Evento reúne iniciativas públicas e privadas de sustentabilidade

O Projeto Sustentar 2008, organizado pela Prefeitura de Campinas em parceria com universidades e empresas, reuniu representantes políticos, acadêmicos e empresariais para discutir o desenvolvimento sustentável e apresentar ao público as iniciativas já colocadas em prática.

Entre os dias 26 e 31 de maio, Campinas (SP) sediou o ciclo de palestras, fórum e exposições do Projeto Sustentar 2008. Com o objetivo de agregar idéias e contribuir para o desenvolvimento sustentável, o evento envolveu atores políticos, empresas, universidades, institutos de pesquisa e a população da cidade. Foram mostradas iniciativas públicas em reciclagem de óleo de cozinha e privadas em reciclagem de baterias de celulares, projetos de preservação da Mata Atlântica, e vários outros. Entre os palestrantes, Antônio Carlos Demanboro, da PUC-Campinas, abordou os limites físicos do planeta e os atuais níveis de consumo, e Luciana Betiol, da FGV, dicutiu como as compras públicas podem contribuir para a sustentabilidade.

Uma das iniciativas públicas apresentadas no evento é a da cidade de Indaiatuba, que mostrou sua pareceria com a Unicamp em uma usina que transforma óleo de cozinha em biodiesel, reciclando 45 mil litros de óleo/dia. O município criou uma cooperativa que coleta o material a ser reciclado em 58 mil residências e de cerca de 100 estabelecimentos comerciais. O combustível produzido é consumido pelo transporte público da cidade. A tecnologia, que foi cedida pela Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, está em fase de patenteamento e esta é a primeira parceria da universidade para a criação de uma usina.

Entre as iniciativas privadas, a fabricante de celulares, Motorola, mostrou seu trabalho de reciclagem que conseguiu recolher cerca de 250 toneladas de baterias em oito anos. A empresa também mostrou pesquisas que têm conseguido diminuir substancialmente a quantidade de metais pesados destes itens, através de estudos sobre o ciclo de vida dos aparelhos e materiais que facilitam a condução elétrica.

A prefeitura de Santo André, da serra do mar paulista, mostrou o avanço na preservação da Mata-Atlântica em seu território com a criação do Parque das Águas em Paranapiacaba. O local, uma antiga vila surgida no século XIX, é onde se encontram as nascentes das águas da represa Billings, que fornece água para a grande São Paulo. O parque também possui um centro de educação ambiental, com parcerias com escolas municipais, e conduz trabalhos de conscientização do uso dos recursos hídricos, além de promover cursos que incentivam a geração de renda de forma ambientalmente sustentável para os habitantes da vila.

O uso sustentável da água foi um dos temas abordados pelo pesquisador da PUC-Campinas, Antônio Carlos Demanboro. Em sua palestra, ele tratou dos limites físicos do nosso planeta, apresentando dados comparativos sobre o consumo atual de recursos como água, terrenos agriculturáveis, energia e as expectativas de crescimento populacional.

Demanboro ressaltou a complexidade destas análises. “Uma importante questão é que estes recursos estão distribuídos de forma assimétrica, ou seja, existem áreas de grande concentração populacional e poucos recursos hídricos, como o sudoeste asiático, e outras opostas, como a Amazônia” aponta. Mas ele também contrapõe as previsões mais pessimistas: “Aspectos positivos são as mudanças tecnológicas, que aumentaram em muito a produtividade agrícola por hectare, geram energia de maneira mais eficiente e reutilizam a água”.

Outro tema discutido no evento foi o consumo consciente e as compras públicas sustentáveis. “O poder público pode participar por meio de capacitação de seus agentes de compras; efetivamente realizando compras sustentáveis, ao elaborar editais de licitação com preocupações sociais e ambientais; alterando seus bancos de dados de produtos e serviços para introduzir produtos e serviços com critérios ambientais e sociais; elaborando novas normas que obriguem a adoção de condutas socioambientais adequadas e alterando as já existentes para readequar as atividades governamentais para um consumo adequado”, aponta Luciana Betiol, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-SP. O debate mostrou que além de consumir com consciência, o poder público pode atuar como um desencadeador de iniciativas sustentáveis.

Um ponto em comum em todas as discussões do evento foi a necessidade de se realizar parcerias entre diversos atores da sociedade. São prefeituras com projetos em conjunto com universidades e institutos de pesquisa para implantar novas tecnologias, assim como pesquisadores que se associam a empresas que financiam novas iniciativas. Luciana Betiol enfatiza esse caráter agregador. “Não há como tratar de desenvolvimento sustentável sem envolver todos os atores sociais relevantes. O próprio conceito de desenvolvimento sustentável já engloba aspectos sociais, ambientais e econômicos, o que exige a participação de toda a sociedade em sua discussão”, conclui.

A organização do Projeto Sustentar 2008 foi uma iniciativa conjunta da Prefeitura de Campinas, da Unicamp, da PUC-Campinas, da Fundação Fórum Campinas, da Sanasa e da ABMaior Consultoria Ambiental. Foram cerca de 20 mil participantes e mais de trinta palestras ou mesas redondas, além de dezenas de shows, atividades culturais e oficinas.

Tinta inseticida poderá ser usada contra a Doença de Chagas

Um trabalho do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte, está avaliando a eficácia de tinta inseticida. Usada em casas de pau-a-pique e galinheiros, a pintura extermina o barbeiro, transmissor da doença de Chagas, e outros insetos.

Uma tinta especial é o mais novo inimigo do barbeiro, o inseto vetor do Trypanosoma cruzi, o protozoário causador da doença de Chagas. O médico infectologista João Carlos Dias, do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte, está avaliando a tinta inseticida que pode ser aplicada em casas de pau-a-pique e galinheiros, os esconderijos prediletos do barbeiro. Além de exterminar os insetos, o pesticida tem liberação lenta e efeito residual, que pode durar cerca de um ano. A tinta tem também bom aspecto e não deixa odores.

Casa pintada com a tinta inseticida há mais de seis meses.
Desenvolvido na Espanha, o produto já tem ação comprovada contra mosquitos, ácaros, himenópteros (formigas, abelhas, vespas) e ortópteros (grupo das baratas). A fórmula é uma combinação dos inseticidas diazinon, clorpirifós e piriproxifen, mas testes toxicológicos classificaram o produto final como pouco tóxico ou praticamente atóxico para humanos. Considerada inofensiva às pessoas ao ambiente, a pintura inseticida está aprovada para uso domiciliar no México, Costa Rica, Colômbia, Espanha e Argentina, com patente registrada nesses dois últimos paises. Há também registros de sua patente no Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha.

Dias conta que uma nova formulação da pintura, cujos ingredientes ativos são compostos chamados piretróides, está em fase de testes. Nesses ensaios, a tinta é aplicada em galinheiros experimentais. Em seis meses de testes, conduzidos em Minas Gerais, a pintura mostrou-se eficaz contra os insetos e não causou danos em cobaias ou galinhas expostas. O próximo passo – com início previsto para agosto – é tratar 200 casas rurais em Minas Gerais com ambas as formulações. Seu desempenho será então comparado com o do inseticida convencional (alfa-cipermetrina), distribuído pelo Ministério da Saúde.

Para Dias, efeitos cumulativos são possíveis, assim como para todo pesticida. Por isso, o monitoramento com animais segue em andamento. “A parte toxicológica básica está favorável; o acompanhamento de seres humanos expostos na Bolívia nada detectou em mais de um ano de exposição”, diz ele. “O uso [criterioso] e tecnicamente correto de fosforados e piretroides não tem indicado efeitos importantes”, esclarece.

Nas doses adequadas e eficientes, a toxicidade aguda é menor ou no máximo semelhante à dos ingredientes ativos já empregados contra a dengue (fosforados) e Chagas ou malária (piretróides), segundo Dias. “Nos programas tradicionais, o ingrediente ativo vai bruto e solto – teoricamente mais agressivo – e na pintura vai aderido à matriz”. Composta de carbonato de cálcio e resina, a matriz da pintura inseticida é branca, mas pode ser colorida com pigmentos de quaisquer cores, à escolha dos moradores.

Segundo o pesquisador, o uso em larga escada do produto depende basicamente de dois pontos, a ausência de efeitos colaterais para humanos, animais e ambiente e uma boa relação custo-efetividade. Um efeito residual superior a dois anos seria o ideal, na opinião de Dias.

No mercado brasileiro já existe, desde o ano passado, uma tinta repelente. O produto foi lançado visando o nicho de combate à denque. Diferente da tinta da Fiocruz, a repelente não tem efeito inseticida e afugenta insetos usando aditivos de origem vegetal.

Recuperar campos de petróleo abandonados pode ampliar reservas de gás

Pesquisadores do Canadá e do Reino Unido começaram no início deste mês uma nova experiência biotecnológica que deverá fazer com que campos de petróleo considerados exauridos produzam gás natural. Isso pode ampliar as reservas mundiais em até 50%, de acordo com estimativa da equipe.

Campos de petróleo abandonados poderão ser reativados com uma nova tecnologia desenvolvida por um grupo de cientistas do Canadá e do Reino Unido. Os pesquisadores começaram no início de maio um novo estágio da experiência biotecnológica que deverá fazer com que os campos considerados exauridos produzam gás natural. Isso pode ampliar as reservas mundiais de gás natural em até 50%, de acordo com estimativa da equipe.

Atualmente, as reservas de gás natural no mundo são da ordem de mais de 160 trilhões de metros cúbicos, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O Brasil tem uma reserva de gás natural de 800 bilhões de metros cúbicos. Essa quantia é suficiente para abastecer o planeta pelos próximos 60 anos. Se os resultados da pesquisa forem comprovados, a nova tecnologia pode aumentar substancialmente a quantidade e, consequentemente, a durabilidade dessa fonte de energia.

A idéia é simples: a equipe pretende alimentar micróbios que naturalmente vivem nos poços de petróleo com uma mistura especial de nutrientes. Desta forma, os micróbios devem iniciar uma reação que produzirá metano. Esse processo ocorre naturalmente, mas leva bilhões de ano para que o gás natural seja produzido. A pesquisa, no entanto, pretende encurtar esse tempo geológico de bilhões de anos para apenas uma década, ou mesmo alguns meses, em uma previsão mais otimista. Isso seria uma solução interessante tanto economicamente como ecologicamente para reservas de petróleo que não podem mais ser explorados porque o óleo se tornou sólido ou espesso demais para ser bombeado.

Antes desse trabalho em campos de petróleo que se inicia agora, a equipe realizou várias experiências em laboratório e o resultado da pesquisa do grupo de cientistas foi publicado na edição de abril da revista científica Nature. O desafio maior foi encontrar a melhor combinação de nutrientes e o modo mais eficaz de fazer essas bactérias se alimentarem. Agora, a próxima barreira a ser superada é colocar a experiência em prática nos campos de petróleo e comprovar seus resultados, o que já começou a ser feito este mês. “Os combustíveis fósseis vão nos fornecer energia, ao menos em algum nível, ainda por um bom tempo. Portanto, é crucial ‘limpar’ a indústria dos combustíveis fósseis rapidamente e economicamente. Ainda mais agora, em uma época em que é urgente que a energia utilizada seja limpa e sem emissão de carbono. Essa é a justificativa para nosso trabalho”, aponta Steve Larter, geólogo e chefe da equipe de cientistas.

O impacto da pesquisa é grande, pois a demanda por gás natural (uma fonte de energia limpa, que pode ser usada em indústrias, casas e carros) tem aumentado consideravelmente. Este ano, o consumo de gás natural no Brasil bateu recorde, fechando o primeiro trimestre de 2008 com crescimento de 30%, com o consumo médio diário de 50 milhões de metros cúbicos, conforme levantamento da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). Hoje, cerca de 2.502 indústrias no país utilizam esta fonte de energia.

Gênese do gás natural

A conversão do petróleo em gás natural se dá através de um processo chamado metanogênese, realizado por dois tipos de microorganismos – a bactéria Syntrophus e um organismo conhecido como Archaea (muito semelhante às bactérias, mas com diferenças estruturais significativas que mereceram outra classificação). As bactérias digerem o óleo e produzem hidrogênio e ácido acético em um primeiro momento. Em um seguida, as Archaea combinam o hidrogênio com o dióxido de carbono para produzir o metano. O gás natural flui então para a superfície do reservatório, e pode ser captado e transportado pelos modos convencionais.

A equipe acredita que a técnica pode ser utilizada para recuperar cerca de 50% dos campos de petróleos atualmente inativos. Mas, apesar do otimismo, os cientistas apontam que levará aproximadamente cinco anos para que a técnica possa ser colocada em prática efetivamente. “Apesar de ainda ser especulativa, é uma alternativa que possui grande potencial e não pode ser descartada. Afinal, pode fornecer gás natural utilizando pouquíssimos gastos de energia e de água, e com baixíssimo impacto ambiental”, afirma Larter.