Software-livre brasileiro para medicina é destaque internacional

Entre os dias 24 e 29 de setembro, ocorreu em Portugal o evento Prototipagem Virtual Rápida 2007. Com três trabalhos sobre o software InVesalius, a equipe brasileira do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA) ganhou destaque pelo trabalho conjunto de médicos e programadores e também pelo fato do software ser livre.

Entre os dias 24 e 29 de setembro, ocorreu em Portugal o evento Prototipagem Virtual Rápida 2007 (VR@P, na sigla em inglês). Realizado no Instituto Politécnico de Leiria, o fórum tinha como objetivo promover a integração entre as várias disciplinas envolvidas na pesquisa de protótipos físicos e virtuais. Com três trabalhos sobre o software InVesalius, a equipe brasileira do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), localizado em Campinas (SP), ganhou destaque pelo trabalho conjunto de médicos e programadores e também pelo fato do software ser livre.

A Prototipagem Rápida (RP) é uma tecnologia que utiliza desenhos ou modelos virtuais projetados em computador para a produção de modelos com fidelidade absoluta. Esta técnica é utilizada na área de engenharia industrial para o desenvolvimento de peças e partes nas áreas automobilísticas, aeronáutica, naval e de bens de consumo. A partir do desenho virtual, o protótipo é construído com a ajuda de máquinas que produzem os modelos através do depósito de camadas de polímeros – macromoléculas formadas pela união de substâncias simples.

Esta tecnologia vem sendo aplicada na medicina há 20 anos. No CenPRA, dentro da Divisão de Desenvolvimento de Produtos, surgiu em 2001 o projeto Prototipagem Rápida na Medicina (Promed), que visa a aplicação da computação gráfica e a prototipagem rápida no planejamento de cirurgias complexas de ortopedia, reconstrução bucomaxilofacial e cranial. O protótipo facilita a intervenção médica, pois possibilita uma melhor visão clínica, além de permitir a construção de próteses específicas para cada caso.

O software funciona da seguinte maneira: ele usa uma série de imagens bidimensionais captadas por ressonância magnética ou tomografia computadorizada para a construção de um modelo tridimensional virtual. Existem outros programas que cumprem esta mesma função, mas apresentam grandes desvantagens para a aplicação em hospitais brasileiros, por terem um custo elevado, exigirem computadores de altíssima performance para rodar e sua interface ser em inglês. A realidade brasileira sempre permeou o desenvolvimento do InVesalius. O programa é gratuito, opera em computadores comuns e, principalmente, possui uma interface em português e de fácil operação, já que foi desenvolvido com a cooperação constante de médicos.

Após a construção da imagem tridimensional, o software exporta esses dados para uma máquina que constrói os modelos reais. No CenPRA, utiliza-se uma máquina de Sinterização Seletiva a Laser (SLS). Esta faz uso de pó de poliamida para produzir os modelos, através do depósito de camadas que, pouco a pouco, formam um protótipo preciso do desenho virtual do software.

O InVesalius permite que o médico trabalhe nas imagens com grande liberdade. É possível segmentar de diferentes ângulos e obter medidas precisas. Além disso, pode-se utilizar o programa para reconstruir partes danificadas, como por exemplo, em um crânio que tenha sofrido esmagamento, o software projeta o lado sem danos no outro para que se possa fabricar uma prótese muito acurada.

Segundo Tatiana Martins, coordenadora do projeto do programa, o CenPRA já participou do desenvolvimento de mais de 800 protótipos aplicados em casos de diversos hospitais brasileiros. “Seguramente, temos um dos maiores números de casos no mundo”, afirma. Outras aplicação do InVesalius são feitas na paleontologia e antropologia. “Já utilizamos o software para a reconstituição de uma múmia egípcia e de fósseis animais”, conta a pesquisadora. Os planos futuros estão concentrados no desenvolvimento da versão 2.0 do programa, que será bilíngüe. A partir de novembro, Martins acredita que o software se tornará mais popular, pois passará a fazer parte do site http://www.softwarepublico.gov.br.

Parceria científica com empresa fortalece programa de neurociências

O Programa de Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe) acaba de fechar um acordo de parceria científica com a empresa Philips. O acordo de pesquisa e desenvolvimento implica que os equipamentos de Ressonância Magnética a serem fornecidos pela empresa serão sistemas abertos para os pesquisadores do Programa CInAPCe.

O Programa de Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe) acaba de fechar um acordo de parceria científica com a empresa Philips. A parceria consiste basicamente de um programa específico de treinamento e de um acordo de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico. O programa de treinamento envolve também a operação e a manutenção de equipamentos de Ressonância Magnética (RM).

O acordo de pesquisa e desenvolvimento implica que os equipamentos de RM fornecidos pela empresa serão sistemas abertos para os pesquisadores do Programa CInAPCe, ou seja, não serão simplesmente utilizados para estudos clínicos, mas funcionarão como verdadeiros laboratórios em que se poderá criar, testar e desenvolver novos métodos de aquisição de dados e de processamento de imagens. Além disso, os pesquisadores do programa passarão a ter acesso às pesquisas desenvolvidas por outros centros que têm o mesmo tipo de acordo com a empresa.

“Normalmente, as empresas ou serviços que possuem equipamentos desse tipo podem apenas operá-los de acordo com certos protocolos preestabelecidos. No nosso caso, esses equipamentos serão laboratórios de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico. Com isso, o Programa CInAPCe e a Unicamp em particular passam não só a ter acesso a esse tipo de tecnologia, mas poderão atuar no seu desenvolvimento. Surge, com isso, a possibilidade do desenvolvimento de novos métodos e processo, podendo gerar inovações e patentes”, afirma Roberto Covolan, professor do Instituto de Física da Unicamp.

Uma outra vantagem tem a ver com a possibilidade de empregar tecnologia de ponta em estudos clínicos que serão realizados no âmbito do CInAPCe. Espera-se, com isso, ter meios mais eficientes para elucidar os aspectos neurobiológicos associados às patologias a serem estudadas.

“Além de atender as necessidades de diagnósticos avançados na rede de saúde, pode-se esperar um impulso considerável na área de RM, inclusive aquisição de novos equipamentos por clínicas e hospitais que ainda não possuem nem um sistema da modalidade até a atualização de equipamentos existentes”, diz Bernd Foerster, físico responsável pelos projetos científicos junto à empresa.

Segundo ele, a empresa mantém uma rede internacional de sites de pesquisa, e essa comunidade está se expandindo constantemente, abrangendo os mais diversos projetos científicos. “A excelência das instituições envolvidas no grupo CInAPCe, cada uma em sua especialidade, se encaixa perfeitamente nessa rede internacional, além de promover o avanço tecnológico dos equipamentos da empresa”, afirma.

O CInAPCe é formado por seis instituições de ensino e pesquisa do estado de São Paulo e, destas, a Unicamp e a USP – campi de São Paulo e de Ribeirão Preto – receberão os equipamentos de RM. “O processo de importação dos equipamentos já foi iniciado permitindo que a instalação possa ser efetuada no final deste ano ou no começo do próximo.

Inicialmente, será executado o treinamento padrão, que se divide em duas fases: básica e avançada. Em seguida, serão oferecidos treinamentos específicos para os projetos científicos a serem realizados em sites da rede cientifica da empresa e nas sedes em Holanda e Cleveland. Os trabalhos serão acompanhados constantemente durante a vigência da parceria científica. “Penso que em meados do próximo semestre esse equipamento já estará operando plenamente e em tempo integral”, diz Covolan.

Além dos aparelhos de RM dessa parceria com a Philips, o Programa CInAPCe também conta com um equipamento do Hospital Albert Einstein que foi fornecido pela Siemens.

Descoberta de bactéria multicelular intriga pesquisadores

Microorganismo encontrado em 1982 na lagoa do Araruama, no Rio de Janeiro, por equipe de cientistas brasileiros, só agora pode ser melhor compreendido e reúne características peculiares suficientes para ser classificado como uma nova espécie.

Lendas antigas sempre falam de estranhas criaturas que habitam o fundo dos lagos ao redor do mundo. E foi justamente em uma lagoa brasileira que uma dessas criaturas foi encontrada. Longe de ser um dos lendários monstros, o Magnetoglobus multicellularis é apenas uma bactéria, mas está desafiando uma equipe de cientistas que há 25 anos tenta compreender esse ser bastante peculiar que é diferente de todos os outros microorganismos conhecidos até então. A bactéria habita as águas salgadas da lagoa do Araruama, no Rio de Janeiro, e foi encontrada por uma equipe de pesquisadores brasileiros em 1982, mas só agora pode ser melhor compreendida.

Magnetoglobus multicellularis (literalmente, “bola magnética multicelular”) é uma criatura tão intrigante que o artigo que o descreve foi capa da edição de junho da revista International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, publicado pela Sociedade de Microbiologia Geral do Reino Unido. “O organismo parece desafiar. Ele não se ’encaixava’ em nenhuma forma de classificação e foi preciso muito trabalho na microscopia eletrônica, no estudo comportamental, no estudo de propriedades magnéticas para melhor compreendê-lo”, conta Henrique Lins de Barros, físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e um dos autores do artigo sobre a bactéria.

O organismo é tão diferente das outras bactérias que foi classificado como uma nova espécie. “Tudo mostra que ele é uma espécie nova no filo das Proteobacteria”, afirma Barros. Porém, para que seja oficializado como uma nova espécie, é preciso que as bactérias sejam cultivadas em uma cultura pura – o que ainda não foi alcançado pela equipe de pesquisadores. “Para ir adiante, é preciso conseguir amostras mais ricas: conseguir um meio de enriquecimento ou, idealmente, um meio de cultura. Aí estaremos entendendo o metabolismo e poderemos estudar detalhes que com as atuais amostras não é possível”, explica o físico. Deste modo, a nomenclatura atual do microorganismo recebe a indicação Candidatus na frente, para apontar que seu nome ainda não é definitivo.

O trabalho está sendo tão complexo que exige a participação de pesquisadores de diversas áreas. Além de Barros, a equipe é composta por Fernanda Abreu, Juliana Lopes, Carolina Keim e Ulysses Lins, do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da UFRJ, e Frederico Gueiros Filho, do Departamento de Bioquímica da USP, que se uniram para a difícil tarefa de descrever e compreender este intrigante organismo. “Sem este grupo de pesquisadores de alto nível, seria simplesmente impossível trabalhar com as amostras que temos”, declara Barros.

Particularidades

A lista de excentricidades da nova criatura é bem comprida. O primeiro fato que chamou a atenção dos cientistas é que ele é formado por um aglomerado de cerca de 20 células procariontes (sem membrana nuclear) – até então todos os organismo procariontes conhecidos são unicelulares. A questão gerou dúvidas se o organismo não seria uma colônia de bactérias interdependentes, mas as análises mostraram que não. “Juntar física com biologia foi um passo importante”, diz Barros. “A física mostrava que o comportamento observado só poderia ser explicado se houvesse um altíssimo grau de organização, o que nos levava a supor que estávamos diante de um organismo que só seria viável enquanto indivíduo. A biologia, em particular a microbiologia, mostrava que as células estavam juntas, compactas, e que não podiam existir isoladas”, completa.

Outra peculiaridade é o fato da bactéria crescer, aumentando seu número de células para 40, e logo depois se dividir em dois novos organismos. “Estes organismos são esféricos. Cada uma das células cresce (todas ao mesmo tempo) e se dividem (todas ao mesmo tempo). E aí ele se deforma e dá origem a dois novos organismos esféricos. É um processo raro de reprodução”, explica Barros.

Um dos aspectos mais interessantes é a capacidade da bactéria interagir com seu campo magnético. As bactérias magnéticas são comuns: elas possuem minúsculos cristais de magnetita no interior de seus corpos e utilizam seu magnetismo para navegar nos sedimentos e na água, como se fossem bússolas microscópicas.

Porém, o Magnetoglobus multicellularis tem um comportamento muito mais complexo. Diferente das outras bactérias magnéticas, ele não é dominado pelo campo magnético, podendo até mesmo nadar contra ele. Além disso, o organismo produz ao mesmo tempo dois tipos de cristais com ferro, a magnetita e a greigita – a produção de ambos os cristais por um único organismo ainda não foi descrita. E mais: a bactéria é capaz de controlar o tamanho, a forma e a composição química do cristal, transformando o ferro do ambiente nesses cristais em um processo de biomineralização. “Tem muito mais coisa nesta área e ainda estamos bem distantes de entender”, afirma o pesquisador.

Novos horizontes

A descoberta dessa interessante criatura não é apenas intrigante, mas também pode apontar novos horizontes para diversas áreas da ciência. Seus estudos podem ajudar a compreender a evolução da vida na terra, podendo até mesmo, em uma visão otimista, preencher uma lacuna evolutiva. “O Magnetoglobus multicellularis representa uma forma de organização de bactérias que até então não tinha sido vista, dando origem a um indivíduo multicelular. É interessante pensar como isto ocorreu e o que levou a que isso ocorresse”, declara Barros. Mas adverte: “Afirmar que o organismo é um hiato evolutivo é prematuro, ainda existem muitas perguntas a serem respondidas”.

Outra nova porta que poderia ser aberta com a pesquisa desta bactéria diz respeito a seu magnetismo. A compreensão do processo com que transforma o ferro do ambiente em cristais de magnetita e greigita pode possibilitar o desenvolvimento de um método para produzir cristais magnéticos muito puros e de excelente qualidade. Em outras palavras, o Magnetoglobus multicellularis pode ensinar físicos e tecnólogos como produzir nanocristais magnéticos que poderão ser empregados nas futuras gerações de computadores. Isso é o que pode ser vislumbrado com o que já se sabe sobre essa criatura hoje. Mas ainda há muito mais a se descobrir a respeito desse organismo misterioso, o que pode significar novos horizontes para a ciência.