Creches e pré-escolas podem evitar a disseminação de infecções

Revisão da literatura científica, elaborada por médicos da USP, reúne medidas simples e eficazes de prevenção que podem ser adotadas por creches e pré-escolas para evitar a transmissão de doenças infecciosas.

É só a criança ingressar na creche ou na pré-escola que as visitas ao pediatra aumentam. Conforme um artigo de revisão publicado no Jornal de Pediatria, crianças cuidadas em creches ou pré-escolas têm um risco duas ou três vezes maior de adquirir infecções. A partir de um levantamento da literatura científica, os autores da pesquisa, os médicos Maria Nesti e Moisés Goldbaum, ambos da Univesidade de São Paulo, reuniram medidas simples de prevenção que podem reverter esse quadro.

Segundo a pesquisa, creches e pré-escolas, públicas ou privadas, são ambientes que favorecem a transmissão de doenças. O comportamento das crianças pequenas facilita a disseminação: elas ficam em contato físico constante entre si e com os adultos e nem sempre lavam as mãos, que são levadas à boca, juntamente com qualquer objeto. Mãos, objetos e superfícies podem assim conter restos de urina, fezes, saliva e outras secreções que transmitem doenças.

Por isso, procedimentos simples como a utilização de roupa sobre as fraldas, a limpeza de brinquedos e superfícies e a lavagem das mãos com água e sabão são formas eficazes de se evitar a disseminação de doenças. As mãos devem ser lavadas antes de manipular ou servir alimentos, depois de ajudar crianças a usar o banheiro e após a troca de fraldas e o contato com fluidos corporais. O artigo ainda ressalta a importância de se usar lenços descartáveis para limpar os narizes, o material deve ser depois descartado em recipientes forrados com plásticos e tampados.

“A maioria das pessoas intui que crianças que freqüentam creches têm maior número de episódios de doença transmissível, mas desconhece o risco real e a efetividade das medidas simples de controle”, diz Maria Nesti. “Realizamos uma pesquisa junto ao Departamento de Medicina Preventiva da USP, junto a creches anexas a hospitais (por ser maior a probabilidade de serem conhecidos os mecanismos de transmissão e controle de doenças, pela proximidade aos profissionais de saúde) no município de São Paulo e verificamos que há desconhecimento do tema”. Para ela, é fundamental o treinamento rotineiro dos funcionários de creches e pré-escolas, com envolvimento de profissionais de saúde e administradores de saúde pública em níveis locais e nacionais.

“O primeiro passo é reconhecer o problema e a necessidade de mudança”, diz Maria. “Já existem esquemas de treinamento de funcionários de creches na [área de] educação; seria necessário o contato com a [área da] Saúde, para o treinamento básico de multiplicadores que a seguir reproduziriam as aulas, complementando o conteúdo já existente”. Ela lembra que antigamente havia um auxiliar de saúde nas creches, cuja presença não é mais obrigatória, mas as próprias professoras poderiam ser treinadas, sem a necessidade de aumentar o pessoal.

De acordo com a médica, um dos maiores obstáculos ao programa é a crença de que a experiência caseira com crianças é suficiente para habilitar um funcionário de creche. Porém, as recomendações domésticas de higiene e limpeza não são suficientes para um ambiente onde se misturam crianças de diferentes casas. Na creche, o procedimento simples de trocar fraldas, por exemplo, deve ser feito de maneira diferente, segundo Nesti.

As medidas completas levantadas nesse trabalho podem ser acessadas no artigo “As creches e pré-escolas e as doenças transmissíveis” [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572007000500004&lng=pt&nrm=isso], de Maria Nesti, e Moisés Goldbaum.

Sistemas de proteção social precisam acompanhar mudanças na família

A família não morreu, mas já não é mais a mesma. Análise do sociólogo sueco Göran Therborn indica que mulher é elemento-chave para explicar as mudanças ocorridas nos sistemas familiares de todo o mundo, como o enfraquecimento do patriarcado e a queda das taxas de natalidade. Sistemas jurídico e de proteção social precisam adequar-se às mudanças.

A família não morreu. Ter se modificado não significa o seu fim. O enfraquecimento do patriarcado e a queda das taxas de natalidade são as principais modificações comuns ocorridas nos sistemas familiares do mundo contemporâneo. Tais sistemas, no entanto, continuam distintos. Estas conclusões são do sociólogo sueco Göran Therborn, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, que esteve em visita ao Brasil no último mês. Therborn é considerado uma das principais autoridades em estudos sobre família atualmente. Sua vinda desencadeou debates sobre o tema, em que a mulher ocupa papel de destaque: ela seria o elemento central nas explicações sobre as mudanças na família ocidental. Estudiosos avaliam que os sistemas jurídico e de proteção social precisam adequar-se às modificações na instituição familiar.

O sociólogo sueco Göran Therborn, da Universidade de Cambridge.
Foto: Carolina Justo

Mudanças na família

Na comparação entre os sistemas mundiais, Therborn concluiu que as mudanças ocorridas ao longo do tempo não foram evolucionárias, seguindo um sentido único, mas desiguais, multidimensionais e multiculturais. “Todos os sistemas familiares são antigos e têm um histórico que está sendo reproduzido; apesar das mudanças, houve pouca ou nenhuma convergência entre eles”, disse. “De uma perspectiva mundial, há uma profunda variação entre situações de casamento quase universal e estrito controle da sexualidade legítima, como na Ásia, e a tendência ocidental de menos casamento e mais sexo”, explica Elisabete Dória Bilac, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que traduziu para o português o livro de Therborn intitulado Sexo e Poder: a Família no Mundo. Para a pesquisadora, as conclusões de Therborn contrariam prognósticos de “teóricos da modernização”, como Anthony Giddens, que previam o desaparecimento da família e a convergência dos sistemas. A queda das taxas de natalidade e a erosão do patriarcado são dos poucos elementos de mudança comuns entre os sistemas.

Para explicar a configuração dos sistemas familiares e as modificações por que passaram durante o século XX, Therborn conjugou elementos estruturais e cognitivos, explica Bilac. No Ocidente, a mulher ocupa papel de destaque em ambas as explicações. A proletarização da mulher, do ponto de vista de sua necessidade de trabalhar para sustentar a família, e as políticas de planejamento familiar (pelo uso de anticoncepcionais) estão entre os elementos estruturais. Seriam fatores de certa maneira coercitivos responsáveis pela queda das taxas de fecundidade. São, no entanto, insuficientes para dar conta da explicação.

Famílias numerosas são mais raras hoje.
Foto: Felipe Micaroni Lalli

Maria Coleta Albino de Oliveira, pesquisadora do Nepo e professora da Unicamp, faz questão de frisar o aspecto político-cultural. Para ela, as políticas de planejamento familiar não teriam sido bem sucedidas caso não houvesse demanda para a contracepção: uma motivação das pessoas para abandonarem o comportamento reprodutivo tradicional e adotarem novos modos de vida. Esta motivação estaria relacionada ao advento da mulher como sujeito, que teria permitido a ela o controle sobre o próprio destino. A entrada das mulheres no mercado de trabalho, não só por necessidade, mas também por vontade própria, representaria um ganho de poder para elas nas relações de gênero, um dos fatores responsáveis pelo enfraquecimento do patriarcado.

Therborn acrescenta que as mulheres elegem prioridades diferentes hoje: primeiro querem estudar, depois arrumar um emprego bom e estável, comprar uma casa, e só então decidiriam encontrar um parceiro, com quem queiram ter filhos. “E o relógio do tempo vai pressionando as mulheres”, comenta ele sobre a decisão das mulheres de terem menos filhos do que gostariam.

Maria Coleta pondera, no entanto, que o ganho de poder da mulher é relativo. Mulheres de diferentes estratos sociais são vítimas do conflito entre o trabalho produtivo e o trabalho reprodutivo. O mundo do trabalho incorporou a mão de obra feminina mais intensamente, “mas não garantiu às famílias dos trabalhadores alguma autonomia na organização do seu tempo”. “Não é por acaso que as mulheres se adaptaram tão bem aos contratos temporários de trabalho”, explica Coleta. “Precisavam encontrar tempo para as tarefas domésticas”, completa.

O mundo do trabalho continua organizado segundo a perspectiva masculina. E também os sistemas de proteção social. Para Sônia Draibe, pesquisadora do Nepp e professora da Unicamp, “os sistemas de proteção social se erigem sobre uma divisão sexual do trabalho que reflete, na realidade, a estrutura de poder nas famílias”. O acesso aos direitos de cidadania não é o mesmo para homens e mulheres, em decorrência disso.

Elisabete Bilac, Göran Therborn, Maria Coleta de Oliveira e Lília Montali discutem mudanças na família.
Foto: Carlina Justo

Conhecer as mudanças na dinâmica de funcionamento das famílias no mundo contemporâneo é essencial para a formulação de políticas públicas. Segundo Lília Montali, também pesquisadora do Nepp, a família passou a ter centralidade nas políticas de assistência social no Brasil. A entrega do benefício do programa Bolsa Família às mulheres, assim como das escrituras de casas populares, por exemplo, é indicativa da decadência do patriarcado. O estudo e as reflexões de Therborn podem auxiliar a tomada de decisão sobre outras ações públicas com foco na família. Suas pesquisas indicam, entretanto, que mudanças na divisão sexual do trabalho, assim como nos sistemas familiares e de modernização, são lentos e culturalmente arraigados, comenta Draibe.

Distintas famílias, no tempo e no espaço

“A família subsiste, em todas as partes do mundo, mas com uma complexidade maior”, afirma Bilac. Mesmo na Europa, depois da revolução sexual e da diluição do padrão de família burguês, morar sozinho é algo raro, muito mais restrito do que se imagina. No entanto, novas formas de família, ou arranjos menos freqüentes, ganharam evidência no final do século passado: casais em que ambos os cônjuges obtêm renda, famílias chefiadas apenas por mulheres, casais sem filhos, idosos morando sozinhos e crianças vivendo a infância como filhos únicos.

Em seu livro, Therborn identifica cinco grandes sistemas familiares no mundo, com base em valores filosófico-religiosos, modelados histórica e geograficamente: 1) o da África (subsaariano), 2) o europeu e americano (ocidental típico), 3) o do leste asiático, 4) o da Ásia do Sul e 5) o da Ásia ocidental e norte da África. Além disso, existiriam dois importantes sistemas intersticiais, surgidos do cruzamento entre alguns destes principais: o do sudeste asiático e o da América crioula. A família brasileira pertence a este último subsistema.

Família brasileira

A família brasileira foi moldada pela intersecção entre as tradições e valores de origem católico-cristã e crioula. A influência crioula estaria na informalidade das relações de gênero e num padrão de sexualidade dominado pelo homem, cujas conseqüências são as altas proporções tanto de filhos nascidos de relações extra-conjugais quanto de famílias monoparentais (chefiadas na sua maioria por mães solteiras). Já a tradição católico-cristã repercutiu, no Brasil, em leis de aborto muito restritivas e em leis de divórcio bastante tardias, explicou Therborn em mesa redonda organizada pelo Nepo e pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp.

Ele conta que o estatuto da família latino-americana foi baseado no Código Civil napoleônico, da França de 1.804. Rodrigo da Cunha Pereira, defensor da reformulação do sistema jurídico brasileiro sobre a família, concorda que o estatuto é ultrapassado, pois contempla uma concepção fortemente hierárquica e patriarcal de família. Para ele, o projeto de lei n.º 2.285/07, em trâmite no Congresso Nacional, deve legitimar todas as formas de família conjugais e parentais, com base no vínculo sócio-afetivo. O novo estatuto seria mais adequado, segundo ele, à realidade sócio-econômica e cultural do país. Pereira é professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFam).

Cesárea aumenta risco de problemas respiratórios em bebês

Estudo dinamarquês publicado no British Medical Journal revela que bebês nascidos de cesarianas têm chances aumentadas em até quatro vezes de desenvolver problemas respiratórios. Somado a isso, estudos no Brasil afirmam que a cesariana resulta em maior risco de morbimortalidade materna, reforçando a necessidade de incentivos ao parto normal. Em 2006, menos de 20% de todos os nascimentos em hospitais particulares do país resultaram de parto normal.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Aarhus, Dinamarca, e publicado no dia 12 de dezembro no British Medical Journal (BMJ) aponta que o parto cesárea eletivo (sem haver trabalho de parto) realizado até a 40ª semana gestacional eleva o risco de problemas respiratórios no recém-nascido.

De acordo com o estudo, quanto mais cedo realiza-se a cesárea, maiores são os riscos de complicações pulmonares nos bebês. Cesarianas realizadas na 37ª semana gestacional acarretam quatro vezes mais problemas respiratórios que partos normais realizados na mesma semana. A proporção diminui para três vezes na 38ª semana e duas na 39ª. Comparando-se os riscos de parto cesárea eletivo da 37ª a 39ª semana gestacional em relação aos riscos da 40ª semana em partos normais, os valores sobem respectivamente para 7 vezes e 3 vezes na 37ª e 38ª semanas.

Na pesquisa foram avaliados dados de 34 mil cesáreas eletivas. O estudo sugere que a redução dos riscos decorrentes da cesariana eletiva pode ser obtida através da postergação da realização do parto eletivo para a 39ª semana gestacional. O trabalho chegou também à conclusão de que as cesáreas eletivas acarretam mais problemas do que as de emergência.

Fernando Perazzini Facchini, neonatologista e professor de pediatria da Faculdade de Medicina da Unicamp, confirma uma constatação que os médicos já faziam na prática. “O estudo traz uma estratificação interessante, por idade gestacional. A medida em que a gestação se aproxima de 40 semanas, a freqüência de riscos diminui”, explica. Para ele, essa é a grande novidade do estudo.

Contudo, Facchini lembra que os riscos respiratórios decorrentes do parto cesárea já são discutidos há muito tempo, em especial as implicações para o sistema respiratório, que precisa estar plenamente desenvolvido na hora do parto. “Como não se tem meio de avaliar isso, corre-se o risco de fazer a cesárea antes de se ter atingido a maturidade pulmonar”, diz. Os problemas decorrentes do nascimento antes dessa maturidade vão desde complicações leves, até quadros que podem levar o bebê à morte.

Ele informa, contudo, que esses problemas tem diminuído nos últimos anos graças à administração de corticóide à gestante antes do parto para acelerar a maturidade pulmonar do bebê. “Mas ainda não se sabe ao certo quais as implicações do uso dessa substância”, enfatiza.

Altos índices no Brasil

Ainda que muitos médicos, principalmente pediatras, apontem que a cesárea traz riscos não só para o bebê, mas também para a mãe, como maior probabilidade de ocorrência de infeções, sangramentos e ruptura uterina futura, esse tipo de parto ainda é excessivamente praticado. “A maior parte das indicações para cesárea no Brasil não convencem”, avalia Facchini. Para ele, os obstetras optam por esse tipo de parto por questões financeiras (a cesárea é mais bem remunerada que o parto normal) e de tempo. “Em muitos países, toda uma equipe obstétrica acompanha a paciente. O obstetra só entra em cena quando surge um problema. No Brasil, o obstetra trabalha sozinho. Se ele fizer um parto normal, corre o risco de passar oito horas acompanhando o trabalho de parto”, explica ele.

O Brasil apresenta uma das maiores taxas de cesariana do mundo. Apesar da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que o percentual de cesarianas não deve ultrapassar 15% em nenhuma região do mundo, o país ainda tem índices bem acima desse número. Um estudo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), realizado pelas pesquisadoras Claudia Soares Zouain e Jacqueline Alves Torres e apresentado no XIX Congresso Brasileiro de Perinatologia, que aconteceu em Fortaleza em novembro deste ano, revelou que esse percentual chegou a 80,5% nos hospitais particulares brasileiros em 2006. “Uma proporção de 80,5% de cesarianas configura-se como um grave problema de saúde pública, pois aumenta os riscos da ocorrência de eventos relacionados à morbimortalidade materna e neonatal”, aponta o estudo.

Outro estudo apresentado no mesmo congresso e de autoria de Clea Rodrigues Leone, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, indica que o parto cesárea é mais freqüente em hospitais particulares, em mulheres que realizaram pré-natal, que tem escolaridade superior a 12 anos, idade entre 30 e 40 anos e esperam gêmeos. Por outro lado, mães com menos de 20 anos ou que dão a luz no período noturno tem maiores chances de realizarem parto normal. Já o trabalho da Universidade Federal de Campina Grande, realizado por Patricia Spara, com o título “Grau de escolaridade e sua relação com o número de filhos, freqüência de consultas no pré-natal e o tipo de parto” confirma também uma associação significativa entre o nível de instrução da gestante e a opção pelo parto cesárea, sendo mais freqüentes entre mulheres com ensino de nível médio ou superior.

“Na maior parte das vezes, não é a mãe que quer uma cesárea eletiva, mas sim o médico que induz a paciente a querer”, conclui Facchini. Para ele, muitos médicos vendem à paciente a idéia de que a cesárea é mais cômoda.

Tipo de parto não influenciaria vitalidade do bebê

Um estudo realizado no Brasil pela equipe de Samuel Kilsztajn, economista e coordenador do Laboratório de Economia Social de São Paulo, e publicado em agosto na revista Cadernos de Saúde Pública, da Fiocruz, aponta que o tipo de parto não influencia, a primeira vista, a vitalidade do bebê. Mas adverte que “o parto cesáreo apresenta maior risco de morbimortalidade materna”. Assim, já que o parto vaginal não está associado à baixa vitalidade do recém-nascido, “não há justificativa para a alarmante taxa de cesariana no Brasil”, analisa Kilsztajn.