Seminário amplia discussão latino-americana sobre tecnologia social

Relevância da tecnologia na diminuição das assimetrias sociais dos países latino-americanos, princípios e características que devem definir uma tecnologia voltada para inclusão, políticas públicas necessárias para concretização de ações que aliem tecnologia e inclusão foram alguns dos pontos debatidos por pesquisadores, gestores e representantes de entidades civis de países latino-americanos durante o “Seminário tecnologia para inclusão social e políticas públicas na América Latina”, que aconteceu entre os dias 24 e 25 no Rio de Janeiro.

Qual a relevância da tecnologia na diminuição das assimetrias sociais dos países latino-americanos? Quais os princípios e características que devem definir uma tecnologia voltada para inclusão? Quais as políticas públicas necessárias para concretização de ações que aliem tecnologia e inclusão? Essas foram algumas das questões debatidas por pesquisadores, gestores e representantes de entidades civis de países latino-americanos durante o “Seminário tecnologia para inclusão social e políticas públicas na América Latina”, que aconteceu entre os dias 24 e 25 no Rio de Janeiro.

A realização do evento está inserida no contexto das discussões iniciadas no Brasil no inicio desta década sobre a tecnologia social (TS) ou tecnologia para inclusão social. Desde então, o “movimento da TS” tem se ampliado com estabelecimento de uma rede de discussão e ação que envolve pesquisadores, representantes do governo e organizações civis.

Os debates do primeiro dia estiveram centrados na discussão do “marco analítico-conceitual”, de possíveis metodologias para pesquisa sobre TS e no debate sobre a importância da inserção das tecnologias sociais como eixo de políticas públicas estruturantes. Segundo Luis Fernandes, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), os projetos nacionais que definiram a trajetória dos países latino-americanos foram marcados por governos autoritários e pelo foco no crescimento econômico. “Hoje sabemos que é fundamental combinar promoção do desenvolvimento com distribuição de renda. Isso nos obriga a conceber a inovação de outra maneira, de uma forma mais ampla, que coloque a tecnologia para inclusão como um eixo para se pensar em políticas públicas estruturantes que aliem desenvolvimento, consolidação democrática e inclusão”.

Ainda com respeito à inserção da TS na agenda pública, Hernán Thomas, pesquisador da Universidade Nacional de Quilmes, ressaltou a importância estratégica de pensar a tecnologia para inclusão como um fator chave para o desenvolvimento futuro da América Latina. “Entender como a tecnologia incide nos processos de inclusão e exclusão social tem sido uma temática tratada de forma marginal, mesmo sendo uma dinâmica fundamental para entender o contexto dos problemas estruturais latino-americanos”.

Para Henrique Novaes, pesquisador do Grupo de Análise de Política de Inovação (Gapi) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o momento de crise atual pode significar uma oportunidade para colocar o tema da tecnologia, na agenda pública e dos movimentos civis, dentro de uma lógica vinculada às necessidades dos empreendimentos solidários. “No entanto, a TS somente deixará de ser algo exótico quando entrar na agenda pública e for tomada como algo de fato ligado a um novo modelo de desenvolvimento”, ressaltou Novaes.

Outro ponto destacado durante o Seminário foi o papel da comunidade de pesquisa na construção de mediações entre as necessidades sociais e produção científico-tecnológica. “Não é viável falar em tecnologia para inclusão sem discutir a necessidade de produção pelas universidades públicas de um conhecimento na direção da transformação social”, ressaltou Renato Dagnino, pesquisador do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp.

Os debates também trouxeram um panorama sobre o papel dos organismos internacionais e das Organizações Não Governamentais (ONGs) para a difusão e desenvolvimento das tecnologias sociais da América Latina. Os participantes destacaram o papel a Rede de Tecnologia Social (RTS) no Brasil e de estudos de experiências de sucesso como as desenvolvidas no campo da agroecologia e agricultura integrada, habitação popular urbana e tecnologias voltadas para empreendimentos cooperativos e solidários.

Aldeia guarani conta sua história em livro bilíngüe

Falar sobre si mesmo, escrevendo sua própria história. Essa é a proposta do livro Nhande reko Ymaguare a’e Aygua (Nossa vida tradicional e os dias de hoje). Cinco autores narram em autobiografias o que é ser guarani, o modo de vida e a realidade da aldeia Tekoa Pyau, localizada no Pico do Jaraguá, na cidade de São Paulo.

Uma nova velha história das terras de Pindorama começa a ser contada pelos descendentes dos povos ancestrais que aqui viviam. O lançamento do livro Nhande reko Ymaguare a’e Aygua (Nossa vida tradicional e os dias de hoje), que retrata a cultura indígena guarani mbya, do tronco lingüístico tupi, é a primeira oportunidade que os índios da aldeia Tekoa Pyau, localizada na base do Pico do Jaraguá, na cidade de São Paulo, têm para contar sua própria história e, a partir dela, a história do seu povo.

O livro é resultado do projeto da antropóloga Marília G. Ghizzi Godoy premiada pelo “Concurso de Apoio a Projetos de Promoção da Continuidade da Cultura Indígena”, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Nele, cinco autores fazem pequenas autobiografias para compor retratos do que é ser guarani e contar sobre seus costumes, modo de vida e a realidade da aldeia.

Segundo Tupã, liderança indígena da aldeia Tekoa Pyau , o livro é o resultado da luta indígena pelo direito de escrever sobre si, “livre dos observadores externos”. Assim, a publicação seria, principalmente, uma demonstração de que o índio pode fazer o que não-índio faz: falar sobre si mesmo. Ao falar sobre o gênero autobiográfico, Tupã afirma que “o não-índio conta a história de si, de apenas um, e índio, quando conta sua história, ele conta a história de muitos, do seu povo”. Para ele, o índio poder escrever sobre si é uma grande vitória da resistência indígena sobre séculos de preconceito cultural, sobre “as mentiras que parecem verdades e as verdades que parecem mentira”. Assim, ainda há muito para ser contado sobre a conquista européia do continente americano, sobre a opressão dos índios e sobre a construção do Brasil. E os guarani podem contribuir, segundo Tupã, com essa redescoberta histórica das origens do país, o que ajudaria tanto aos índios quanto aos não-índios a viverem melhor.

A partir da idéia de viver num mundo melhor e de compartilhar seus conhecimentos com os não-índios, é que se tomou a decisão de se fazer um livro bilíngüe (guarani-português). Os moradores da aldeia Tekoa Pyau acreditam que esse conhecimento pode ajudar a preservar a natureza e diminuir o “preconceito” do não-índio sobre seu modo de viver. Porém, para eles, o mais importante é que o livro será distribuído para outras aldeias mbya, o que fortalecerá seus laços étnicos e sua identidade. “Esse livro a gente vai dar para cada aldeia guarani. Como já morei em várias delas, eles vão me reconhecer pela foto e pelo nome e podem ler o que escrevi, em guarani. As crianças também podem aprender”, explica Vitor Soares, um dos autores do livro, que também relata a dificuldade de escrever em guarani, já que sua cultura é baseada na oralidade. Ele precisou recorrer aos mais velhos para lembrar palavras que havia esquecido.

Para a aldeia, a preservação do seu patrimônio lingüístico é fundamental, pois, para os Mbya, a identidade guarani é acima de tudo sua língua: através dela é que os ensinamentos dos mais velhos e o “modo de ser e viver guarani” (nhande reko) podem ser transmitidos. Além disso, muitos Guarani, como Jovelino, professor do coral da aldeia, ainda lembram do período da ditadura militar quando eram proibidos de falar sua língua em público. Por isso, para muitos deles, um livro escrito por suas próprias mãos e em sua própria língua seria algo impensável. Hoje, essa porta, que começa a ser aberta, leva os guarani a sonhar com uma autonomia e participação jamais imaginadas.

Que este seja apenas o primeiro de muitos.

Nhande reko Ymaguare a’e Aygua – Nossa Vida Tradicional e os Dias de Hoje Darci da Silva (Karai Nhe’ery), Fabiana Pires de Lima (Yva Poty), Vitor F. Soares Guarani (Karai Miri), Willian Macena (Vera Miri), Santa Soares (Kerexu Gera Poty) e Marília G. Ghizzi Godoy (coordenação) Editora Terceira Margem 2007

Estudo da comunicação das bactérias pode auxiliar o combate de doenças

Químicos da Unicamp se associam a microbiologistas da USP para descobrir e isolar as substâncias químicas que as bactérias utilizam para se comunicar. O trabalho pode levar a meios de combate a doenças humanas, de animais e até pragas da lavoura.

O estudo dos mecanismos químicos de comunicação entre as bactérias traz uma chance importante de combater doenças e pragas extremamente resistentes, tanto na saúde humana quanto na agricultura e pecuária. É o que afirma o químico Armando Mateus Pomini, doutorando do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp.

Iniciado em 2005, o projeto de Pomini é pioneiro no Brasil e visa isolar as substâncias químicas que atuam como sinalizadoras (carregam uma informação de comando) em mecanismos comunicativos conhecidos como “quorum sensing” produzidos por bactérias que provocam doenças em plantas como a goiaba e o milho.

O quorum-sensing é uma estratégia eficaz de proliferação das bactérias. Pomini explica que, quando uma bactéria invade um organismo, como por exemplo o corpo humano, existe a tendência de o hospedeiro tentar eliminar ou se proteger deste invasor. Assim, se uma população pequena e frágil de bactérias iniciasse um ataque contra o organismo humano ela seria facilmente combatida. Por isso, esses microrganismos adotaram uma estratégia para avisar a colônia a hora mais propícia para atacar, ou seja, quando a população bacteriana for alta. Nesse momento, as bactérias emitem uma substância química como sinal de “autorização” do ataque. É como se existisse uma voz de comando que dissesse “agora somos numerosos e fortes, vamos atacar!”, essa ordem é a própria substância química responsável pela comunicação.

Segundo Pomini, esse estudo é importante uma vez que, bloqueado o mecanismo de comunicação intercelular, as bactérias se tornam muito mais suscetíveis à ação de medicamentos e bactericidas porque a estrutura organizacional da colônia fica minada.

O grupo de trabalho em quorum sensing é composto por uma equipe multidisciplinar de químicos e microbiologistas. A equipe é liderada pela especialista em química orgânica, Anita Jocelyne Marsaioli, do Instituto de Química da Unicamp e o grupo de microbiologistas é coordenado pelo biólogo Welington Luiz de Araújo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, em Piracicaba. Araújo é especialista em microbiologia aplicada à agricultura. A partir de amostras fornecidas por Araújo, Pomini as avalia através de um biossensor. A identificação das substâncias é feita principalmente através de técnicas de cromatografia gasosa. O estudo já identificou uma série de compostos químicos da classe das substâncias que usualmente atuam como sinalizadoras químicas.

A interdisciplinaridade é uma das características mais marcantes deste tipo de trabalho. Segundo Pomini, os químicos preenchem um vazio, uma vez que um dos problemas encontrados pelos microbiologistas é fazer o isolamento, síntese e a caracterização estrutural das substâncias que atuam como sinalizadoras químicas. Juntos, os dois grupos de profissionais podem levar a descobertas que bloqueiem a comunicação entre as bactérias e assim garantir mais saúde para pessoas, animais e até plantações.