Pesquisas mostram efeitos da poeira na saúde humana

Qual a relação entre a fumaça da queimada da cana e as doenças respiratórias e cardiovasculares? E quais são os efeitos de partículas no ar em pacientes asmáticos? Esses foram temas de pesquisas apresentadas no Congresso Brasileiro de Geoquímica, que ocorreu em outubro, na cidade de Atibaia (SP).

Do campo à cidade, o homem está em constante contato com uma diversidade de partículas suspensas no ar. Uma pesquisa na cidade de Araraquara, região central do estado de São Paulo, buscou entender a relação entre a fumaça decorrente da queima da cana-de-açúcar e doenças respiratórias e cardiovasculares na população local. Na capital do estado, outra pesquisa verificou os efeitos de partículas no ar em pacientes asmáticos tratados pelo Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo (USP). Ambas pesquisas foram apresentadas nas conferências de Geologia Médica que ocorreram durante o Congresso Brasileiro de Geoquímica, em outubro na cidade de Atibaia (SP).

De acordo com o geoquímico porto-riquenho José Centeno, do Instituto de Patologia das Forças Armadas Norte-Americanas, a poeira carrega consigo uma série de elementos, naturais e minerais, que são prejudiciais à saúde. “As vias aéreas são bastante vulneráveis a esses elementos; a sílica, por exemplo, pode causar vários problemas respiratórios”, informou. Elementos radioativos – urânio e radônio – e metais pesados – como chumbo, mercúrio, arsênio e cádmio – são grandes vilões à saúde do homem. Além destes, destacam-se compostos naturais como pólen, partículas de madeira, fungo e sacarina, dentre outros.

Na área agrícola, é visível a presença da fumaça proveniente da queima de cana-de-açúcar em sua colheita. Segundo o químico Willian César Paterlini, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, o aumento da fumaça na estação seca, época das queimadas, pode estar relacionado à doenças como asma e hipertensão.

Paterlini fez parte de uma equipe, do Instituto de Química da Unesp, que mediu a concentração de partículas no ar daquela região entre junho de 2003 e maio de 2004, englobando portanto, o período das estações de seca e de chuvas. A essas medidas foi sobreposto o número de casos de internações por asma e hipertensão na rede pública de Araraquara, utilizando dados fornecidos pelo Ministério da Saúde.

“No caso da hipertensão houve coincidências entre o aumento da concentração de partículas e o número internações. Sempre que ocorreram picos nas emissões, três dias depois as internações também cresciam”, disse Paterlini apontando para um gráfico com as duas curvas coincidentes. Na estação de queimada teve um aumento de 131% da quantidade de partículas finas – até 2,5 microgramas (µg) de diâmetro – se comparada com a época em que não houve queimadas.

Paterlini destaca o dia 21 de junho de 2003 quando a concentração das partículas mais finas chegou a 74,5 µg/m3. Três dias depois as internações também bateram recorde. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) a concentração máxima recomendada dessas partículas é de 10 µg/m3. “A OMS tolera que em três dias do ano esse teor chegue a 25 µg/m3, mas em nossas medições 31 dias extrapolaram esse nível”, informou.

Em relação aos casos de asma, os números de internação mantiveram-se elevados por todo o período de pesquisa. Uma das hipóteses da equipe de Paterlini é que a asma possa estar também relacionada à poeira doméstica, como fungos e bactérias.

Bruma urbana

Se a fumaça formada pela queima da cana pode gerar danos à saúde humana, igual efeito tem as partículas suspensas no ar do meio urbano. Um estudo do Instituto de Geociências e da Faculdade de Medicina da USP, em conjunto com o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), mediu a composição das partículas geradas pelas emissões de veículos e indústrias, da cidade de São Paulo, e a sua influência em pacientes asmáticos tratados no Hospital Universitário.

A asma é uma doença causada pela inflamação das vias áreas. Problema de saúde mundial que piora a cada ano, a doença já é a quarta maior no Brasil, contando o número de casos tratados pelo Sistema Único de Saúde. “É uma doença que tem crescido na cidade de São Paulo e que está associada à poluição atmosférica”, disse a geoquímica Christine Bourotte, do Instituto de Geociências da USP e uma das autoras da pesquisa.

Foram selecionados 33 pacientes asmáticos que moram na região Leste da cidade. O perfil da mostra foi definido por um questionário que buscou informações sobre as condições de moradia e trabalho dos pacientes. A pesquisa observou 23 mulheres e 10 homens, com média etária de 40 anos. Dos pacientes, 63% disseram ser não-fumantes e 56% que tinham asma leve. Durante 60 dias foram feitas medições diárias de suas condições respiratórias por meio de um medidor de capacidade pulmonar.

Estação coletora mediu a qualidade do ar na Região Leste de São Paulo
Crédito: USP

Uma estação de coleta instalada no prédio da USP mediu a qualidade do ar. Diariamente os filtros foram analisados em laboratório para identificar a quantidade de poluentes encontrados no ar. Íons de cloro, magnésio, amônio, ferro e zinco foram os mais encontrados. “Esses elementos são muitos danosos à saúde, podendo inflamar as vias respiratórias”, considera Bourotte. Segundo ela, as partículas mais finas são as mais perigosas, pois penetram mais profundamente no corpo das pessoas podendo atingir os alvéolos pulmonares.

O cruzamento das informações atestou que há apenas uma tênue relação entre crises asmáticas e a qualidade do ar. “A relação causa e efeito não se mostrou nítida e direta”, reconheceu a pesquisadora, “mas a pesquisa serve para dar uma nova abordagem ao estudo da composição química das partículas suspensas no ar e de seus efeitos sobre a saúde humana”, concluiu.

Museus de ciência brasileiros apontam valorização do professor

Programas de formação de professores oferecidos por centros e museus de ciências no Brasil começam a abandonar modelos clássicos e hierarquizados e passam a valorizar a reflexão autônoma e a participação ativa dos professores.

Os programas de formação de professores oferecidos pelos centros e museus de ciências brasileiros estão cada vez mais baseados na reflexão sobre a prática, na autonomia docente e na compreensão dos problemas educacionais em um contexto sócio-político e histórico mais amplo. Foi a essa conclusão que chegou Daniela Franco de Carvalho Jacobucci em sua pesquisa de doutorado, defendida na Faculdade de Educação da Unicamp.

A pesquisa revelou uma mudança no padrão de formação oferecido aos professores. Jacobucci relata que até o começo da década de 80 havia ênfase no modelo clássico, em que os especialistas das universidades eram considerados os detentores do conhecimento transmitido aos professores para que eles pudessem realizar algum projeto de ensino de ciências na escola. “Hoje – explica ela – a tendência é considerar o professor como um indivíduo com potencial de atuar junto à equipe técnica do museu, de opinar sobre as exposições e sobre o próprio trabalho que é desenvolvido com os alunos”, explica.

Realizada em onze instituições, a pesquisa avaliou 14 programas de formação, que variavam de cursos de curta duração, de uma ou duas horas, até programas efetivos de formação continuada, que podem durar vários anos. Ela observou nesse campo o predomínio de dois modelos diferentes de formação: o prático-reflexivo e o emancipatório-político.

Seis dos 14 programas analisados por Jacobucci se enquadram no modelo prático-reflexivo, fundamentado na linha teórica conhecida como epistemologia da prática, ou seja, nele o professor aprende com a própria prática e é visto como um indivíduo capaz de pensar sobre as ações pedagógicas que realiza. Ao entendê-las e compartilhá-las com colegas ou com a equipe técnica, ele reflete sobre o que pode ser transformado, estabelecendo-se, portanto, uma relação colaborativa e participativa entre equipe técnica e professores.

O modelo emancipatório-político, por sua vez, focaliza a possibilidade de autonomia do professor e sua capacidade de se tornar crítico em relação ao próprio trabalho e ao mundo. A equipe técnica que opta por esse modelo incentiva a leitura e a discussão. Segundo Jacobucci, esse formato vem de uma base teórica fundamentada na teoria sócio-histórica, que chegou ao Brasil no início da década de 90, mas só se difundiu entre os pesquisadores a partir de 2000. Fazem parte dessa categoria programas como o Projeto Cidadão, do Museu de Ciência e Tecnologia da PUC do Rio Grande do Sul, e a Oficina de Educação Ambiental do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro.

Esses dois programas visam a educação ambiental crítica, e um professor que possa ver sua capacidade própria de mobilizar pessoas não só em termos de problemáticas ambientais, mas também políticas e sociais, além da escola”, explica Jacobucci. A pesquisadora ainda ressalta que membros das equipes técnicas desses dois museus não só são especialistas em determinadas áreas do conhecimento, mas também fizeram mestrado ou doutorado em educação. “Por isso, eles conseguem relacionar formação de professores em ciências com o que há de mais recente em termos teóricos”, argumenta ela.

Jacobucci faz a ressalva que nem sempre uma formação em educação dos membros da equipe técnica resulta num programa de vanguarda. “Há questões políticas e de financiamento, ou outras pessoas que não pensam do mesmo jeito, que acabam influenciando a decisão de oferecer um programa dessa natureza”, pontua.

Outros seis programas analisados, entretanto, ainda se encaixam no modelo clássico, ou tradicional de ensino, onde o professor é visto pela equipe técnica do museu como um aluno passivo, estabelecendo uma relação hierarquizada. Fundamentados em pressupostos teóricos de formação de professores da década de 50, esses programas persistem, segundo Jacobucci, porque, dentro dos órgãos de fomento governamentais, existem pesquisadores que ainda acreditam que pode ser vantajoso esse tipo de formação. “Não que não seja. Só que tem que ficar claro para o professor que esse tipo de formação é limitada”, explica.

Importância

Na opinião da pesquisadora, as atividades voltadas aos professores têm importância fundamental para garantir o público dos museus de ciência. “No Brasil, a maioria das visitas é escolar, uma vez que não temos aquela cultura de ir com a família ao museu, ao contrário do que acontece no exterior”. A formação oferecida aos professores é importante tanto para a equipe técnica do museu, que passa a entender mais sobre o cotidiano da escola e suas dificuldades, quanto para o professor, que tem contato com um conhecimento mais especializado e com atividades desenvolvidas para transmiti-lo de forma mais palatável.

Jacobucci vê com entusiasmo o papel dos museus de ciência na formação de uma cultura científica. “O museu vai aproximar o público em geral que está ligado na televisão, mas não têm a dimensão do conteúdo científico que está embutido no que é informado pela mídia”, aponta. “Os centros e museus de ciência estão aí para tentar transformar essa linguagem, essa forma muito técnica do conhecimento, em algo mais facilitado”, explica.

Ela ressalta, entretanto, que existe um fosso muito grande entre a produção do conhecimento científico e as pessoas comuns. “Isso foi construído historicamente. A gente não tem uma cultura ou o hábito de visitar museus e centros de ciências”. A Pesquisa Nacional de Percepção Pública da Ciência, realizada em 2006 e promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, fornece estatísticas nesse sentido: apenas 4% dos entrevistados haviam ido a um museu de ciência nos últimos 12 meses. Para Jacobucci, uma das formas de reverter esse quadro é não desvincular esse tipo de experiência da diversão. “É importante estar embutido nesses museus que aprender ciências pode ser divertido, pode ser uma experiência prazerosa”, conclui.

Medicina da Unicamp discute bioética e espiritualidade

O grupo de Bioética e Ética Médica do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp está coordenando uma série de encontros sobre bioética e espiritualidade. As palestras têm como proposta ampliar a divulgação da bioética a todos os interessados, de profissionais de saúde a pacientes.

A Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos da Unesco, de 2005, diz que “a identidade de um indivíduo inclui dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais”. Baseado nessa idéia, o grupo de Bioética e Ética Médica do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp está coordenando uma série de encontros sobre bioética e espiritualidade. As palestras têm como proposta ampliar a divulgação da bioética a todos os interessados, de profissionais de saúde a pacientes.

No último censo demográfico do IBGE, 92,74% dos entrevistados declararam-se religiosos. “A religiosidade é, sem dúvida, um componente muito forte, senão o mais forte, na formação das convicções morais não só das pessoas, mas de toda a nossa cultura”, afirma Venâncio Pereira Dantas Filho, médico neurocirurgião, diretor clínico e presidente do Comitê de Bioética do Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp. Para ele, o tema “espiritualidade” envolve desde as concepções e convicções religiosas relacionadas com a vida, a doença e a morte, bem como os rituais associados, até a visão que valoriza a integralidade da pessoa, incluindo seus aspectos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais. “Essa visão estaria muito mais adequada para responder às novas expectativas dos pacientes e familiares que procuram os médicos”, diz.

Como a doença fragiliza e evoca a possibilidade da morte, a busca de um sentido para a situação favorece e exacerba a manifestação da espiritualidade na maioria das pessoas. “Infelizmente, a maioria dos médicos desta nossa geração não foi preparada para lidar com os aspectos espirituais e religiosos dos seus pacientes, o que consolida e confirma uma visão parcial de ser humano ensinada tradicionalmente nas faculdades”, lamenta.

Segundo os especialistas, de uma maneira geral as pessoas interpretam todos os acontecimentos de sua vida sob uma visão espiritual e conhecer e respeitar esta interpretação é de grande ajuda para o doente e para o profissional que o assiste. Por isso, assistir espiritualmente bem ao paciente é de grande contribuição para sua recuperação. “O paciente que está espiritualmente bem, é menos sujeito a depressão e a dor, coopera com o tratamento e tem mais ânimo”, acredita o pastor evangélico João Sílvio Rocha, do Serviço de Capelania do HC da Unicamp.

Apesar de ser um assunto polêmico, muitos pesquisadores já apontam um papel positivo da espiritualidade e religiosidade em doenças coronarianas, hipertensão arterial, ansiedade, depressão, função imune e mortalidade em geral. Existem evidências que pessoas com algum tipo de espiritualidade apresentem menor incidência dessas doenças e vivam mais, recuperem-se mais rapidamente quando doentes e apresentem menos complicações durante o tratamento.

Esses possíveis benefícios da espiritualidade sobre a saúde podem estar associados desde a reações fisiológicas mais simples, como a redução da tensão muscular, da freqüência cardíaca e da pressão arterial, como também reações mais complexas como maior capacidade para o controle da dor e do sofrimento e a diminuição da reações ao estresse, levando a um maior equilíbrio das respostas imunologicamente moduladas. Podem ser considerados ainda os possíveis benefícios da expansão dos vínculos sociais relacionados à religiosidade.

“Entende-se hoje cada vez mais que os problemas existenciais, que têm como pano de fundo a questão do sentido da vida, portanto, questões também de ordem espiritual e religiosa, estão associados senão com todas, pelo menos com a grande maioria das doenças psicossomáticas que acometem as pessoas em todo o mundo”, afirma Dantas Filho. Aqueles que reconhecem a espiritualidade e a oração como um esforço humano para auxiliar o tratamento, sugerem que as evidências dos estudos científicos recentes sobre o assunto são interessantes o suficiente para justificar novas pesquisas. “Os efeitos da espiritualidade sobre a saúde podem envolver mecanismos fisiológicos úteis além dos nossos conhecimentos atuais que, com o tempo, possam vir a ser entendidos”, acredita.

Muitas proposições terapêuticas para o tratamento das doenças já incluem a espiritualidade, particularmente na forma de meditação e oração, e também como tratamento adjuvante ou alternativo para, pelo menos, diminuir a ansiedade, aliviar preocupações, dar conforto e motivação, tanto a nível domiciliar quanto hospitalar. “Conhecer melhor as convicções das pessoas, inclusive as de cunho religioso, fornecem mais recursos para lidarmos com novas situações que deparamos freqüentemente e podem se tornar bastante conflituosas”, completa o médico da Unicamp.

Oferecer compreensão, compaixão e esperança são as bases das profissões da saúde e não são necessariamente dependentes da fé do profissional. “Devemos, antes de tudo, saber reconhecer, coordenar e bem orientar as necessidades espirituais dos pacientes sob nossos cuidados. Essa orientação, quando bem realizada, deve proporcionar maior alívio das angústias e reforço das esperanças do paciente, colaborando, assim, para um melhor resultado final do tratamento”, conclui.

Um caso relatado pelo pastor João mostra como a assistência religiosa pode ajudar num tratamento. “Uma paciente recebeu um transplante de rim bem sucedido mas, passado algum tempo, ela ouviu ou interpretou em sua igreja que o cristão que tem fé não precisa tomar remédio. Por conta disso, ela parou de tomar o medicamento contra rejeição do órgão. Logo ela teve problemas de rejeição, voltou ao hospital e não queria se medicar. Fomos chamados para conversar com ela e mostramos que biblicamente não há incoerência entre ter fé e tomar remédios. Ela ficou convencida e voltou ao tratamento”, relata.

Os encontros sobre temas de bioética acontecem na última segunda-feira de cada mês, às 19 horas, no Salão Nobre da FCM. No dia 29 de outubro, a discussão é sobre a “Assistência espiritual aos enfermos”, com a presença do padre Norberto Bonfim e do pastor João Sílvio Rocha, ambos do Serviço de Capelania HC da Unicamp. A última reunião do ano acontece no dia 26 de novembro, com o tema “Espiritualidade e ciência”. Os encontros são gratuitos e abertos a todos os interessados.