Raposa Serra do Sol é divisor de águas na política indigenista

O conflito em torno da Terra Indígena Raposa Serra do Sol tem polarizado opiniões sobre a legitimidade e a melhor forma de demarcar territórios indígenas. Nesse debate, pesquisadores e defensores dos direitos dos índios explicam a importância da demarcação contínua tanto para a vida e manutenção da cultura dos povos nativos, quanto para a preservação do meio ambiente.

Há quase 3 décadas, o processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Tirss) – localizada em Roraima, na fronteira do Brasil com a Guiana e Venezuela – mobiliza índios, forças armadas, o governo do estado, arrozeiros, ocupantes não-índios e o governo federal. Em abril de 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou a demarcação contínua da Tirss e estabeleceu o prazo de um ano para a retirada dos ocupantes não-índios. Entretanto, os não-índios, sobretudo seis arrozeiros, ainda estão nas terras. Os opositores à demarcação contínua – o governo de Roraima, agricultores, entre outros – resistem à desocupação e defendem a demarcação da Tirss em ilhas, conservando, por exemplo, a ocupação não-indígena sobre áreas de cultivo.

O pesquisador em etnoecologia do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Vincenzo Lauriola, ressalta que a demarcação contínua da Tirss representa um modelo importante de gestão sócio-ambiental e de desenvolvimento sustentável, por ser inteiramente delimitado por fronteiras naturais. “Na sua luta pela área única ‘de rio a rio’, os índios demonstram sabedoria ambiental, buscando indiretamente evitar problemas que afetam outras áreas indígenas, como o Parque Indígena do Xingu, cujas condições ambientais são gravemente ameaçadas pelo desmatamento provocado pela expansão das monoculturas e da pecuária nas nascentes dos rios que o atravessam, devido ao fato que ficaram fora da área demarcada”.

O pesquisador destaca, ainda, o valor simbólico da demarcação contínua da Tirss, justamente por ela ficar no estado brasileiro de ocupação não-indígena mais recente e menos povoado, “ou seja, onde os fatores históricos e demográficos deveriam definir as premissas mais favoráveis ao reconhecimento dos direitos territoriais indígenas”. Para ele, a decisão em torno da demarcação da Tirss representa um divisor de águas fundamental para os rumos futuros das políticas de respeito e promoção dos direitos das minorias. “O êxito final da ‘saga’ da Raposa Serra do Sol vai nos dizer se os demais povos indígenas do Brasil que aguardam seus direitos serem reconhecidos ainda podem ter esperança de obtê-los, ou se, mesmo aqueles que já têm suas terras demarcadas, precisam se preocupar com ameaças de futuras revisões e reduções”.

De acordo com a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Ana Paula S. Maior, ceder a esse tipo de pressão seria um retrocesso. A advogada conta que após a identificação da Raposa Serra do Sol, concluída em 1992, houve três meses para que pessoas interessadas contestassem a delimitação. “Questões relativas à soberania nacional, à integridade territorial de Roraima e à ocupação dos arrozeiros já foram amplamente discutidas no bojo desse processo. São preocupações plenamente superadas”.

Identidade étnico-cultural

Os defensores dos direitos indígenas argumentam que a demarcação contínua também é importante do ponto de vista étnico-cultural. Ana Paula Maior ressalta que os índios precisam de um território mínimo para garantir sua sobrevivência física e cultural, que inclui áreas de plantio, caça e pesca, além daquelas que servem de referência cultural, como cemitérios e locais sagrados. “Isso cria uma unidade territorial e viabiliza a manutenção da identidade indígena”. Para Lauriola, demarcar as terras sem incorporar os espaços indispensáveis aos povos indígenas “significaria condenar não apenas as identidades socioculturais à extinção, mas também os indivíduos, configurando-se a perspectiva de verdadeiros etnocídios”.

O pesquisador cita o exemplo dos Guarani, no Mato Grosso do Sul, que tiveram as terras demarcadas em ilhas, em meio a áreas de cultivo agrícola. O resultado dessa negação à unidade territorial, de acordo com ele, é a desestruturação dos mecanismos culturais tradicionais, que têm levado a altas taxas de suicídios coletivos, alcoolismo, desnutrição infantil e violência entre os índios.

Direitos indígenas

A demarcação de terras indígenas é prevista no artigo 231 da Constituição, que reconhece o direito originário dos índios ao usufruto exclusivo dos recursos naturais dos territórios tradicionalmente ocupadas por eles e necessários para sua manutenção física, social e cultural. A lei não concede, portanto, a propriedade das terras – que continuam pertecendo à União – mas o usufruto de suas riquezas, exceto as presentes no subsolo.

A Declaração dos Povos Indígenas da ONU, documento assinado por 143 países, inclusive o Brasil, em 2007, resguarda os direitos dos índios, como à propriedade de suas terras, ao acesso aos recursos naturais de seus territórios, à autodeterminação e à preservação de sua identidade cultural e dos seus conhecimentos tradicionais.

De acordo com o antropólogo e ex-membro da Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Henyo Trindande Barreto B. Filho, acordos internacionais como esse mostram que assegurar os direitos dos índios não é uma invenção nem uma pretensão exclusivamente brasileira. “Essa é uma tendência global. Quem estiver contra isso vai ser atropelado pela história”.

Leia mais:

Dossiê Direitos Indígenas – Revista ComCiência

Conselho Indígena de Roraima (CIR)

Pesquisa mostra iniciativas de empresas para desenvolvimento limpo

Um estudo publicado no fim de abril, no site da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, aborda os casos de oito grandes companhias que implementaram o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e tomaram iniciativas voluntárias para reduzir suas emissões de carbono, utilizar melhor suas matrizes energéticas e reduzir os desperdícios em seus processos produtivos.

Um estudo publicado no fim de abril, no site da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, aborda os casos de oito grandes companhias que implementaram o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e tomaram iniciativas voluntárias para reduzir suas emissões de carbono, utilizar melhor suas matrizes energéticas e reduzir os desperdícios em seus processos produtivos. A pesquisa, conduzida por Jacques Marcovitch, da FEA/USP, é uma atualização dos casos empresariais apresentados no livro Para mudar o futuro: mudanças climáticas, políticas públicas e estratégias empresariais, de sua autoria, publicado em 2006.

A atualização do trabalho é composta por questionários enviados para representantes das empresas, contendo perguntas que mostram a evolução das iniciativas MDL nos últimos dois anos, após a publicação do livro. As questões abordam as metas de redução de emissão de CO2 de cada uma, se as iniciativas envolvem também os fornecedores e se elas obtêm vantagens competitivas graças a este trabalho. São ainda levantadas as lições apreendidas por cada programa, os ganhos sociais e os aspectos tecnológicos de cada iniciativa.

Marcovitch conta que as empresas escolhidas não são um recorte de todas as iniciativas do mercado, mas sim uma escolha que atendeu a algumas necessidades da pesquisa. “Era preciso ter um recorte das ações de diferentes setores, ter empresas significativas em termos de tamanho, distribuídas regionalmente e reconhecidas internacionalmente” explica.

O primeiro caso apresentado é o da Sadia, gigante nacional da indústria de alimentos, cuja principal ação foi a instalação de biodigestores para captura e queima de metano e CO2 nas fazendas de seus fornecedores, gerando energia elétrica no local e trazendo uma melhoria no sistema de gerenciamento de resíduos e na qualidade de vida dos fornecedores. Já a ArcelorMittal Tubarão, do setor siderúrgico, implantou um modelo energético baseado no reaproveitamento dos gases de seu processo produtivo e desenvolveu de novas aplicações para co-produtores, minimizando as emissões atmosféricas.

Já a Votorantim Celulose e Papel, ao dedicar uma grande área para seu projeto de reflorestamento, entrou no principal mercado de créditos de carbono, a Chicago Climate Exchange. A empresa também reduziu as emissões de gases do efeito estufa na cadeia do seu processo produtivo. O quarto caso é o da Santelisa Vale S.A., usina de grande expressão no segmento sucroalcooleiro, que se dedica à co-geração de energia com bagaço de cana, tendo obtido excelentes resultados nesta empreitada que se insere entre as mais inovadoras da chamada tecnologia verde.

Tanto o livro de 2006 quanto o estudo que o atualiza têm um ar otimista. Segundo Marcovitch, isto se dá pelo fato dele partir do conhecimento para a ação. “O conhecimento leva ao pessimismo. A ação leva a um sentido de otimismo. Este estudo, feito em empresas do primeiro escalão do setor produtivo brasileiro, torna evidente a eclosão de um novo tempo da economia, no qual o lucro deixou de ser um fim em si mesmo para desempenhar funções sociais jamais imaginadas”, afirma, lembrando que muitas destas iniciativas geraram grande impacto social local, como por exemplo, os biodigestores da Sadia.

O estudo também trata da Petrobras, mostrando os empreendimentos da estatal nos mercados de energias eólica, solar, biodiesel e biogás, entre outras. Na resposta ao questionário, Viviane Roberto da Silva Romeiro e Marco Antonio Conejero, funcionários da empresa petrolífera, estimam que 10% da energia elétrica consumida em todo o seu parque produtivo serão obtidos, já em 2010, a partir de fontes renováveis. O sexto caso apresentado na pesquisa é o da Veolia Serviços Ambientais, multinacional voltada para soluções relativas ao meio ambiente, especialmente aterros sanitários, que vem recuperando como fonte energética o biogás, nos aterros que opera no país.

Também no setor de reflorestamento e trabalhando simultaneamente com três projetos, a Plantar S.A. Reflorestamentos empenha-se em vultuosa redução no acúmulo de gases do efeito estufa, com metas de 28 anos, a partir de 2001. O último exemplo de sustentabilidade apresentado no estudo vem da Nova Gerar Ecoenergia, que desenvolve o primeiro projeto do mundo a obter o registro do MDL. A companhia cinqüentenária, atuante em diversos segmentos da construção pesada, prevê o aproveitamento energético de gases de matéria orgânica existente em lixões.

Questionadas sobre o que cada uma acredita que deve ser feito após 2012, quando termina a vigência do tratado de Quioto, as empresas, em geral, defendem que países em desenvolvimento, como o Brasil, tenham metas de redução nas emissões de gases do efeito estufa, mas de uma maneira mais flexível do que Estados desenvolvidos. Outro ponto em comum é a demanda por financiamento para iniciativas de MDL e redução dos gases.

Marcovitch acredita que a questão das mudanças climáticas exige uma confluência de três grupos distintos: cientistas, empresários e governos. “Há três tempos que o trabalho destaca: o tempo da ciência, o das políticas públicas e o das empresas. O tempo da ciência é o mais longo, e por isso, ele pode induzir a uma paralisia. O tempo das políticas públicas é influenciado pelas correntes partidário-ideológicas. Já o ator empresarial não tem muito tempo, pois a sobrevivência da empresa depende de ações sucessivas”, explica.

Seu livro publicado em 2006 aborda esses três atores. Na primeira parte, existe uma discussão científica sobre o aquecimento global, seguido de uma mesa redonda que discute políticas públicas. Por fim, são apresentados os casos empresariais e suas iniciativas voluntárias de sustentabilidade. O pesquisador da USP cita o Protocolo de Montreal, que conseguiu reunir esses três grupos e decretou o fim do uso do gás CFC, ofensivo à camada de ozônio. Enquanto um novo encontro desses três atores não acontece, Marcovitch ressalta a importância das iniciativas das empresas. “O fato é que estamos caminhando de 450 partes por milhão de CO2 na atmosfera para 750ppm. Há evidência de que esta concentração é danosa. Enquanto o debate científico continua, as ações políticas e das empresas devem acontecer”, conclui.

Nova espécie de alga calcária é encontrada no Espírito Santo

Descoberta uma nova espécie de alga calcária, chamada de Lithophyllum espiritosantense, no litoral sul do Espírito Santo. Embora o Brasil tenha o maior banco do mundo de calcário marinho, bastante usado na agricultura, a diversidade de suas algas calcárias ainda é pouco conhecida.

A descoberta de uma nova espécie de alga calcária chamada de Lithophyllum espiritosantense, no litoral sul do Espírito Santo, é um dos resultados da pesquisa intitulada “Comunidades associadas a bancos de algas calcárias (rodolitos) no estado do Espírito Santo”, realizada pelo pesquisador Alexandre Bigio Villas Bôas, durante seu doutorado em Botânica pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que será defendido em maio. Embora o Brasil tenha o maior banco do mundo de calcário marinho, bastante usado na agricultura, a diversidade de suas algas calcárias ainda é pouco conhecida.

Rodolitos do Espírito Santo.
Foto: Alexandre Bigio Villas Bôas.

Além dessa nova espécie, outras sete fazem parte da composição dos rodolitos presentes na área de estudo, uma delas tendo sido observada pela primeira vez no Oceano Atlântico. De acordo com os resultados, os bancos de rodolitos brasileiros são mais diversos em número de espécies de algas calcárias do que os bancos de outras áreas ao redor do mundo. Trata-se de ambientes heterogêneos e com características individuais, tanto em sua estrutura quanto na diversidade de organismos que vivem nestes locais.

Os bancos de algas calcárias ou bancos de rodolitos são comunidades dominadas por estruturas de vida livre, compostas, em sua maioria, por algas calcárias incrustantes, e têm sido alvo de outros estudos científicos recentes. A distribuição mundial dos bancos de rodolitos vai desde os trópicos até as regiões polares, sendo que a maior extensão destes bancos ocorre na costa brasileira. As algas calcárias, juntamente com os corais – que são animais -, são os principais formadores dos recifes de corais. “Ambos têm em comum a produção de carbonato de cálcio na sua formação, o que auxilia a construção desses recifes e bancos de algas calcárias”, explica o pesquisador.

Os depósitos de algas calcárias são comumente explorados para uso do calcário marinho na agricultura. No Brasil, há um enorme potencial para o uso desse recurso porque a plataforma continental abrange o maior depósito calcário do mundo. Apesar da coleta e comercialização de algas marinhas no litoral brasileiro serem regulamentadas pelo Ibama, pouco se sabe sobre a diversidade das espécies de algas calcárias existentes no litoral brasileiro e sobre o efeito da exploração desses bancos de calcário na biodiversidade marinha.

Essa carência de informações estimulou o pesquisador a estudar a estrutura de comunidades em um banco de algas calcárias de vida livre, para identificar especificamente quais as principais algas calcárias incrustantes formadoras dos rodolitos na região de Espírito Santo e obter conhecimento para subsidiar sua conservação. De acordo com os dados fornecidos pelo pesquisador, não houve diferença na proporção de material vivo e morto na composição dos rodolitos. Isso sugere que se trata de um depósito calcário antigo, onde os rodolitos apresentam núcleo composto por esqueletos de algas calcárias, corais, briozoários (tipo de animal invertebrado) e arenito. Em relação à camada viva, as algas calcárias foram os organismos dominantes, associados a outros organismos incrustantes, na composição dos rodolitos, e Lithophyllum foi o gênero dominante.

Os resultados do estudo contribuem com o uso sustentável e também com a preservação desse recurso. Apesar disso, “a base do conhecimento sobre os bancos calcários brasileiros está apenas começando a ser montada, e estudos locais são necessários para que se tenha informação real sobre esses ambientes que proporcionam habitat para muitos organismos bentônicos [do fundo dos oceanos]”, ressalta Villas Bôas.

As algas calcárias foram motivo de reportagens recentes, devido à operação realizada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal para prender contrabandistas de recifes de corais. A Operação Nautilus, como ficou conhecida, tem o objetivo de combater extração, transporte, comércio e exportação ilegais de fragmentos de recifes de corais brasileiros, destinados ao mercado nacional e internacional para uso na decoração de aquários.