No Amazonas, quanto melhor para a economia, pior para a floresta

O Inpe divulgou ontem os dados que estimam que o desmatamento entre agosto e dezembro de 2007 tenha alcançado 7000km². Philip M. Fearnside, pesquisador do Inpa comenta as polêmicas sobre o sistema de medição do desmatamento e as divergencias entre agricultura e meio ambiente.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou esta semana que o desmatamento na Amazônia cresceu entre os meses de agosto e dezembro de 2007. Esse aumento ocorreu justamente no momento em que a economia na região foi impulsionada pelo aumento do preço do boi e da soja no mercado exterior. Como em outras ocasiões em que dados do desmatamento são publicados a mídia tem repercutido as polêmicas em torno do tema, que passam por divergências entre os ministérios da agricultura e meio ambiente, governos federal e dos estados co mais municípios que desmatam a Amazônia. O sistema de medição utilizado é um dos pontos dessa polêmica e é acusado de ser impreciso.

A medição foi realizada pelo sistema Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), e não pelo Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazonia (Prodes), que faz o levantamento anual detalhado. Pelo Prodes, as imagens captadas por satélite tem uma resolução espacial entre 20 e 30 metros e a área mínima de mapeamento é de 6,25 hectares. Já pelo sistema Deter, as imagens captadas tem uma resolução de 250 metros e é possível detectar desmatamentos apenas em locais cuja área seja maior que 25 hectares.

De acordo com o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Philip M. Fearnside, o sistema Prodes oferece um mapeamento mais detalhado, principalmente na ápoca da seca, em julho e agosto, quando se tem menos nuvens. Por outro lado, o Deter forenece uma quantidade maior de imagens e por isso é possível excluir aquelas que apresentam muitas nuvens. “Mesmo a imagem sendo mais grosseira, é possível ver o desmatamento quando a clareira é maior, de modo que é possível fazer uma estimativa ao longo do tempo”, afirma Fearnside.

Baseado nas dados do Deter, o Inpe divulgou ontem os dados que estimam que o desmatamento entre agosto e dezembro de 2007 tenha alcançado 7000km², com uma variação para mais ou para menos de 1400km². Já o levantamento do Prodes para o período entre 01.08.2006 a 31.7.2007 foi concluído em novembro de 2007, e apontou um desmatamento de 11224km², com uma margem de erro de 4%. “O desmatamento grande em novembro e dezembro é inusitado por se tratar de época de chuvas em condições normais – explica Gilberto Câmara, diretor do Inpe. Em 2007, houve uma estação seca anormalmente longa no sul da Amazônia, que favoreceu o desmatamento nesse período. Assim que o INPE verificou este grande aumento, comunicou o fato ao governo”.

O presidente Lula, que convocou uma reunião com ministros para discutirem medidas a serem tomadas a partir dos dados apresentados pelo Inpe, fez uma declaração fazendo referência a outro ponto alto da polêmica, o fato do desmatamento encontrado pelo Inpe estar concentrado no estado do Mato Grosso (53,7%), onde a economia é voltada ao cultivo da soja e do gado. Nos últimos 3 anos, o preço global da soja e da carne de boi estava em baixa. Isso, somado à queda do dólar, significava menos lucro para os exportadores e uma diminuição do desmatamento, explica Fearnside do Inpa: “Com o preço em baixa, matou-se cerca de 20 milhões de cabeças de gado nos últimos anos no Brasil. Mas, quando o preço começou a subir de novo, não foi possível repor logo o mesmo número de bois, e o preço se elevou ainda mais. Essa é uma má notícia para a floresta. Nesse cenário, existe uma coisa contra o aumento do desmatamento, que é o câmbio; e duas coisas a favor do desmatamento, que são o aumento do preço da carne e da soja e o fato de terem áreas que foram classificadas como livres de aftosa, o que estimulou ainda mais as exportações”.

Além desses fatores, Fearnside considera que as ações governamentais tenham contribuído para a queda no desmatamente nos últimos anos, entre elas a fiscalização e multa para o desmatamento sem licensa e a criação de novas áreas de conservação. A segunda ação, embora não tenha efeitos imediatos sobre os números globais, tem como efeito positivo, ao longo prazo, frear a grilagem, que é a ocupação ilegal de terras na Amazônia, por meio da falsificação de documentos de terras, método freqüentemente utilizado por madeireiros, criadores de gado e especuladores agrários, que se apossam de terras públicas visando sua exploração.

Apesar disso e embora o Ministério do Meio Ambiente e as Secretarias do Meio Ambiente pensarem no impacto do desmatamento, essa não é, para Fearnside, uma preocupação dos outros ministérios nas decisões sobre obras públicas. De acordo com o pesquisador, o problema é que não há uma ação conjunta por parte do governo, e o estudo ambiental só é feito depois que as obras são legalizadas. “Tem pessoas ligadas ao governo que estão lidando com o meio ambiente e são totalmente dedicadas a isso, fazendo tudo o que podem para diminuir o desmatamento, o que é muito importante, mas também é preciso que essa atitude penetre o resto do governo, porque eles, por conta própria, não consideram esses impactos; pelo contrário, para eles é mais um problema para ser vencido, um empecilho”. Para o pesquisador do Inpa, é preciso uma solução mais profunda, que passe pela mudança de base da economia da região: “Hoje basicamente tudo que se faz na Amazônia envolve destruição. É preciso que haja o aproveitamento dos valores ambientais da floresta, evitar a quebra do ciclo biológico que abastece com chuva não só a região, como também o resto do Brasil, e manter a biodiversidade.”

Em função da repercução dos dados do Inpe, a ministra do meio ambiente Marina da Silva e o presidente Lula declararam a suspensão de autorização para o desmatamento em 36 municípios da Amazonia Legal. A suspensão, chamada de moratória pela ministra, estava prevista em decreto presidencial de dezembro de 2007 e entrará em vigor hoje, com a publicação de uma portaria no Diario Oficial.

Extração de óleos essenciais do cerrado sem desmatamento

Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) estão estudando as plantas do cerrado a fim de descobrir quais têm maior potencial para extração de óleos essenciais. A pesquisa intitulada “Tecnologia de Produtos Florestais Não-Madeireiros da Região do Cerrado” é o primeiro estudo extensivo sobre a flora do cerrado com a perspectiva de utilização sem derrubada de árvores.

Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) estão estudando as plantas do cerrado a fim de descobrir quais têm maior potencial para extração de óleos essenciais. A pesquisa intitulada “Tecnologia de Produtos Florestais Não-Madeireiros da Região do Cerrado” está sendo desenvolvida no Departamento de Engenharia Florestal e é o primeiro estudo extensivo sobre a flora do cerrado com a perspectiva de utilização não-madeireira. Isso quer dizer que não há necessidade de derrubar árvores, evitando a degradação e o corte irresponsável. Naquele bioma, atualmente o óleo essencial da candeia, muito utilizado por indústrias de cosméticos e de fármacos, é extraído da madeira, o que implica em abate da árvore toda para a obtenção do óleo.

O cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, ocupando 21% do território nacional. Possui a mais rica flora dentre as savanas do mundo, mas tem sido devastado a taxas alarmantes nos últimos anos e muito de sua riqueza ainda nem foi descoberta. “Os produtos florestais não-madeireiros podem ser uma das alternativas a essa devastação”, acredita Cláudio Del Menezzi, engenheiro florestal e coordenador da pesquisa. No cerrado, além da Área de Preservação Permanente (APP), é obrigatório manter uma reserva legal de 20% da área. Porém, essa norma não é respeitada por muitos fazendeiros que a entendem como um obstáculo à atividade econômica. “Desta forma, pretendemos torná-la rentável ao produtor rural, talvez o convencendo a não mais desrespeitá-la“, diz.

O objetivo do projeto é ambicioso: desenvolver tecnologias para o aproveitamento dos produtos florestais não-madeireiros do cerrado. Desta forma, engloba também os óleos fixos, resinas, gomas, fibras e frutos do cerrado. “Nosso objetivo inicial é identificar e quantificar as plantas que produzem, e transferir essas informações ao produtor rural. Nas etapas posteriores, esperamos poder desenvolver técnicas e descobrir usos desses óleos”, explica Del Menezzi.

Os óleos essenciais, também conhecidos como óleos voláteis, óleos etéreos ou essências, são amplamente empregados na indústria de cosméticos, farmacêutica, alimentos, perfumaria e de materiais de limpeza. São produtos voláteis, ou seja, dissipam-se rapidamente, têm consistência oleosa e são aromáticos; podem estar presentes em todas as partes da planta, onde exercem a função de atração de polinizadores, proteção contra patógenos e também são precursores de metabólitos, como os hormônios vegetais. Os óleos essenciais apresentam composição muito diferente daquela dos óleos fixos, também chamados gordurosos ou graxos, substâncias não-voláteis e que são retiradas de sementes de vegetais, como babaçu e andiroba.

Os biomas da floresta amazônica e caatinga já foram bem estudados com relação aos óleos essenciais, mas não se sabe exatamente quais plantas do cerrado os produzem e também não foram encontradas informações técnicas a respeito da produção (ml/kg de folha ou casca). “Como o intuito é de não abater a planta, vamos investigar principalmente o óleo essencial presente nas folhas. Desta forma, podemos utilizar a flora do cerrado de forma sustentável”, explica Del Menezzi. “Esperamos, nas etapas posteriores, determinar a composição química desses óleos essenciais e, partir daí, estudar as possibilidades de utilização”, diz. Para isso, os pesquisadores contam com a participação de profissionais da área de química e farmácia da UnB. “Colegas das ciências farmacêuticas já demonstraram interesse em participar nas etapas subseqüentes”, afirma o pesquisador.

O projeto foi implantado em agosto de 2006, mas seu início efetivo foi em agosto de 2007, por meio de um apoio financeiro dado pelo Decanato de Pesquisa e Pós-graduação da UnB, que possibilitou a compra de um equipamento de extração de óleo essencial. Trata-se de um minidestilador automatizado, cuja capacidade do recipiente de extração é de 1,7 litros. “Isso permite que um volume maior de material seja extraído, produzindo, assim, uma quantidade maior de óleo”, diz Del Menezzi. Porém, outros equipamentos ainda são necessários, cujo custo estimado é da ordem de R$ 240 mil. Os pesquisadores estão à procura de mais parcerias para aquisição de novos equipamentos no âmbito do projeto, cuja duração é de 10 anos.

O projeto está atualmente na fase de extração, realizada por uma bolsista de iniciação científica do CNPq, e espera-se que até o final de 2008 pelo menos um mestrando também faça parte da equipe. “Acreditamos que até o meio de 2009 já tenhamos alguns resultados”, estima o pesquisador.

Brasil precisa de mais cursos tecnológicos, diz antropóloga

A antropóloga Eunice Durham, ligada ao Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, defende um maior aporte de verbas para os cursos de caráter tecnológico. A cientista acredita que eles podem melhorar a qualidade do ensino.

O Brasil tem carência de cursos tecnológicos. Essa é a opinião da antropóloga Eunice Durham, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) que proferiu a palestra “Seminário Internacional Ensino Superior numa Era de Globalização”, no mês passado na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos últimos dez anos, menos de 1% dos profissionais do país se formou em cursos superiores tecnológicos. No ensino de nível médio, conforme apurou Durhan, muitos cursos técnicos não cumprem o papel de formar profissionais para o mercado, mas se tornam “trampolins” para os alunos entrarem em universidades. Por sua qualidade, esses cursos se tornam elitizados, segundo ela, pois servem à classe média que procura um curso gratuito e de boa qualidade. Esse fato agravaria ainda mais a carência por cursos.

Já para o sociólogo Paulo Roberto Martins, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a questão é um pouco mais complexa. “A priori, só por serem tecnológicos não significa, necessariamente, [que seja] ensino de qualidade”, comenta. “De maneira geral, [esses cursos] não formam seus alunos para questionar sobre qual tecnologia queremos para a nossa sociedade. Será só aquela que o mercado solicita?”, questiona.

O problema está em como expandir a oferta pública de qualidade, acredita Romualdo Portela de Oliveira, matemático especializado em Política Educacional e professor da USP. Segundo ele, as opções para que isso ocorra são difíceis por serem pouco viáveis política e economicamente. Uma das alternativas seria expandir as universidades públicas nos padrões existentes, o que implicaria em aumentar muito a dotação de verbas para o ensino superior público. Isso, apesar de defensável, implicaria em reorientar a lógica do gasto público no país, o que é pouco viável. A outra opção é diferenciar o sistema, buscando oferta de qualidade a custo mais baixo. Existiriam, para Oliveira, duas ações possíveis nesse caso: “de um lado, criam-se universidades muito precárias, que do modelo tradicional herdam apenas o nome, mas não são sequer escolas e obviamente não realizam de pesquisa”; de outro, a oferta de cursos que não se encaixa no modelo de universidade (indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão), como os tecnológicos, que podem ter boa qualidade e ser mais baratos. “Pessoalmente, acho que temos que, ao mesmo tempo, expandir o ensino superior, e diferenciar o sistema universitário”, opina o especialista.

Oliveira aponta ainda o problema do mau uso de verbas. De acordo com ele, há desperdício dos recursos, isso vale para áreas e para instituições, cursos e grupos, ao mesmo tempo que se asfixiam centros que teriam potencial de dar contribuições significativas à pesquisa. Para o especialista, teríamos que aprofundar a discussão acerca da pesquisa que precisamos e exigi-la do sistema. “Os [centros de pesquisa] que não atingissem os patamares definidos, deveriam, gradativamente, se transformar em instituições de ensino, o que equivale dizer, abrir mais vagas gratuitas,” projeta Oliveira. Isso não é contraditório com a ampliação do gasto, segundo ele, pois nossos índices de atendimento no ensino superior em relação à população são baixos (15% da população na faixa etária, quando o razoável seria pelo menos 30%). Além disso, esse atendimento é majoritariamente realizado pelo setor privado.

De acordo com o plano de expansão idealizado pelo governo do Estado de São Paulo, estavam previstas dez novas Faculdades de Tecnologia (Fatecs) em São Paulo para 2007. Destas, só sete foram criadas: Guarulhos, Itaquaquecetuba, Jales, Mogi Mirim, Presidente Prudente, Santo André e São Caetano. Este ano, de acordo com decreto assinado pelo governo do estado no último dia 21, seis novas unidades deverão ser implantadas: Araçatuba, Capão Bonito, Itu, Jaboticabal, Piracicaba e Sertãozinho. Segundo o governo, a criação de cursos tecnológicos em bioenergia, silvicultura, informática aplicada à gestão financeira e de produção e soldagem, projetada para os novos cursos, levou em conta o perfil econômico das cidades em que as escolas serão instaladas.

Já os novos cursos criados pelo governo federal através do Ministério da Educação (MEC), no ensino superior estão focados na formação de professores para lecionar em áreas carentes desses profissionais como física, química, matemática, biologia, mecânica, eletricidade e informática.