Rússia autoriza uso de vacina contra câncer ainda em testes nos EUA

O Ministério da Saúde russo emitiu um certificado de registro autorizando a empresa de biotecnologia americana Antigenics a produzir e comercializar no país uma vacina contra câncer, que ainda não foi aprovada para comercialização nos Estados Unidos. A liberação traz à tona duas questões: mercadológica e ética.

O Ministério da Saúde russo emitiu um certificado de registro autorizando a empresa de biotecnologia americana Antigenics a produzir e comercializar no país uma vacina contra câncer, que ainda não foi aprovada para comercialização nos Estados Unidos. De acordo com o release emitido em 08 de abril pela Antigenics, sediada em Nova York, “esta é a primeira empresa a receber este tipo de autorização de um órgão oficial de saúde”. A autorização possibilita que um grupo de pacientes, que estão com risco de recorrência de câncer não metastásico de rim, receba em caráter experimental, a vacina terapêutica Oncophage. A empresa informa ainda que deverá lançar comercialmente a vacina na Rússia, em meados de 2008.

Um ponto a se considerar nesta notícia é quanto aspecto mercadológico. Na opinião de Ren Benjamin, um analista de mercados e especializado em biotecnologia, expressa em entrevista à revista The Scientist, “a Rússia é um campo sedutor para pequenas empresas de biotecnologia: procurar primeiramente aprovação em um país fora da Comunidade Européia ou dos Estados Unidos é um ensaio mercadológico, e ambos, investidores e empresas deverão focalizar para ver, como o lucrativo mercado russo se comportará”.

A outra questão desencadeada por essa notícia é quanto aos aspectos éticos em biomedicina. Nos Estados Unidos, o Food and Drug Administration (FDA), órgão responsável pela vigilância sanitária, ainda não autorizou o início dos ensaios da fase IV, a última fase de ensaios antes da liberação definitiva para a comercialização de um medicamento. Os ensaios com o Oncophage ainda estão em fase III e não apresentaram resultados suficientemente significativos para saírem desta fase. A preocupação de diversos pesquisadores é quanto ao fato da Rússia estar avançando precipitadamente, ou melhor, “pulando” uma etapa dos protocolos de teste de um medicamento.

“Deixando de lado o mérito desta terapia anticâncer, é extremamente difícil abdicar de um protocolo de tratamento que está sendo efetivo, por protocolos novos. Equivaleria mexer em time que está ganhando.” comenta José Maria Alvarez Mosig, Professor Associado do Departamento de Imunologia do ICB – USP. Para este pesquisador, “estas vacinas terapêuticas contra câncer estão sendo utilizadas como terapias complementares, nunca isoladamente”. “A utilização desta terapia ocorre em pacientes com câncer em estado avançado ou recorrente. Não são utilizados pacientes com diagnóstico precoce, o que, por outro lado, também retarda a confirmação da eficácia do tratamento”.

Apesar dos imensos investimentos e avanços no conhecimento dos processos de defesa imune, estes ainda são insuficientes para se compreender de maneira significativa, as complexidades das respostas imunes, principalmente contra o câncer. “Liberar este tipo de terapia, no estágio que está, é uma decisão extremamente delicada e difícil de ser tomada”, complementa o pesquisador.

O estudo de vacinas que estimulam o sistema imune a reconhecer e destruir, de maneira específica as células cancerosas é uma linha de pesquisa em imunologia que, apesar dos esperançosos esforços dos pesquisadores, ainda não obteve os resultados desejados.

Esse tipo de terapia consiste em isolar proteínas específicas de tipos de cânceres (antígenos cânceres-específicos), ou mesmo produzir células híbridas (cancerígenas-células dendríticas) e as inocular em pacientes com este tipo específico de câncer. Além destes antígenos são inoculados também estimuladores do sistema imune, ou mesmo acompanhados de quimioterapias.

Os avanços da imunologia se desenvolveram-se em outros caminhos: diversas vacinas contra doenças parasitárias resultaram na salvação de humanos e outros animais: o desenvolvimento de diversos antiinflamatórios, antitérmicos e analgésicos foi possível graças aos avanços no conhecimento sobre o sistema imune; o avanço no controle da rejeição de órgãos e tecidos transplantados possibilitou uma sobrevida significante a diversos pacientes terminais. A imunoterapia contra câncer agrupa dois dos mais complexos e intrincados campos da biologia.

Entenda mais:

Câncer

Compreende uma denominação que engloba diversas doenças. O Instituto Nacional de Câncer o órgão responsável pela a prevenção e controle do câncer no Brasil, mantém uma listagem dos principais tipos, apresentando também condutas de prevenção, informações e estatísticas. Embora de maneira simplista, possamos dizer que uma célula normal torna-se cancerosa quando passa a se dividir descontroladamente, muito pouco, sabem ainda os cientistas sobre este descontrole na divisão celular.

Testes

Após passar pela fase pré-clínica, que vai da sua invenção, testes laboratoriais e em animais, os medicamentos precisam ser avaliados em seres humanos. É nessa etapa que se inicia a Pesquisa Clínica: FASE I – com até 80 voluntários sadios, para determinar a segurança e dosagem da medicação. Nesta fase são estabelecidos os perfis farmacocinéticos e farmacodinâmicos dos medicamentos. FASE II – com até 300 pacientes para determinar a eficácia e segurança do medicamento, a curto prazo. FASE III – com até 5 mil pacientes para determinar a segurança em uso a longo prazo, eficácia, bem como interações medicamentosas. FASE IV – são realizados após o lançamento do produto, para estudar a diferenciação do medicamento em relação a outros da mesma classe. Todos os dados recolhidos durante um estudo que se estende por alguns anos e, muitas vezes, são realizados em diversos países, sistematizados e submetidos à apreciação das autoridades regulatórias a fim de obter a aprovação e dar início à produção em larga escala e à comercialização do medicamento.

Novo prédio da Embrapa na África fortalece cooperação científica

A Embrapa inaugurou, no último dia 20, o prédio onde será a sede do escritório da empresa em Gana. Presente na África desde 2006, a Embrapa fortalece com a nova sede um extenso programa de cooperação científica e tecnológica com diversos países do continente.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) inaugurou, no último dia 20, o prédio onde será a sede do escritório da empresa na cidade de Acra, capital de Gana. A empresa possui, desde novembro de 2006, um escritório regional na África – a Embrapa África -, e com a nova representação em Gana, fortalece um extenso programa de cooperação científica e tecnológica com diversos países do continente que vem implementando desde então.

Segundo informações de Elísio Contini, chefe da Assessoria de Relações Internacionais da Embrapa, em nota à imprensa, a crescente demanda de cooperação na área do desenvolvimento tecnológico da agricultura desses países decorre, dentre outros aspectos, da intensificação das atividades da política externa do Brasil com o aprofundamento das relações com a África, além do interesse dos próprios países africanos na busca de tecnologia agrícola tropical, área em que a Embrapa tem grande experiência.

A Embrapa atua externamente desde 1997 e seu modelo de atuação varia conforme a região. Os países africanos respondem atualmente por 60% das solicitações de assistência técnica e de desenvolvimento de recursos humanos à empresa. Seguindo a estratégia de cooperação internacional do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da política externa do governo brasileiro, a Embrapa África tem foco na transferência de tecnologias e na promoção e fomento do desenvolvimento social e do crescimento econômico dos países africanos, mediante o compartilhamento de conhecimentos e de experiências no campo do desenvolvimento tecnológico da agropecuária, agrofloresta e meio ambiente. Segundo Contini, a empresa vai atuar de acordo com as políticas do governo brasileiro e considerando as solicitações recebidas de governos africanos.

O escritório regional na África deverá conceber projetos e atividades de transferência e aplicação de tecnologias desenvolvidas ou adaptadas pela empresa, através de seus centros de pesquisa. “Em decorrência das possíveis mudanças que ocorrerão no sistema produtivo agropecuário de muitos países no continente africano, espera-se a abertura de oportunidades para estabelecimento de novos mercados aos produtos do agronegócio brasileiro”, diz Contini. A Embrapa África objetiva contribuir com países africanos aumentando a capacidade de produção agropecuária, gerando crescimento econômico sustentável, reduzindo as desigualdades sociais, combatendo a fome e aumentando a segurança alimentar através da transferência de conhecimento, do uso de tecnologia apropriada para produtos e serviços e do desenvolvimento de recursos humanos.

O escritório regional conta, atualmente, com dois profissionais, um coordenador e um técnico executivo, estabelecidos pelo prazo de dois anos em Gana, que desenvolverão suas atividades em articulação com as unidades centrais e descentralizadas da Embrapa, por intermédio da Assessoria de Relações Internacionais da Empresa, e serão responsáveis pela elaboração de um plano de trabalho e pela articulação e coordenação da sua implementação, mediante aprovação da diretoria.

Os custos relativos à execução do plano de trabalho, inclusive os deslocamentos de especialistas da Embrapa e a formação de recursos humanos, deverão ser cobertos com recursos da cooperação brasileira para o continente e, sobretudo, com aportes provenientes da articulação com organismos multilaterais e de doadores bilaterais.

Cooperação na saúde

À semelhança da Embrapa no campo da agricultura, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai abrir ainda este ano um escritório de representação em Maputo, Moçambique, por decisão do presidente Lula, a fim de colaborar técnica e cientificamente com os países africanos no campo da saúde. No ano passado, a Fiocruz abriu um curso de mestrado em Saúde Pública, em Angola, e em março deste ano, em Ciências da Saúde, em Moçambique, com apoio da Capes, CNPq e da Agência Brasileira de Cooperação.

Ética médica ganha destaque em publicações

Os estudos sobre ética e saúde ganham intensidade e fortalecem a idéia de que o avanço técnico que estamos vivendo necessita ser controlado e adequado aos princípios éticos. A edição de março/abril da revista Ciência & Saúde Coletiva, dá destaque, entre outros aspectos, às diretrizes brasileiras e relações com documentos internacionais. Artigos da Science e The scientist, no mesmo período, também trataram do tema.

Mesmo sem os alardes midiáticos característicos, que costumam enfatizar apenas os avanços nas pesquisas em biomedicina, os estudos sobre ética e saúde ganham intensidade e trazem à tona implicações sobre as novas tecnologias. Estes estudos fortalecem a idéia de que o avanço técnico que estamos vivendo necessita ser controlado e adequado aos princípios éticos. Medidas considerados imprescindíveis para o próprio avanço das ciências e maior participação pública nas decisões. A edição de março/abril, a revista Ciência & Saúde Coletiva, um periódico da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), dá destaque, entre outros aspectos, às diretrizes brasileiras e relações com documentos internacionais.

Outros dois artigos, publicados em revistas científicas internacionais no mesmo período, também abordaram essa temática. Na Science o artigo “Moving Toward Transparency of Clinical Trials”, assinado por dois pesquisadores do National Institutes of Health dos Estados Unidos, traz os progressos na legislação americana, referente ao incremento da transparência nos testes de triagens clínicas.

Já a revista The Scientist expôs os problemas éticos referente ao pagamento feito a pessoas que servem de cobaias em testes clínicos de novos medicamentos. “Paying for Patients”, assinado por Alla Katsnelson, ressalta que “2.5 milhões de pessoas no mundo, recebem pagamentos para servirem de cobaias em testes de pesquisas biomédicas”. A maior parte destes estudos é realizada em populações de países pobres da América, África e Ásia. Embora ofertas de 5.000 a 6.000 dólares sejam também oferecidas em países ricos, a participantes destes estudos.

Diretrizes brasileiras

Em 1996, o Conselho Nacional de Saúde, aprovou a Resolução 196/96, que trata das diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Entretanto, apesar do grande avanço social, esta resolução cria limitações dentro das pesquisas qualitativas em saúde, principalmente nas pesquisas de ciências sociais e humanas.

Iara Coelho Zito Guerreiro, psicóloga e coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), e Fabio Zicker, coordenador e superintendente de dois importantes setores de pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS), assinam o editorial da revista Ciência & Saúde Coletiva e destacam que “a diversidade de métodos, técnicas, paradigmas, referenciais, enfim, de diferentes olhares e saberes é essencial à produção de conhecimento sobre um objeto tão complexo como a “saúde”. É fundamental que os comitês de ética estejam capacitados para revisar e apoiar a realização de pesquisas que atendam aos interesses sociais e respeitem seus pesquisados”.

Ainda segundo estes editores, as diretrizes brasileiras para análise dos aspectos éticos das pesquisas com seres humanos estão apresentadas na Resolução 196/96 e suas complementares aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Estas resoluções tomaram como referência documentos internacionais sobre o tema, incluindo o Código de Nuremberg, Declaração de Helsinki e as diretrizes propostas pelo Council for International Organizations of Medical Sciences (Cioms), órgão da OMS que estabelece as diretrizes éticas internacionais para pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos.

Os problemas surgem, pois a Resolução 196/96 acabou ampliando a abrangência do documento do CIOMS para pesquisas qualitativas em todas as áreas do conhecimento. Um dos problemas práticos é que, quando as pesquisas versam sobre temas polêmicos como vida sexual ou que envolvam atos ilegais tais como uso de drogas ou aborto, o pesquisado deverá assinar um termo de consentimento com a pesquisa a ser realizada. Entretanto, ele pode estar assinando um termo de auto-incriminação.

Estas e outras situações acabam destoando com os objetivos iniciais das pesquisas em saúde, levando a produção de resultados incompletos e exposição de pesquisados e pesquisadores. No estado em que se encontra, a Resolução 196/96 necessita de diversas adequações, principalmente quanto à proteção dos pesquisados.

No artigo “A necessidade de diretrizes éticas adequadas às pesquisas qualitativas em saúde”, as autoras Iara Coelho Zito Guerriero e Sueli Gandolfi Dallari, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP/FSP), fazem uma exposição de algumas características das pesquisas qualitativas, as implicações éticas da maneira como a pesquisa qualitativa é concebida nos paradigmas não positivistas e um breve histórico dos documentos sobre ética em pesquisa.