Pesquisadora da USP mostra que a cocaína ativa processos causadores da morte celular. Fenômeno pode ajudar a explicar a degeneração cerebral que ocorre nos usuários da droga e a desenvolver terapias
É a intensa e instantânea sensação de euforia e excitação que torna repetitivo e compulsivo o uso da cocaína pelos viciados. Essa sensação, porém,tem um custo. Além dos já conhecidos danos neurológicos decorrentes do abuso da cocaína, a farmacêutica Lucília Brocado Lepsch, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, verificou que a cocaína causa também morte de células secretoras de dopamina, o transmissor do bem-estar.
Lucília observou que a cocaína induz o aumento da atividade e da formação da caspase 3, uma enzima responsável por provocar a morte celular. Além disso, a morte celular foi agravada após o bloqueio de uma outra proteína da célula, o fator NF-kB (NF-kappaB), que poderia atuar, conforme sugere Lucília, protegendo a célula da morte.
Ao contrário do que pode parecer, a morte celular programada, na qual as caspases são os principais atuantes, é essencial para a formação e manutenção do organismo. Na fase embrionária, a morte celular permite o ajuste do formato dos nossos órgãos ao eliminar as células que acabam se tornando redundantes. Por outro lado, de acordo com a pesquisa de Lucília, a cocaína ativa indevidamente esse processo, um achado que, segundo a pesquisadora, contribui para a compreensão dos mecanismos de morte celular regulados pela cocaína. Outro benefício da pesquisa está no desenvolvimento de novas terapias para dependentes, que possam ajudar a interromper o desencadeamento dos processos degenerativos.
Para o estudo, Lucília utilizou células PC12 de rato, que representam para os cientistas modelos de células do cérebro. Elas liberam dopamina e têm as mesmas características das células cereb__rais humanas que secretam esse transmissor – responsável pela sensação de bem-estar. No cérebro, a cocaína impede a remoção (recaptura) do excesso de dopamina, intensificando, dessa forma, sua quantidade e, portanto, seus efeitos.
Mas mesmo a busca pelos efeitos euforizantes da cocaína acabam frustrada pois logo causa um resultado contrário. Ocorre que a euforia é logo seguida pela depressão – associada, no uso crônico, com a interrupção prolongada da recaptura de dopamina, que acarreta sua escassez. O cérebro, ávido pela dopamina que agora lhe falta, sensibiliza-se, o que estimula a repetição do uso da droga. Se esse processo é acompanhado, ainda, de efeitos degenerativos em função da morte das células que liberam dopamina, agravando a falta de suprimento cerebral do transmissor, pode-se esperar que o usuário, em busca do efeito que seu organismo não é mais capaz de prover, apele para doses cada vez mais altas de cocaína.
O aumento da dose de cocaína nessas circunstâncias pode ocasionar confusão, perda da associação de idéias, comportamento anti-social e agressividade. Com o uso contínuo, também podem aparecer delírios, alucinações, paranóia e tendências suicidas.
Na tentativa de atender a pacientes com Transtorno de Déficit de Atenção, pesquisadores da Unicamp e da USP iniciam neste mês uma pesquisa sobre o uso de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), uma técnica não-invasiva e indolor, que poderá substituir o consumo diário de medicamentos.
Uma criança com dificuldade em prestar atenção ou impulsiva e agitada além do comum pode sofrer de Transtorno de Déficit de Atenção (TDA). Geralmente o tratamento se dá com terapia psicológica e medicação. Porém, algumas não melhoram com o remédio, ou sofrem com eventuais efeitos colaterais. Na tentativa de atender a estes pacientes, pesquisadores do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) iniciam neste mês, uma pesquisa sobre o uso de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) em crianças com TDA.
A EMT é uma técnica não-invasiva e indolor que emite rápidos pulsos magnéticos em regiões específicas do córtex (camada externa do cérebro). O campo magnético gerado pelos pulsos promove a reativação de neurônios ou sistemas neuronais desativados pela doença em questão. O equipamento utilizado na EMT é também capaz de mensurar a atividade de comunicação entre neurônios, o que contribui para estudos sobre funcionalidade do sistema nervoso central (SNC), comportamento e cognição humana.
Figura esquemática da ação da EMT no córtex cerebral. Fonte: Revista Scientific American (adaptado).
Pesquisas brasileiras e internacionais têm obtido resultados favoráveis sobre o uso de EMT no combate à depressão, esquizofrenia, dor aguda e outras doenças neuropsiquiátricas. O desafio agora é testar a técnica em crianças, feito nunca antes realizado no Brasil. Apesar do campo magnético gerado pela EMT ter potência semelhante ao da ressonância magnética, Maria Isabel Morais, neuropediatra e coordenadora do projeto na Unicamp, afirma que “a literatura médica pertinente a estabelece como uma técnica segura que não traz prejuízos a plasticidade cerebral de adultos ou crianças”.
A pesquisa de Morais se divide em duas etapas. Neste primeiro momento, 70 pacientes serão divididos em três grupos: os que possuem TDA do tipo hiperativo, os do tipo desatento e os que possuem os dois. Pacientes com outros distúrbios neuropsicológicos somados ao TDA, não entram na amostra. A partir de 2008, serão analisadas através da EMT, diferenças na atividade neuronal entre estes pacientes e crianças normais em três regiões cerebrais ligadas ao transtorno: núcleo caudato, região pré-frontal e corpo caloso.
Uma vez concluído o modelo biológico da ação do TDA, inicia-se a fase dois da pesquisa que irá testar três espécies de tratamento. O primeiro com uso exclusivo de EMT nas áreas cerebrais citadas acima. O segundo utiliza a medicação atualmente disponível e o terceiro combina os dois primeiros.
“Algumas hipóteses já se têm. Intuitivamente dá para dizer que o TDA desatento não tem tanto problema de inibição cortical. Ele consegue se conter. Já o hiperativo tem problema [de inibição cortical]. O combinado fica em um nível intermediário”, diz Morais. Até o final de 2009 os pesquisadores esperam catalogar os melhores tratamentos para cada tipo de TDA pesquisado de acordo com a faixa etária dos pacientes. EMT vs Metilfenidato
A expectativa dos pesquisadores é confirmar a eficácia da EMT principalmente no tratamento dos pacientes que não respondem ao cloridrato de metilfenidato (conhecido também pelo nome comercial Ritalina). Esse estimulante do grupo das anfetaminas é utilizado no tratamento de TDA há algumas décadas. O metilfenidato restabelece o nível do neurotransmissor dopamina nas regiões do cérebro onde ocorrem sinapses. Desta maneira se consegue ampliar o deficitário poder de concentração e atenção destas crianças.
No entanto, alguns empecilhos restringem seu uso. Entre eles, efeitos colaterais como cefaléia (dor de cabeça), insônia, perda de apetite e peso. A ação do metilfenidato sobre o cérebro dura em média três horas, o que exige o consumo diário de muitos comprimidos. Além disso, a ingestão contínua desse medicamento, fato comum já que o TDA não tem cura, apenas controle, tende a diminuir a sensibilidade do organismo ao composto.
Já a EMT, caso se mostre eficaz, libertará a criança da preocupação constante de tomar o medicamento na hora certa. Sua única obrigação passa a ser a sessão semanal de EMT que dura 20 minutos. O tratamento dura de quatro a seis semanas e os efeitos colaterais atualmente conhecidos são praticamente nulos. Segundo Maria Isabel, a EMT trabalha em acordo à teoria da aprendizagem de Hebb (1949). “Quanto mais se estimula uma via neuronal, mais ela se torna permanente. É isto que o tratamento se propõe. Estimular fibras, reforçar um caminho. Ele é um aprendizado, um reforço no fluxo sináptico”.
Cautela
Paulo Mattos, psiquiatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que a EMT é uma técnica que se mostra promissora, mas de aplicabilidade exclusiva na pesquisa até o momento. Trabalhos sobre o seu uso em crianças são válidos “desde que haja comprovação de que a estimulação não gera dano cognitivo ao paciente e que o projeto seja aprovado pelo comitê de ética de cada instituição”.
Ele atenta, porém, para o fato de que se existe quem fabrica equipamentos de EMT, há pessoas interessadas em vendê-los. É preciso cautela na condução de pesquisas que buscam aplicabilidade para a técnica. Pois, na área médica, trabalhos sobre a eficácia de novas drogas são freqüentemente acusados de envolvimento indevido com a indústria farmacêutica. Não se pode permitir que situações semelhantes ocorram em pesquisas com EMT, diz Mattos.
Os gestos estão tão incorporado à fala, que muitas vezes é difícil dissociar um do outro. E é por isso que eles podem ajudar na recuperação de sujeitos afásicos, um dos temas discutidos na VII Jornada Corpolinguagem, que aconteceu de 17 a 19 de outubro no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.
Quem nunca gesticulou ao falar ao telefone – mesmo sabendo que a outra pessoa não poderia enxergá-lo – que jogue a primeira pedra. Gesticulamos quando indicamos um endereço, descrevemos um objeto, expressamos algum sentimento em meio a uma conversa. O gesto está tão incorporado à fala, que muitas vezes é difícil dissociar um do outro. E é por isso que os gestos podem ajudar na recuperação de sujeitos afásicos, um dos temas discutidos na VII Jornada Corpolinguagem, que aconteceu de 17 a 19 de outubro no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.
Afasia é um distúrbio de linguagem causado por uma lesão cerebral. “Falar de afasia é falar de linguagem, de corpo, de sujeito”, afirmou Maria Irma Hadler Coudry, professora do Departamento de Lingüística da Unicamp e uma das coordenadoras do Centro de Convivência de Afásicos (CCA), em sua palestra no evento. “O ato da linguagem envolve corpo, gestos, percepções, associações e expressões faciais, o que é dito por um e compreendido pelo outro. Na interlocução, enfrentam-se as mais variadas condições em que se dá o dizer, o fazer e o mostrar”, continua.
Na afasia, a evocação das palavras fica prejudicada: conforme a extensão e localização da lesão cerebral, o paciente pode apresentar um ou mais sintomas, entre eles a perda total ou parcial da capacidade de articulação das palavras. É como ter a palavra na ponta da língua, mas não conseguir dizê-la. Portanto, a gestualidade torna-se um aliado importante para que o sujeito afásico entenda e se faça entender durante uma conversação. “Se a afasia afeta certas estruturas e usos da língua e de outros sistemas não verbais, o sujeito afásico busca outros arranjos para significar, ele faz ’gatos’, ou seja, produz processos alternativos de significação”, explica Coudry.
Ela exemplifica com o caso em que conversava com um paciente sobre as frutas na mesa do café da manhã em que estavam. O paciente nomeava cada fruta, mas parou quando chegou ao mamão, não conseguindo dizer que fruta era. Coudry, então, levantou sua mão e a balançou de um lado para o outro. Imediatamente, o paciente conseguiu pronunciar o nome da fruta. “O que ele fez? Ele traduziu do gesto com a mão para a palavra, o que o faz completar a palavra desejada e dizer mamão”, diz.
O gesto é tomado pelos sujeitos afásicos como uma alternativa para dizer o que não conseguem, e ainda possibilita que passem da representação da palavra (uma mão) para a representação do objeto (mamão). Isso compõe um trabalho lingüístico que envolve todo o cérebro e que é fundamental para o rearranjo funcional que restaura as condições impostas pela afasia. Utilizando-se de gestos, é possível ajudar os sujeitos afásicos a restaurarem boa parte da linguagem afetada pela doença e melhorar sua comunicação.
Afasia
Afasia é um distúrbio da linguagem, decorrente de um acidente vascular cerebral (derrames), de um traumatismo crânio-encefálico, de agentes expansivos (como tumor) ou infecciosos (como fungos e bactérias). Essas lesões cerebrais vão afetar o domínio da linguagem no cérebro, na forma como ela é usada – isto é, o indivíduo ainda possui a linguagem, mas tem dificuldades em acessá-la e articulá-la.
A literatura acadêmica aponta vários tipos de afasia. Entre elas, destacam-se a afasia de Wernicke e a de Broca – a primeira afeta a área perceptiva – comprometendo a compreensão e a expressão – e a segunda, a motora – prejudicando a musculatura que age na articulação das palavras. Existem também vários níveis de afasia, podendo haver desde pequenas alterações na linguagem até a perda total da capacidade da articulação das palavras.
Não existe “cura” para a afasia, no sentido clássico de erradicação da enfermidade, mas há diversos meios de se melhorar a qualidade de vida das pessoas afásicas. O indivíduo afásico não chega a recuperar totalmente a sua linguagem, de modo a retomar integralmente o padrão anterior à lesão, mas pode chegar muito próximo disso através da terapia em que se estimule o uso da linguagem por meio da convivência com pessoas afásicas e não afásicas e de diversas atividades em que os indivíduos possam se expressar e trabalhar suas dificuldades.