Antidepressivos funcionam bem apenas em casos graves de depressão

A indústria farmacêutica internacional tem vivido “dias de cão” nas últimas semanas. Isto se deve à repercussão de um estudo de meta-análise publicado no periódico científico [Public Library of Science (PLoS) Medicine que indica que antidepressivos são mais eficazes que placebos apenas em casos de depressão severa.

A indústria farmacêutica internacional tem vivido “dias de cão” nas últimas semanas. Isto se deve à repercussão de um estudo de meta-análise publicado na versão eletrônica do jornal Public Library of Science (PLoS) Medicine. Pesquisadores da Universidade de Hull (Inglaterra) analisaram estudos clínicos de quatro conhecidos medicamentos contra a depressão: Fluoxetina, Venlaxetina, Nefazodona e Paroxetina para verificar sua eficácia perante placebos – comprimidos feitos com substâncias inertes, sem princípio ativo. A combinação dos resultados dos testes mostrou que somente em casos de depressão severa é que os antidepressivos se saíram melhor que os comprimidos de mentira.

Além de repercutir na mídia, essa pesquisa também eclodiu fortemente na comunidade médica inglesa. Dias depois da publicação do estudo liderado por Irving Kirsch, o jornal britânico The Independent divulgou uma matéria onde líderes da comunidade médica do país acusaram as indústrias farmacêuticas de não publicar resultados negativos sobre a eficácia das possíveis novas drogas. Segundo os médicos, tais testes são retidos pelas empresas para evitar perda de lucros. Só na Inglaterra estima-se que 3,5 milhões de pessoas consumam antidepressivos que, segundo o jornal, além de ingerir algo de eficácia duvidosa, colocam a saúde em risco.

A polêmica sobre a falta de ética das indústrias farmacêuticas chegou a um dos mais prestigiados periódicos científicos do mundo, a revista Science. No último dia 7 o artigo intitulado “Moving Toward Transparency of Clinical Trials” cobrou uma mudança na atual política de publicação de testes clínicos com novos medicamentos que envolvem pessoas voluntárias. Depois de alguns escândalos envolvendo esses testes nos últimos meses, o artigo diz que é preciso maior transparência e facilidade de acesso aos seus resultados.

Estimativas da OMS apontam que 5 a 10% da população mundial sofre de depressão.
Fonte: Munch Museum

Segundo Mariano Janiszewski, diretor médico da Eli Lilly do Brasil (fabricante da Fluoxetina – conhecida comercialmente como Prozac), a empresa para a qual trabalha possui uma política de transparência total quanto à publicação de testes clínicos com novos medicamentos. “A Lilly não esconde informação alguma sobre os seus testes clínicos. O que não é publicado em periódicos especializados vai parar em um site na internet específico a esse fim”. No endereço eletrônico citado por Janiszewski é possível encontrar, entre outras coisas, todos os testes realizados pela empresa com a Fluoxetina, um dos quatro antidepressivos analisados pela pesquisa inglesa.

“Além disso, só pedimos a aprovação para venda de um novo medicamento às agências regulamentadoras quando este já passou por todos os testes de produção, segurança e eficácia da molécula. Tal processo pode levar até uma década. Em média, de cada 10 mil moléculas estudadas, apenas uma chega a esse estágio”, afirma Janiszewski.

Já o professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas, Cláudio Banzato, comenta que “há muito tempo se discute entre os médicos a questão da não publicação de testes clínicos com novas substâncias. A questão é complexa e não se restringe a possível má fé das indústrias”. Outros fatores podem fazer com que um teste clínico não seja publicado. Um deles “seria a linha editorial dos jornais médicos que dão certa preferência a testes com resultados positivos”.

Outro motivo é o próprio pesquisador que ao constatar que uma substância com perspectiva de cura não atinge o resultado esperado fica frustrado e decide não remeter a pesquisa à publicação”, completa o psiquiatra.

A eficácia dos antidepressivos

Uma questão chave, porém, ainda se encontra sem resposta. Os antidepressivos funcionam? A depressão pode ser curada apenas com o uso de medicamentos que restauram certos aspectos químicos no cérebro do paciente ou outros fatores ambientais precisam ser levados em consideração no tratamento dessa doença?

Para os médicos da Universidade de Hull, além dos antidepressivos só serem eficazes em pacientes com alto grau da doença, eles aconselham a prescrição destes medicamentos somente depois que outras terapias convencionais se mostrarem ineficazes.

A Lilly se defende dizendo que as decisões médicas não se baseiam em estudos únicos e que em qualquer tipo de ciência, não só na médica, é normal haver conflitos de resultados. “A medicina avança através da pesquisa baseada em corpo de evidências. Não é devido a uma pesquisa que mostre resultados negativos sobre certo medicamento que todos os demais estudos com resultados divergentes e positivos serão desconsiderados”, diz Janiszewski.

Para o diretor da Lilly, cada geração de antidepressivo tem uma certa característica de ação. “O que define a prescrição de cada tipo de medicamento é a análise clínica, a relação médico-paciente”. O psiquiatra da Unicamp, Cláudio Banzato, concorda de certo modo com a opinião de Janiszewski. “Trabalho há 20 anos com psiquiatria e desde o início da minha carreira prescrevo antidepressivos. A contribuição desses remédios no tratamento da depressão é um fato. Entretanto, o que a pesquisa inglesa traz agora é algo que a rotina clínica nos mostra diariamente: os antidepressivos possuem maior eficácia em pacientes graves”.

Uma coisa que precisa ser salientada sobre a pesquisa publicada no PLoS é que a eficácia dos antidepressivos analisados não diminuiu ou aumentou de acordo com a gravidade da depressão do paciente em teste. A eficácia do placebo é que diminuiu nos pacientes mais deprimidos. Banzato diz que “não se sabe bem o porquê, mas é comum na literatura ver pacientes com depressão reagirem bem ao placebo.” O próprio editor do PLoS, Phillipa Hay, comenta que o modo como pacientes deprimidos reagem aos antidepressivos e ao placebo precisa ser melhor investigado.

Gráfico mostra a resposta ao remédio e ao placebo de acordo com a severidade da depressão.Estimativas da OMS apontam que 5 a 10% da população mundial sofre de depressão. Fonte: Munch Museum
Fonte – Kirsch et. al (2008).
Quanto à repercussão internacional da pesquisa inglesa, Janiszewski diz que isto é algo natural. “Você pensa em todas aquelas pessoas que sofrem de depressão e consomem antidepressivos que, de repente, abrem um dia o jornal e vêem um cientista dizendo que aquilo que as ajudam a ficar bem não serve para nada. Tal notícia irá, sem dúvida, repercutir”. No entanto, ele arremata: “é possível alguém hoje em dia dizer que a insulina não surte efeito no paciente diabético? Com certeza não. A diferença [entre a insulina e os antidepressivos] é que ela existe desde 1930”. A questão em aberto agora é se o futuro realmente reserva tal sorte aos reestabelecedores de humor.

Leia mais:

Antidepressivo não normaliza humor (de 10/10/2007)

Celso Furtado no cinema

Documentário ‘O Longo Amanhecer’ estréia em abril nos cinemas do eixo Rio-São Paulo. Lançado em Fortaleza, em novembro do ano passado, já passou por universidades e centros culturais e já foi assistido por cerca de 4 mil pessoas.

Se a ciência não é tema usual nas telas do cinema de produção nacional, a economia é menos ainda. Mas quando se trata de um economista, cientista, intelectual e militante como Celso Furtado, a história certamente dá um belo filme. É isso que o diretor José Mariani mostra em “O Longo Amanhecer – Cinebiografia de Celso Furtado”, documentário que estréia dia 04 de abril nos cinemas do eixo Rio-São Paulo. Na contramão dos caminhos de estréia percorridos pela indústria cinematográfica nacional, que tendem a começar pelo Sudeste, o documentário foi lançado em Fortaleza, em novembro do ano passado. Desde então passou por universidades e centros culturais e já foi assistido por cerca de 4 mil pessoas.

O filme, homônimo do último livro de Furtado, de 1999, traz 17 depoimentos de personalidades comentando a vida e a obra do economista, além de revelações do próprio Furtado, que, nessas gravações, cravou seus últimos depoimentos em vídeo antes de seu falecimento, em 2004. Dentre os entrevistados, destaca-se Maria Conceição Tavares, economista portuguesa naturalizada brasileira e professora-titular da Unicamp, que compartilhou com Furtado as teorias de desenvolvimento econômico: “Furtado não aceita o status-quo. Não se cansa de pensar na mudança. Isso é uma marca de pensador, de intelectual e de militante”, comenta.

A idéia para “O Longo Amanhecer” veio depois do trabalho anterior de Mariani, “Cientistas Brasileiros” (2002), documentário sobre o trabalho de dois físicos: César Lattes e José Leite Lopes. A mesma motivação fez Mariani entrar na vida de Furtado. “A minha matéria-prima é a reflexão. E é difícil filmar idéias com a densidade necessária de modo que todos compreendam. É preciso ter ritmo, emoção e empatia. O cinema documentário brasileiro deve enfrentar todos os temas”, revela Mariani. “A boa receptividade do filme prova que existe uma demanda para documentários informativos que estimulem reflexão e principalmente não subestimem a inteligência do espectador”, completa.

Vida e obra

Celso Furtado
Crédito: Divulgação

 

“Em nenhum momento de nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”. A frase de Celso Furtado reflete a sua visão sobre a atual situação econômica do Brasil, em especial do Nordeste, onde ele nasceu (em Pombal, na Paraíba, em 1920) e onde manteve o foco de sua maior militância – foi o idealizador e superintendente da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), em 1959, durante o governo JK, cargo que teve que abandonar em 1964, quando da ditadura militar no Brasil. O exílio de Celso Furtado seguiu até 1979, ano da lei de anistia.

Considerado o maior economista brasileiro do século XX, Furtado uniu suas idéias, reconhecidas internacionalmente, com a política: chegou a ser ministro duas vezes, em 1962, no Ministério do Planejamento de João Goulart, e em 1986, no Ministério da Cultura de José Sarney.

“O Longo Amanhecer” já passou em diversos festivais, como o “É Tudo Verdade”, onde ganhou menção honrosa, e outros como os baianos “Jornada de Cinema” e “Festival Sala de arte”. O filme também será lançado em DVD, com legendas em inglês, francês e espanhol – dado que Celso Furtado era conhecido internacionalmente.

Clique aqui para assistir ao trailer

Acelerador de partículas ajuda a desvendar as origens do universo

Para o leigo, é difícil entender como é possível o estudo dos átomos, tão pequenos que não podem ser vistos nem com o auxílio de microscópios, ser associado a algo tão grandioso quanto a origem do universo. É o que fazem pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP.

Quando estudamos física ou química no colégio, com uma porção de fórmulas e teorias, é difícil imaginar como se chegou a esse conhecimento e quais as aplicações práticas ele pode originar. Difícil também é entender como é possível o estudo dos átomos, tão pequenos que não podem ser vistos nem com o auxílio de microscópios, ser associado a algo tão grandioso quanto a origem do universo. Entender melhor as reações químicas ligadas à evolução do universo é uma entre várias finalidades de pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP no estudo dos átomos.

Para estudá-los, é necessário o uso de um equipamento chamado “acelerador de partículas”, que permite acelerar os núcleos atômicos a energias suficientemente elevadas para que essas partículas possam colidir com outros núcleos e fazer reações nucleares, através das quais são estudadas as suas propriedades. Velocidades da ordem de um décimo da velocidade da luz são obtidas no acelerador de partículas do IF, chamado Pelletron, uma máquina eletrostática que armazena aproximadamente oito milhões de volts.

Em conjunto com o acelerador de partículas, também é possível usar um equipamento para produzir núcleos radioativos que não existem na natureza (e por isso, são chamados de exóticos), mas cujas reações nucleares induzidas por eles foram fundamentais na evolução do universo. Para isso, utiliza-se o sistema Ribras (feixes de íons radioativos no Brasil, na sigla em inglês), um seletor ou separador que serve para produzir feixes ou conjuntos de núcleos exóticos. Trata-se do único equipamento deste tipo em operação atualmente no hemisfério sul. “Os núcleos exóticos são núcleos instáveis, que podem durar alguns segundos ou menos, mas que têm importância muito grande na física nuclear e também em outras áreas”, explica Rubens Lichtenthaler, do Departamento de Física Nuclear do IF.

Apesar de ter um tempo de vida curto, os núcleos exóticos são muito importantes no universo, pois funcionam como uma espécie de catalisadores (facilitadores) de determinadas reações que produzem outros elementos estáveis. “A possibilidade de se estudar núcleos exóticos no laboratório mostrou a existência de uma série de fenômenos até então desconhecidos. Um exemplo é o fenômeno do halo de nêutrons”, diz Lichtenthaler. Esse fenômeno a que ele se refere é uma nuvem de grande extensão formada por nêutrons que giram ao redor do centro (ver matéria sobre o assunto na revista Pesquisa Fapesp).

“Outro exemplo é o da astrofísica nuclear, que estuda os processos nucleares que ocorrem nas estrelas e no Big Bang (a grande explosão que teria originado o universo). A descoberta dos núcleos exóticos teve um impacto muito grande nessa teoria, com conseqüências inclusive nos modelos cosmológicos que estudam a evolução do universo”, afirma o pesquisador. “Além disso, estudos na área de produção de energia e principalmente no re-processamento do lixo atômico estão sendo feitos em outros laboratórios pelo mundo e poderão ter futuramente um grande impacto na área de produção de energia”, complementa.

Linac é um outro acelerador de concepção diferente. “É uma máquina supercondutora que trabalha com altos campos magnéticos, e a variação controlada desses campos gera forças elétricas grandes que, como o Pelletron, aceleram as partículas”, explica Dirceu Pereira, pesquisador do Laboratório Aberto de Física Nuclear (LAFN) do IF.

O acelerador Linac já está montado, mas ainda há uma série de detalhes, principalmente referentes à montagem de equipamentos periféricos, que ainda necessitam ser finalizados antes do início das operações. “É necessário que em médio prazo tenhamos um acelerador de maior porte (mais energia nas partículas aceleradas), para termos uma abrangência maior para estudos de sistemas nucleares e, consequentemente, em nossos planos de pesquisa. O acelerador Linac, em fase de conclusão, é que viria a suprir esta expansão natural de nossas pesquisas”, acredita Pereira.

A física nuclear é importante no entendimento de vários fenômenos naturais, como, por exemplo, a produção de energia pelo Sol através do processo de fusão nuclear; a evolução do universo, onde as reações nucleares desempenham um papel fundamental; a produção de energia em reatores nucleares, através do processo de fissão nuclear, etc. Vários grupos de pesquisa do IF utilizam o acelerador para realizar experiências em física nuclear, parte delas voltadas para física básica e parte em física aplicada. O objetivo da física básica é compreender as leis da natureza. “As pesquisas em física básica, que geralmente não envolvem aplicações práticas imediatas, contribuem para o avanço do conhecimento científico e, em longo prazo, sempre resultam em importantes avanços científicos e tecnológicos”, diz Luiz Carlos Chamon, também do Departamento de Física Nuclear do IF.

Já na física aplicada, utilizam-se técnicas nucleares (detectores, métodos experimentais, métodos de análise de dados, fontes geradoras de íons e o uso de reações conhecidas) para aplicações em áreas como medicina, odontologia, datação arqueológica, metalurgia, etc. De acordo com Chamon, o Departamento de Física Nuclear do IF/USP tem realizado uma série de atividades importantes no contexto da física aplicada, tão diversos como a modificação de implantes dentários a fim de permitir uma melhor eficiência na sua instalação; estudos de objetos de arte e arqueológicos, auxiliando na restauração e minimizando custos de conservação; desenvolvimento de novas tecnologias na linha de nanotecnologia; datações arqueológicas e geológicas e estudos que visam descobrir a época da chegada dos primeiros homens no Brasil; e monitoração dos trabalhadores ocupacionalmente expostos à radiação ionizante, através do uso de monitores individuais de radiações X e gama.

Além do apoio institucional da universidade e de agências financiadoras como Fapesp, CNPq e Finep, o laboratório e seus pesquisadores têm colaborações com outros centros de pesquisa do Brasil e do exterior.