudar a auto-imagem dos brasileiros e, ainda menos, evitar preconceitos e atitudes racistas. “Claro que esta é uma constatação empírica válida e que pode ser usada como argumento na defesa da igualdade humana, da mesma forma que se fez uso da defesa da teoria científica do monogenismo, isto é, a ancestralidade comum da espécie humana, hoje inquestionável, no passado. Mas não pode ser o argumento principal, pois a igualdade humana não se assenta em princípios biológicos, mas éticos, e nunca é demais repetir isso” conclui.

A questão da raça na mídia

Recentemente a mídia publicou diversas matérias sobre as pesquisas envolvendo resultados sobre a ancestralidade humana. A revista Veja, por exemplo, da Editora Abril (edição 2011), estampou em sua capa o caso dos irmãos Alan e Alex, de Brasília, gêmeos idênticos, classificados como sendo de raças diferentes pela Universidade de Brasília, quando concorriam ao sistema de cotas para negros nos cursos de graduação. “Um absurdo”, segundo a revista.

De acordo com Álvaro Pereira do Nascimento, professor do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), boa parte da grande imprensa tem procurado criar uma relação simplista entre raça e racismo, mas o quadro é mais complexo. “Se não há raças, então, como explicar o racismo?”, questiona o pesquisador. Aí vem o grande nó da questão. Segundo ele, são as construções sociais de raça que ajudam a determinar as relações sociais . “O resultado do racismo pode ser visto na cor predominante entre os funcionários dos melhores cargos das empresas. Vejo poucas matérias mostrando brancos famosos que têm um antepassado africano, pois preferem o indígena”, explica Nascimento.

A pesquisadora da Unicamp espera que estes conhecimentos científicos sejam apropriados pela sociedade de forma crítica, ou seja, devem circular como é a característica de uma democracia. “De forma geral, é preciso ter consciência não só das fascinantes possibilidades oferecidas pelos estudos da genética, mas também de suas limitações, dos significados específicos de seus achados, evitando-se reducionismos e usos indevidos destes resultados nos debates sobre questões sociais”, conclui Oda.

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