Compras excessivas podem ser sintoma de transtorno do comprar compulsivo (TCC), diz pesquisa do Instituto de Psiquiatria da USP, do Centro de Adição e Saúde Mental da Universidade de Toronto, no Canadá, e do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Iowa, nos EUA. Mulheres representam mais de 80% das amostras clínicas.
O problema do consumismo excessivo não é só o risco de endividamento. O ato de comprar repetitivo e fora de controle pode ser na verdade um sinal de doença. Esse é o tema de um trabalho realizado por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), do Centro de Adição e Saúde Mental da Universidade de Toronto, no Canadá, e do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. O foco da pesquisa é o Transtorno do Comprar Compulsivo (TCC), também chamado de oniomania, uma síndrome psiquiátrica persistente e universalmente predominante, que tem muito em comum com transtornos do controle do impulso.
O estudo foi feito com base nos artigos científicos sobre o TCC publicados nos últimos 40 anos. O trabalho, que será publicado na próxima edição da Revista Brasileira de Psiquiatria, menciona que o elemento chave da oniomania é a impulsividade. Suas vítimas, chamadas oniomaníacos, de maneira geral não conseguem evitá-la e em sua maioria (mais de 80%) são mulheres. Mesmo os que têm uma boa formação acadêmica apresentam dificuldades para perceber as conseqüências de sua compulsão. As preocupações e os impulsos da pessoa se voltam ao ato de comprar. De acordo com o artigo isso causa sofrimento, consome muito tempo, interfere no comportamento social ou ocupacional ou resulta em problemas financeiros como o endividamento ou falência.
Um dos autores do estudo, o psiquiatra Hermano Tavares, do Instituto de Psiquiatria da USP, conta que a vítima do TCC pensa tanto em como conseguir dinheiro para comprar que não se concentra no trabalho, passa muito tempo comprando, buscando crédito, pagando dívidas, sonhando com itens que quer comprar, ou culpando-se por ter comprado itens desnecessários, e negligencia família, profissão e tudo mais.
Esses sintomas são usados para diferenciar o TCC do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), no qual, segundo Tavares, o paciente fica tomado por excitação e euforia patológicas, fala muito, faz tudo muito rápido, faz tudo em excesso, inclusive comprar. “No TCC os excessos são concentrados nas compras e a perda de controle ocorre em períodos de humor normal, embora ‘porres’ de compras possam ser precipitados por ambos momentos de depressão ou euforia”, diz Tavares.
O que também dificulta o reconhecimento da doença é o fato de o TCC não fazer parte do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais nem da Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde. Segundo Tavares, essas omissões nos documentos também prejudicam o tratamento da enfermidade. Para ele, isso ocorre porque o diagnóstico ainda necessita de critérios objetivos que atinjam consenso entre os profissionais de saúde mental. “Por isso, é mais importante ainda apurar as formas de reconhecimento e aprofundar as pesquisas em tratamento”, diz ele. O pesquisador afirma que existem dados que sugerem melhora nos casos tratados da forma adequada.
Entre os medicamentos promissores, segundo o especialista, estão os antidepressivos fluvoxamina e citalopram, o anti-epiléptico topiramato e ainda o naltrexone, já utilizado no tratamento do alcoolismo. O efeito de certos agentes está associado às possíveis causas neurobiológicas do TCC apontadas no artigo, como alterações na transmissão neuronal (comunicação entres as células do cérebro) mediada por substâncias químicas.
De acordo com o psiquiatra, quem suspeita sofrer do transtorno do comprar compulsivo deve procurar um profissional de saúde mental treinado para diagnosticar e tratar compras compulsivas e outros transtornos do impulso como comer e jogar, por exemplo. “A associação entre esses transtornos é muito comum”, diz o pesquisador.
Coincidindo com a premiação com o Urso de Ouro do filme Tropa de Elite, o último número da revista Estudos Avançados da USP apresenta um dossiê sobre “crime organizado”. Nele, especialistas em violência e segurança pública apontam diversas contradições e avaliam que, entre avanços e recuos, resta esperança para a segurança pública no Brasil.
As cenas de violência exibidas em Tropa de Elite, filme brasileiro premiado com o Urso de Ouro no dia 16 de fevereiro, em Berlim, ilustram o pavor, a insegurança e a desconfiança que povoam o imaginário dos brasileiros em se tratando de segurança pública. Mas a esperança é a última que morre. Pelo menos o diretor, José Padilha, comentou na cerimônia de premiação que a boa recepção que o filme está tendo perante o público é sinal de que as pessoas “estão mandando uma mensagem: querem o fim da corrupção policial e da violência”.
Este desejo unânime movimentou também o dossiê sobre “crime organizado” lançado no último número da revista Estudos Avançados da USP. Especialistas em violência e segurança pública apontam contradições entre: a institucionalização da segurança pública como matéria de Estado e seu travamento político; a reconfiguração espacial da violência e as quedas nas taxas de homicídio; as políticas conservadoras de encarceramento e a humanização dos presídios; o avanço do crime organizado e o desafio da adoção de políticas democráticas. Os pesquisadores avaliam que, entre avanços e recuos, resta esperança para a segurança pública no Brasil.
No dossiê, quem apresenta uma postura mais otimista é Luiz Eduardo Soares, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing e secretário de Valorização da Vida e Prevenção da Violência de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Numa recapitulação da história recente da Política Nacional de Segurança Pública, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Soares vê um avanço contínuo, porém atravancado pelas condições políticas. Segundo ele, o mérito do governo FHC teria sido o de conferir à questão da segurança um status político superior, tendo firmado compromisso com a agenda dos direitos humanos.
Já o governo Lula teria apresentado uma proposta mais audaciosa, presente no Plano Nacional de Segurança Pública, que previa: a normatização do Sistema Único da Segurança Pública (Susp); a instalação de Gabinetes de Ação Integrada nos estados; e a desconstitucionalização das polícias, para que cada estado pudesse ter autonomia para definir o modelo de polícia que deseja, precisa e/ou pode ter. “Soluções uniformes não são necessariamente as melhores”, explica Soares. O plano firmava o compromisso de que segurança pública é matéria de Estado, não podendo ficar à mercê de querelas político-partidárias. O plano visava a reforma das polícias, do sistema penitenciário e a implantação de políticas preventivas e intersetoriais.
Ousado nas intenções, entretanto, o plano não teve continuidade. Como o calendário eleitoral anda mais rápido que o tempo exigido para que as políticas públicas comecem a dar resultados, a adoção do plano foi substituída por ações da Polícia Federal. Na avaliação de Soares, “por mais virtuosas que tenham sido, ações policiais não podem substituir uma Política de Segurança Pública”.
Membros da Força Nacional de Segurança Pública tomam posição durante operação para apreensão de drogas na favela da Grota, Complexo do Alemão, subúrbio do Rio de Janeiro. Foto: Sérgio Moraes/Agência Reuters. Revista “Estudos Avançados” da USP.
Apesar disso, um passo foi dado em agosto do ano passado, com a criação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). O programa, porém, passa ao largo da regulamentação do Susp. Ainda assim, Soares acredita que o Pronasci tem potencial para produzir bons resultados, mesmo que parciais e insuficientes.
Queda nas taxas de homicídio
Outra informação de certa maneira reconfortante é trazida por Sérgio Adorno, professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), e por Fernando Salla, pesquisador do mesmo núcleo: as taxas de homicídio no Brasil foram crescentes ao longo da década de 90, principalmente entre jovens com idade entre 15 e 24 anos. Entretanto, a partir de 2002, coincidindo com o início do governo Lula, “as taxas de homicídio vêm apontando declínio, nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo, cujas razões ainda não são bem conhecidas”.
Gráfico exibe evolução de homicídios no Brasil de 1994 a 2004. Fonte: Revista “Estudos Avançados” da USP.
Uma possibilidade de explicação é a reconfiguração espacial da violência homicida no país, com a emergência de municípios com taxas de violência extremamente elevadas, maiores que as das capitais e regiões metropolitanas. Segundo Júlio Weiselfisz, diretor de pesquisa do Instituto Sangari, a violência acompanharia o processo de descentralização e desconcentração do desenvolvimento econômico do país. Mesmo assim, os dados de sua pesquisa – o mapa das mortes por violência – trazem certo alívio: enquanto o número de homicídios no país crescia de forma assustadora até 2003, com taxas em torno de 5,1% ao ano, “em 2004, a tendência histórica reverteu-se de forma significativa. O número de homicídios caiu 5,2% em relação a 2003, fato diretamente imputável às políticas de desarmamento desenvolvidas nesse ano”.
Desafios
Combater as condições sociais, políticas e institucionais que favorecem a existência e o crescimento do crime organizado e da violência a ele associada é o grande desafio para a melhoria da segurança pública. Em Tropa de Elite, o capitão Nascimento, personagem principal do filme, afirma que, para sobreviver, um policial tem que ser omisso, corrupto, ou “ir para a guerra”, o que justificaria ações de tortura praticadas por ele. Por isso, derrotar a corrupção no interior das corporações policiais faz parte deste desafio, já que as organizações criminosas reagem às atitudes do poder público.
Faixas com a sigla PCC (Primeiro Comando da Capital) estendidas pelos presos rebelados no Complexo Penitenciário do Carandiru. Foto: Maurício Lima/Agência France Presse, Revista “Estudos Avançados” da USP.
Adorno e Salla comentam, por exemplo, que há indícios de que a formação e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, estejam relacionadas à política de encarceramento maciço, que aprofundou a superlotação nos presídios paulistas, e às medidas de isolamento, como a criação das unidades especiais e do Regime Disciplinar Diferenciado, praticadas pelos governos Covas e Alckmin. “O crime se modernizou; porém, a aplicação da lei e ordem persistiu enclausurada no velho modelo policial de correr atrás de bandidos conhecidos ou apoiar-se em redes de informantes. E tudo isso, a despeito dos enormes investimentos em segurança pública”, acrescentam eles.
Por um horizonte democrático
Por outro lado, Adorno e Salla lembram que essas medidas conviveram com a consolidação do Estado de Direito e a adoção de diretrizes democráticas, como as políticas de humanização dos presídios e a criação de Secretarias de Administração Penitenciária separadas das Secretarias Estaduais de Segurança Pública.
Para os pesquisadores, o crescimento do crime organizado está relacionado a fenômenos sociais novos, como o neoliberalismo, a globalização, o avanço tecnológico, a desregulamentação dos mercados, a flexibilização das relações e garantias de trabalho. Mas também com características históricas da sociedade brasileira, como a enorme pobreza e a ausência ou fragilidade dos direitos e da legalidade. Vera da Silva Telles, professora de Sociologia da USP e pesquisadora do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) e Daniel Hirata, do mesmo centro, pontuam que o crime organizado no Brasil é marcado por relações de identidade baseadas na pobreza e na vida nas fronteiras incertas da informalidade, da ilegalidade e do ilícito. Combatê-lo, neste sentido, depende muito da consolidação democrática do Estado de direito e da cultura dos direitos na vida cotidiana, e não só da política de segurança pública.
Uma série de fotos do plâncton marinho, do fotógrafo David Liittschwager, ganhou prêmio da World Press Photo 2008, na categoria natureza. Os vencedores foram anunciados em fevereiro e os prêmios serão entregues no final de abril, em Amsterdam.
É difícil imaginar que uma simples gota de água do mar possa esconder tantos mistérios, criaturas tão distintas e inusitadas. Formas, cores, texturas, transparências e brilhos foram revelados na série de fotos “Vida marinha ampliada”, do fotógrafo David Liittschwager, ganhador do prêmio World Press Photo 2008, na categoria natureza. Os vencedores foram anunciados em fevereiro e os prêmios serão entregues no final de abril, em Amsterdam.
Dentre as fotos premiadas, figuram uma água-viva conhecida como “botão azul”, um polvo filhote, filamentos espiralados de cianobactérias, algas retangulares chamadas diatomáceas, ovas de peixes, assim como larvas de camarão e caranguejo (do tamanho de um grão de arroz). Um molusco saindo de sua frágil concha, com pés modificados que parecem “asas”, também foi flagrado pelas lentes do fotógrafo. As fotos referem-se a amostras do plâncton marinho – organismos que vivem na água, têm pouca capacidade de locomoção e vivem à mercê das correntes oceânicas.
“Fui feliz em ter tido a chance de achar e de fotografar uma larva de peixe-espada e um ovo incubando. Eu não tinha uma lista de determinados peixes que eu gostaria de fotografar porque você nunca sabe o que vai encontrar”, diz Liittschwager, ao comentar o que mais o impressionou, em suas anotações de campo.
As amostras, coletadas no Havaí juntamente com cientistas do navio de pesquisa NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), foram obtidas do material preso nas redes dos pesquisadores. “Para as criaturas mais frágeis, eu saía em um barco pequeno e fazia a coleta com redes menores, ou mesmo só amostras retiradas diretamente de um balde”, conta Liittschwager. Um estúdio fotográfico foi montado no navio de pesquisa e outro na costa.
O ganhador do prêmio diz ter ficado impressionado com o universo dos minúsculos estágios larvais de crustáceos e peixes e seus mecanismos primários de defesa, principalmente aqueles baseados na invisibilidade. E ser invisível é uma característica que desafia o fotógrafo.
Para Alberto Lindner, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da Universidade de São Paulo e curador da exposição Oceano: Vida Escondida, uma das maiores dificuldades de se fotografar a vida marinha é obter iluminação adequada para se conseguir boas imagens. “Muitos animais marinhos, como as águas-vivas, são transparentes, o que requer uma boa iluminação para a sua visualização. O mesmo é verdadeiro para animais de mar profundo, que vivem em um ambiente com pouca ou nenhuma luz”, explica Lindner. Além da transparência, muitos animais são pequenos, o que dificulta a profundidade de foco necessária para visualizar suas estruturas. E, apesar de existirem aos milhares ou milhões nos oceanos, muitas espécies são difíceis de serem encontradas. “Um exemplo são as lulas gigantes. Apesar de grandes e abundantes, apenas recentemente foram obtidas imagens destes animais no seu ambiente natural”, lembra Lindner.
Para Fernando de Tacca, professor do Departamento de Multimeios, Mídia & Comunicação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fotografia da natureza é uma especialidade que combina técnica aguçada para cada caso específico, conhecimento profundo do assunto e uma grande dose de paciência. Além disso, “a sorte do fotógrafo de estar no lugar certo, perceber o evento da natureza, criar enquadramento e ajustar a técnica”. Essa junção entre técnica e conhecimento pode ser observada na foto abaixo da Baía de Pinciguaba feita por Tacca.
Baía de Pinciguaba, Litoral Norte de São Paulo, Fevereiro de 2008 Foto de Fernando de Tacca
Sobre o prêmio
O World Press Photo, junto com o Prêmio Pulitzer, são os dois mais conceituados prêmios internacionais de fotografia de imprensa. Para Tacca, é possível identificar, nos dois casos, uma clara independência dessas organizações, com autonomia em relação à grande mídia: agem dentro de parâmetros éticos nas escolhas das melhores fotos de cada ano. Além disso, “no caso de fotos de natureza existe uma certa estetização do mundo não visível, longe de qualquer cotidiano, tanto em fotos macros, quanto em amplas imagens do espaço”, comenta Tacca.
Resgatando um pouco da história de prêmios de fotografias nacionais, Tacca explica que o Prêmio Esso de Fotografia, criado em 1955, teve forte influência sobre as gerações passadas, ainda é muito relevante atualmente e se tornou um ícone da nossa fotografia. “O ‘primeiro’ prêmio de fotografia foi um ‘voto de louvor’ a uma foto de Campanela Neto realizada em 1960 sobre o conhecido movimento de oficiais da Aeronáutica que se rebelaram contra o governo federal em Aragarças – Goiás”, mas somente em 1965 foi criada a categoria Prêmio Esso de Fotografia.