Obesidade e fumo impedem a queda na incidência do câncer

Meta de diminuição da incidência de câncer proposta em 1998 pela Sociedade Americana de Câncer dificilmente será atingida, de acordo com estudo publicado em novembro no periódico científico CA: A Cancer Journal for Clinicians.

Como uma das inúmeras frentes de ataque ao câncer, a Sociedade Americana de Câncer (ACS, sigla em inglês) lançou uma meta, em 1998: reduzir a incidência de câncer em 25% no período entre 1992 e 2015. Uma das estratégias propostas na ocasião foi a redução da prevalência de fatores de risco conhecidos, como o tabaco, obesidade e terapia hormonal, além de disponibilizar exames diagnósticos como mamografia e colonoscopia para um maior número de pessoas.

No entanto, um artigo publicado na edição de novembro/dezembro do periódico científico CA: A Cancer Journal for Clinicians mostrou que o objetivo dificilmente será atingido. Avaliando dados de novos casos de câncer maligno e estimativa populacional, em uma amostra que inclui aproximadamente 10% da população estadunidense, pesquisadores e representantes da ACS apontaram a epidemia da obesidade e o fumo como os grandes vilões que impedem a queda na incidência do câncer. Os resultados desta análise referem-se ao período de 1992 a 2004.

Passados 12 anos do período proposto pela ACS – com metade do caminho andado -, os pesquisadores relataram que a taxa de incidência de câncer vem diminuindo 0,6% ao ano. Este é um dado positivo, mas o ritmo de queda deveria ser mais rápido para se atingir a meta proposta, dizem os autores do estudo. Em 1992, a taxa de incidência era de 511 em cada cem mil pessoas. Em 2004, esta taxa caiu para 471.

As maiores quedas foram observadas entre homens, principalmente nos cânceres de próstata e pulmão, e entre pessoas com faixa etária de 65 a 84 anos, possivelmente devido a um efeito a longo prazo dos diagnósticos precoces e da diminuição do fumo.

“Se quisermos progredir ainda mais, precisaremos não apenas de novos conhecimentos sobre os fatores que podem diminuir a chance de desenvolvermos câncer, mas também esforços redobrados para agirmos em pontos que já sabemos sobre prevenção do câncer”, destaca Tim Byers, médico da Universidade do Colorado e co-autor do artigo. “Particularmente, precisamos continuar a reduzir o consumo de cigarro e começarmos a reverter a epidemia da obesidade”, aconselha Byers.

“Para solucionar definitivamente o problema precisaríamos compreender a gênese do câncer. Mas a resposta não é simples. Câncer não é uma doença causada por um agente como a AIDS ou a tuberculose. Câncer são várias doenças que aparecem em diversos órgãos e que têm origens diferentes”, explica Luiz Paulo Kowalski, do Hospital A. C. Camargo, em São Paulo, ao comentar especificamente a contribuição brasileira na batalha contra o câncer.

Os pesquisadores americanos analisaram também a incidência dos diferentes tipos de câncer ao longo deste período. Câncer de próstata, pulmão (entre os homens), ovário e estômago estão entre os que reduziram suas taxas de incidência. Nenhuma mudança importante foi observada entre os cânceres de mama, pâncreas ou cérebro, entre outros. Um aumento significativo foi observado no número de casos novos de melanoma, câncer de rim, fígado, tireóide e esôfago. Com exceção de melanoma e tireóide, o aumento na incidência dos demais tipos de câncer foi atribuído principalmente à obesidade.

Os autores discutem que as quedas no uso de tabaco e restrições ao uso de certas terapias hormonais têm contribuído para a diminuição na incidência de diversos tipos de câncer e possivelmente irão afetar mais ainda essas quedas na próxima década. No entanto, essas mudanças favoráveis são de alguma maneira compensadas pelo aumento da prevalência da obesidade, que é fator de risco para inúmeros tipos de câncer.

Os números são assustadores. De acordo com a ACS, 1,5 milhão de pessoas serão diagnosticadas com câncer e cerca de 600 mil pessoas morrerão vítimas dessa doença, só no ano de 2007, nos Estados Unidos. No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer, no último ano foram registrados 130 mil óbitos e estimados 470 mil casos novos de câncer.

Melhora no diagnóstico permitirá detecção precoce de Alzheimer

O Alzheimer afeta cerca de um milhão de brasileiros. O diagnóstico disponível é feito quando o paciente já apresenta perda de memória com déficits cognitivos. Este quadro poderá ser minimizado com o aperfeiçoamento dos critérios de diagnóstico, a exemplo do trabalho liderado pelo neurologista Bruno Dubois, que permitirá detectar a doença em estágio inicial, aumentando a eficácia dos tratamentos disponíveis.

Em 1984, foi desenvolvido um dos critérios de diagnóstico de Alzheimer mais utilizados nos dias de hoje, o NINCDS-ADRDA. De lá para cá houve muitos avanços no combate à doença que, apenas no Brasil, afeta um milhão de pessoas. No entanto, o diagnóstico é feito quando o paciente apresenta perda de memória com déficits cognitivos. Este quadro poderá ser minimizado com o aperfeiçoamento dos critérios de diagnóstico da doença, a exemplo do trabalho liderado pelo neurologista francês Bruno Dubois, que permitirá detectar o Alzheimer em estágio inicial, aumentando a eficácia dos tratamentos disponíveis.

Para a equipe de Dubois, já estava mais do que na hora de usar esses avanços em prol de um NINCDS-ADRDA revisado e moderno. Os resultados, publicados em artigo no periódico britânico Lancet Neurology (vol. 6, ed. 8, 2007), foram baseados na associação de dados e parâmetros de análise clínica com exames laboratoriais, análise de líquor, ressonância magnética e tomografia por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês) em regiões específicas de ação da doença, como o hipocampo e o córtex entorrinal. Muitos desses processos já fazem parte do diagnóstico atual da doença, inclusive no NINCDS-ADRDA. Mas a combinação de tais métodos da forma como propõe a equipe de Dubois é que pode levar a um diagnóstico precoce.

Azheimer
O primeiro sintoma de Alzheimer é amnésia. Imagem: Bill Sanderson / Bruno de Bois et. al

“Com o diagnóstico novo, mostrando parâmetros que apontam para lesões compatíveis com a doença, é possível tratar precocemente”, explica Benito Damasceno, coordenador do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, os critérios atuais de diagnóstico só permitem que se detecte o Alzheimer quando o paciente manifesta outros déficits cognitivos, sejam de linguagem, percepção, destrezas motoras ou funções executiva, que é quando se perde a capacidade de realizar tarefas fora de casa, como fazer compras.

O novo critério ainda precisa da aprovação por consenso da comunidade médica nos congressos internacionais e comitês de ética para ser utilizado clinicamente. Além disso, é preciso ressaltar que sua realização é mais cara e alguns procedimentos necessários a sua prática ainda não estão disponíveis no Brasil. O Alzheimer não tem cura. Os tratamentos medicamentosos atuais conseguem apenas estabilizar temporariamente a deterioração do tecido cerebral em parte dos pacientes, além de restabelecer alterações de humor geradas pela doença como apatia e depressão. Apesar da incerteza quanto à eficácia, tais remédios custam caro. O custo do tratamento mensal sai por R$ 200 em média e são comuns efeitos colaterais que vão de problemas gastrintestinais à tontura, falta de apetite com ocorrência de anorexia, sonolência e suor corpóreo elevado. “Não se pode criar outra doença além da que o indivíduo já tem”, enfatiza Damasceno.

Entre os fatores que desencadeiam o Alzheimer está a ação nociva de, principalmente, duas proteínas: a beta-miloide e a tau hiperfosforilada. Enquanto a primeira age mais na região externa do neurônio, causando uma reação inflamatória, destrutiva, a segunda age no interior celular, destruindo a arquitetura da célula, seus microtúbulos. O resultado é que os neurônios não conseguem mais transportar substâncias.

Despreparo no diagnóstico

Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) permite que se façam exames clínicos e laboratoriais para o diagnóstico de Alzheimer. Tomografia convencional e ressonância magnética também são pagas pelo Estado em regiões em que existam tais equipamentos.

“Não é difícil diagnosticar a doença. Mesmo com os métodos pagos pelo SUS chegamos a um diagnóstico eficaz de 80%. Os demais 20%, apesar de preencher os critérios de Alzheimer, mostram outra lesão na análise patológica pós-morte do paciente”, afirma o neurologista.

​_​_Damasceno também diz que, atualmente, mais casos de Alzheimer são diagnosticados que no passado graças à melhor capacidade de diagnóstico dos médicos. Isso ocorreu devido, em parte, ao patrocínio da indústria farmacêutica no aperfeiçoamento desses profissionais. “A intenção da indústria é que os médicos prescrevam seus medicamentos em pacientes que realmente tenham a doença pois, caso contrário, eles [os medicamentos] vão falhar”, defende.

Apesar dos avanços, o problema maior no diagnóstico da doença continua sendo o despreparo de alguns médicos. “Hoje em dia ainda tem neurologista que não consegue diagnosticar Alzheimer, pois acha que é outra coisa. Ou pior ainda. Basta o paciente se queixar de problema de memória para muitos profissionais diagnosticarem a doença ou indicarem uma tomografia sem fazer um exame detalhado ou exame de sangue para ver se há deficiência de vitamina B12 ou de hormônio da tireóide, fatores que também causam demência. E aí prescreve o medicamento precipitadamente”, lamenta Damasceno.

Entidades científicas querem a extinção do fumódromos

41 entidades profissionais e científicas apóiam uma mudança na lei 9294/96 para eliminar os locais públicos reservados a fumantes. A medida é recomendada pela Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP).

A Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CONICQ) elaborou uma manifestação de apoio à mudança na legislação nacional para eliminar de vez os fumódromos. O documento foi assinado não só pela diretoria da CONICQ, como também por 41 representações de entidades profissionais e científicas. A CONICQ é um órgão internacional formado pelos países que ratificaram a Convenção-Quadro sobre o tabaco, grupo do qual o Brasil faz parte.

A extinção dos locais públicos para fumar é recomendada pela Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP). Segundo o manifesto da CONICQ, “a COP orienta seus Estados Partes a adotar medidas legislativas para banir totalmente o ato de fumar em ambientes fechados e desaconselha qualquer sistema de ventilação como alternativa a essas medidas”. Essa orientação bate de frente com a lei 9.294, de 15 de julho de 1996, que permite o fumo em áreas destinadas a esse fim desde que isoladas e arejadas.

De fato, um estudo feito em Braga, Portugal, pelo grupo do biólogo José Precioso, do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, apresenta dados que comprovam que locais públicos como restaurantes e principalmente discotecas possuem altos níveis de poluição por fumo do tabaco.

O teor de nicotina no interior de um ambiente é medida pela quantidade de fumo de tabaco que seria inalada por uma pessoa ali presente. Para obter esses números, monitores equipados com filtros foram instalados dentro de locais públicos e, em seguida, analisados em laboratório.

Os resultados, publicados em outubro deste ano na Revista de Saúde Pública da USP e intitulado “Poluição do ar interior provocada pelo fumo do cigarro em locais públicos de Portugal” mostraram que os teores de nicotina nas discotecas foram os mais extremos, chegando a atingir 106,31 microgramas por metro cúbico.

Cartaz da campanha do Dia Nacional de Combate ao Fumo (26 de agosto) distribuído pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA).

Já nos restaurantes, o nível de nicotina atingiu 1,54 microgramas por metro cúbico. Segundo os autores do estudo, esse valor é também alto e representa um risco especialmente grave para os funcionários desses estabelecimentos. Afinal, conforme a mesma pesquisa, a exposição à metade desse índice pelos funcionários durante cerca de 40 anos de trabalho já representa um grande risco de desenvolver câncer de pulmão. Por outro lado, Precioso afirma em seu artigo que “não há nenhum nível de exposição ao fumo ambiental do tabaco que se possa considerar sem risco”.

Esses dados atingem principalmente bartenders (barmen), garçons e outros trabalhadores desses estabelecimentos, sobretudo nos ambientes reservados para fumantes. Para Precioso, esses fumódromos deveriam ser eliminados. “Seria uma forma de proteger a saúde dos não-fumantes, pois o fumo ambiental do tabaco contém mais de quatro mil substâncias, sendo que cerca de 60 são cancerígenas”. O pesquisador ainda afirma que os níveis de nicotiva encontrados em algumas discotecas equivale ao consumo de 15 cigarros por dia para as pessoas que ficam expostas à fumaça durante oito horas diárias. “Ainda por cima, eles fumam tabaco sem filtro”, completa Precioso.

Segundo Precioso, “não é aceitável que os funcionários sejam obrigados a trabalhar num ambiente em que estão presentes substâncias cancerígenas”. Para ele, “o Estado tem a obrigação de estabelecer leis que protejam os trabalhadores dessa agressão”.

Precioso defende ainda que o fim dos fumódromos seria uma forma de encorajar os fumantes a abandonar o vício. Ele afirma que existem estudos mostrando que medidas como o aumento do preço do cigarro e as proibições de fumar em locais públicos são eficazes no incentivo ao abandono do tabagismo.