Avaliação do Bolsa Família quer priorizar benefícios além da renda

Em seminário na Unicamp, a socióloga Maria Inês Caetano Ferreira apresentou uma proposta inovadora de avaliação do programa Bolsa Família. Seu objetivo é verificar os efeitos do programa para além da renda. Partindo das experiências dos beneficiários, ela pretende avaliar se o programa facilita o acesso das famílias a direitos sociais como saúde e educação.

Nos anos 80, um trecho da música Comida dos Titãs soou como crítica aos formuladores de políticas públicas no Brasil: “a gente não quer só comida”. Naquela época, o agito e reflexão social promovidos pela redemocratização do país favoreciam a percepção pública do assistencialismo que impregnava muitas ações de combate à pobreza, que costumavam dar comida. Em resposta, nos anos 90 começaram a pulular programas de transferência de renda: Renda Mínima, Bolsa-Escola e, agora, Bolsa Família, que ganhou magnitude no governo Lula.

No novo cenário, outro trecho da mesma música parece continuar válido, atual e crítico: “a gente não quer só dinheiro”. É consensual a idéia de que acabar com a pobreza requer mais do que recursos. Muitas avaliações sobre o Bolsa Família medem seu impacto apenas sobre a renda das famílias pobres. O que escapa a essas avaliações?

Beneficiária de Santo André exibe o cartão do Bolsa Família: seria o programa um passaporte para a cidadania?
Foto: Carolina Justo

Essa é a inquietação de Maria Inês Caetano Ferreira, socióloga, que desenvolve projeto de pós-doutoramento junto ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp. No dia 17 de setembro, ela apresentou um enfoque inovador para analisar os efeitos de programas como o Bolsa Família.

Na palestra, proferida no auditório do Nepp, Ferreira mostrou sua preocupação em avaliar os efeitos do programa para além da renda. Na pesquisa, circunscrita à capital paulista, mais especificamente ao bairro do Grajaú, ela fará entrevistas qualitativas com os beneficiários do programa. Em seu roteiro, mais do que perguntas sobre a forma como gastam o dinheiro recebido, ela procura saber dos beneficiários o que pensam do programa, se o consideram justo ou não, se sabem como, para que e para quem ele foi criado, e se ele estimula ou não o exercício da cidadania.

Quanto a este último item, seu interesse principal é saber se o programa promove um estreitamento das relações das pessoas de baixa renda com o Estado, facilitando, por exemplo, seu acesso à escola e serviços de saúde, entre outros. Com isso, a pesquisadora procura apreender possíveis efeitos dos programas de transferência de renda sobre outras dimensões da pobreza, como a política, social e cultural.

Cobrar das famílias ou do Estado?

Enquanto a opinião pública cobra o controle mais efetivo sobre o cumprimento pelas famílias beneficiárias das condicionalidades impostas pelo Bolsa Família, Maria Inês se preocupa em averiguar se participar do programa permite às famílias pobres terem acesso a direitos sociais, ainda que “forçadas” pelo programa. As contrapartidas funcionariam, assim, como uma “obrigação positiva”. “No Bolsa Família, as condicionalidades têm como principal objetivo reforçar o acesso aos direitos sociais. O acompanhamento e a punição de quem não obedece a regra é parte obrigatória para que a proposta deixe de ser apenas ‘proposta’ e para que o tal acesso aos direitos se concretize”, explica ela.

Apesar disso, talvez seja mais importante avaliar se o Estado está conseguindo garantir o acesso aos direitos sociais previstos como condicionalidades do Bolsa Família – basicamente saúde e educação para as crianças – do que se as famílias estão fazendo a sua parte. Como pondera a socióloga, “o não cumprimento das condicionalidades pelas famílias pode estar vinculado ao problema de o próprio Estado não oferecer condições para tanto (não oferecer escola e saúde pública, por exemplo)”. Seria justo cobrar das famílias quando é o Estado que deixa de cumprir suas responsabilidades?

Antidepressivo não normaliza humor

Pesquisa realizada na USP revela que antidepressivos administrados a pessoas consideradas normais podem alterar seu humor e comportamento, provocando sensação de bem-estar, mesmo que a pessoa não tenha depressão. A descoberta indica que o antidepressivo não é um normalizador do humor, elevando-o em situações de “normalidade”.

Medicamentos antidepressivos administrados a pessoas consideradas normais podem alterar humor e comportamento, provocando sensação de bem-estar mesmo que a pessoa não tenha depressão. Isso é o que revelam os dados preliminares do estudo realizado pela equipe da professora Clarice Gorenstein, do Instituto de Ciências Biomédicas, da Universidade de São Paulo. Para Rubens Coura, psicanalista e psiquiatra, a pesquisa da USP confirma o que ele já constatava em sua clínica, ainda que a corrente médica dominante pense o contrário. “O uso de antidepressivo não tem como indicar se a pessoa é deprimida ou não, pois ele eleva o humor de qualquer pessoa”, afirma. “Os antidepressivos não são um normalizador do humor, e sim um elevador do humor”, enfatiza.

O grupo de Gorenstein, que já vem estudando esses efeitos desde 1998, observou diminuição da irritabilidade e tensão nas interações sociais, aumento da sensação de bem estar, mudança na tolerância, desempenho, concentração, sensação de confiança, de eficiência cognitiva, de melhora na tomada de decisões e na habilidade de priorizar demandas em voluntários que receberam baixas doses de clomipramina. “Cerca de 30% das pessoas saudáveis que tomam o antidepressivo vão ter esse tipo de resposta”, revela Clarice. A mudança foi relatada não só pelos próprios voluntários, mas também por pessoas próximas è eles, além de serem constatadas através de acompanhamento psicológico.

A pesquisadora faz questão de lembrar que, observar essas mudanças tem como intuito apenas gerar conhecimento científico. “Não estamos preconizando o uso para quem não tem necessidade”, enfatiza Clarice, descartando a psiquiatria cosmética como finalidade.

A clomipramina, princípio ativo utilizado no estudo, é um dos mais antigos antidepressivos no mercado. No Brasil, é encontrado em medicamento de marca e também em genéricos. Sua utilização no estudo deveu-se a experiência prévia do grupo com relatos de efeitos extra-terapêuticos obtidos com a droga.

Em estudos anteriores, pacientes com síndrome do pânico tratados com baixas e médias dosagens do princípio ativo relataram mudanças inesperadas em seu estado de humor. Segundo eles, os antidepressivos os deixavam ainda mais dispostos do que antes de estarem doentes. De acordo com esses relatos e o atual estudo, os antidepressivos afetariam o humor das pessoas independente da presença de psicopatologias.

Os resultados preliminares do estudo foram publicados em carta aos editores na edição de junho do Journal of Clinical Psychopharmacology. Financiada pela Fapesp, a pesquisa ainda está recrutando voluntários. Parte do princípio ativo usado no estudo foi doado pela Novartis, empresa produtora do medicamento de marca.

Normalidade?

“Nossos critérios de inclusão de voluntários na pesquisa são muito rígidos”, explica Clarice. Os voluntários selecionados são pessoas saudáveis do ponto de vista clínico e mental, que não apresentam queixas ou sintomas e não têm histórico pessoal ou familiar de qualquer tipo de alteração psiquiátrica.

A triagem dos voluntários conta com um questionário, entrevista psiquiátrica, questionário de histórico familiar, exames laboratoriais, eletrocardiograma e exames físicos. Os voluntários também não podem ter nenhuma doença crônica, doença de absorção, presente ou passada, ou obesidade.

A captação de voluntários para a pesquisa se deu através de divulgação na mídia leiga. Descritos na pesquisa como saudáveis ou normais, os voluntários fazem parte de uma seleta parcela da população. “Na verdade, dentro da normalidade eles não estão”, brinca Clarice, ao revelar que das duas mil pessoas que se voluntariaram até o momento, apenas 200, ou seja, 10%, foram consideradas aptas.

Construção social

“Normalidade é uma construção social”, afirma Daniel Pereira Andrade, doutorando em sociologia na USP, que está desenvolvendo a pesquisa “Da melancolia à depressão” e faz parte do grupo de pesquisa “Sintoma Social”, que discute os novos sintomas psíquicos do ponto de vista sociológico.

Segundo Andrade, o controle afetivo das pessoas que impera na sociedade atual cria uma nova forma de normalização na qual são supervalorizados a iniciativa, o consumo e a diversão. “O tipo de pessoa que nossa sociedade precisa é aquela que está disponível para novas experiências”, o que a depressão impediria.

Rubens Coura pensa de maneira semelhante. Nos últimos vinte anos, segundo ele, vem havendo um uso indiscriminado dos antidepressivos, fato que atribui à ideologia da qualidade total. “Você tem que estar sempre jovem, belo, saudável, feliz”. Quem não se enquadra perfeitamente nesse ideal se sente deslocado, é visto como “depressivo” pela sociedade e acaba recorrendo à medicação.

O antropólogo francês David Le Breton analisa essa fabricação psicofarmacológica de si e do corpo em seu livro Adeus ao corpo: antropologia e sociedade, publicado no Brasil em 2003. Para ele, o corpo e o próprio comportamento das pessoas passa a ser uma matéria-prima modelável para se submeter ao design do momento. Para se enquadrar na sociedade, a pessoa poderia realizar uma modelação química de seus comportamentos e de sua afetividade através da medicalização do humor cotidiano.

Para Coura, o grande problema dos antidepressivos, que pode ser prescrito pelos mais diversos especialistas, é esse uso indevido ou abusivo. “Muitos médicos e pacientes confundem angústia e depressão”, lembra Coura. Ele também salienta a importância do acompanhamento constante do paciente. “Sem acompanhamento, além de ficar mais sociável, falante, desinibida, a pessoa pode estar ficando mais superficial. Ela tende a superficializar-se”. Ainda que reticente quanto ao mau uso dos fármacos, Coura recorda que “os antidepressivos podem ajudar, e certamente ajudam, muita gente”.

CRQ cria selo de qualidade para escolas técnicas de química

Lançado oficialmente no dia 11 de agosto, o projeto Selo de Qualidade entra agora em fase de aperfeiçoamento, segundo o Conselho Regional de Química IV (CRQ IV), que abrange os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

O Conselho Regional de Química IV lançou oficialmente no início de agosto uma certificação de qualidade para instituições de ensino técnico em química. Segundo Paulo César de Oliveira, diretor da Escola Técnica Estadual Conselheiro Antônio Prado (Etecap) de Campinas e um dos idealizadores do projeto, o objetivo é disseminar a cultura da qualidade nas escolas técnicas de Química e adequar o projeto pedagógico do curso avaliado aos objetivos e compromissos da instituição de ensino técnico (IET).

O projeto teve início em 2004, quando o CRQ IV promoveu o I Fórum Regional de Ensino Técnico da Área Química, organizado com o objetivo de ouvir as impressões das indústrias e das escolas a respeito do perfil desejado para o profissional químico de nível técnico. No evento, os representantes das empresas haviam enfatizado a necessidade de desenvolver as competências pessoais nos alunos, além da parte técnica propriamente dita.

Durante dois anos, foi feito um extenso trabalho para desenvolver um instrumento de avaliação. Como resultado foi criado um manual, já disponível no site do CRQ IV, contendo os principais tópicos orientadores do processo, a definição dos critérios para cada indicador de qualidade e a forma de avaliação calculada através de pontos. O manual ainda está em de testes e aperfeiçoamento.

O processo de certificação é composto por duas partes principais: a auto-avaliação e a avaliação externa. Na primeira parte, a IET acessa o material disponível no portal do CRQ IV e checa seus indicadores. Considerando-se apta, a instituição passa para a fase da avaliação externa. Ela então requer ao CRQ a análise dos seus dados e o envio de uma Comissão de Certificação para validar suas informações.

O Selo de Qualidade é aplicado somente nos dois Estados abrangidos pelo CRQ IV, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Nada impede, contudo, que os conselhos das outras regiões adotem a certificação. “Na verdade isso seria muito bom”, diz Oliveira. Indagado sobre a aplicação de processo semelhante em outros setores profissionais, o diretor ressaltou que, embora não tenha conhecimento de trabalhos similares, ele espera que num futuro próximo outros conselhos também desenvolvam seus procedimentos de avaliação. Segundo Oliveira, assim que forem obtidos os resultados completos sobre o processo, o CRQ IV enviará um relatório ao Conselho Federal de Química. O documento será encaminhado a título de sugestão para uma possível adoção por outras regionais.