Lei que regulamenta experimentação animal divide opiniões

Ao mesmo tempo em que a SBPC reunia pesquisadores que debatiam a legalização e a regulamentação do uso controlado de cobaias, em prol da lei Arouca, um grupo de professores do IFCH da Unicamp organizou uma mesa redonda para discutir argumentos contrários.

Na semana da reunião da SBPC deste ano – que teve como um dos temas de destaque a “Experimentação com animais de Laboratório” -, um grupo de professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp organizou uma mesa redonda para apresentar e discutir argumentos contrários ao uso de cobaias.

Um dos principais focos da discussão nos eventos da SBPC e do IFCH foi a Lei Arouca, que legaliza e regulamenta o uso controlado de cobaias e está em votação no Senado. Na mesa do IFCH, os participantes foram unânimes nas críticas à Lei e mostraram-se contrários a qualquer argumento que se baseie na “eficiência da prática” ou na “necessidade”, já que a experimentação animal seria “imoral e injustificável”.

“Não quero discutir a eficácia da prática. Não se pode reduzir a questão a isso. Ainda que eficaz, ela é moralmente inaceitável. A necessidade é uma variável cultural e histórica”, destacou a antropóloga do IFCH, Nadia Farage, lembrando que, no passado, práticas hoje consideradas inaceitáveis, como a escravidão e a prostituição, eram aceitas como “males necessários”.

Já nas duas conferências e quatro mesas redondas do núcleo sobre experimentação animal da SPBC, a Lei Arouca foi defendida e aclamada pelos conferencistas e debatedores como uma forma de estimular o avanço científico, bem como de garantir o bem-estar dos animais.

De acordo com o biólogo e presidente da Comissão de Ética do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Wothan Tavares de Lima, a Lei Arouca será benéfica tanto para a ciência como para os animais, já que prevê a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) – que será responsável por autorizar ou não experimentos com animais – e deverá viabilizar a formação de uma política nacional para o uso de cobaias.

Na mesa redonda “Legalização do uso de animais de Laboratório”, Cecília Carbone, secretária do Conselho Internacional para a Pesquisa com Animais de Laboratório (Incle, na sigla em inglês), lamentou que, na Argentina, a principal lei em vigência relacionada ao assunto, de 1954, já esteja caduca, o que dificulta o desenvolvimento de atividades de pesquisa. Para ela, a aprovação da lei brasileira, caso aconteça, funcionará como um disparador da discussão na América Latina e servirá de estímulo para que outros países da região criem uma regulamentação e consigam responder às exigências internacionais.

“Atualmente, a regulamentação é exigida por parte dos editores das publicações científicas prestigiadas e por parte dos financiadores das pesquisas”, disse Carbone, que afirma ser a Lei Arouca uma forma de garantir o avanço da ciência latina.

Na mesma mesa, a Juíza Argentina Ainda Kemelmajer defendeu a Lei, mas com a ressalva de que ela seja coloca em prática com responsabilidade, sempre se tendo em mente que o uso de cobaias gera benefícios, mas também dor e sofrimento aos animais. “Não se trata dos direitos dos animais, mas dos deveres dos homens de evitar o sofrimento animal e de conservar a natureza”.

Igualmente ponderada foi Rita Leal Paixão, membro da Comissão de Ética e Bem-estar animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária. Na mesa redonda “Ética na experimentação animal”, ela ressaltou que o debate sobre o uso de cobaias é tão complexo porque, cada parte – pesquisadores e protetores dos animais -, se apóia em um pano de fundo diferente, enquanto o tema exige o abandono das abordagens unidimensionais, para que se possa encontrar pontos de consenso e equilíbrio.

Para Rita Paixão, a Lei Arouca não representa uma forma de legalização da crueldade com animais – algo que sempre foi rechaçado no plano ético – sobretudo porque se apóia em um ponto mínimo de consenso, o princípio dos 3 Rs: Refinment (refinamento), para que o uso de coibais se dê com o mínimo de sofrimento; Reduction (redução), para que se use a quantidade mínima necessária de animais; e Replacement (substituição), para que o método da experimentação animal seja substituído por outro alternativo sempre que possível.

Métodos alternativos

Para Marcel Frajblat, membro da diretoria do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal, a lei funcionará como um mecanismo de proteger os animais, e não de prejudicá-los, já que vai regulamentar o uso de cobaias – atualmente sem cobertura legal – e impor condições a essa prática.

Na mesa realizada no IFCH, os participantes questionaram a idéia de se impor certas condições ao uso de cobaias, já que são os próprios cientistas que decidem quais são essas condições. Para Farage, legalizar a experimentação com animais levará à inércia da prática e impedirá que métodos alternativos sejam desenvolvidos.

Antropocentrismo

Os defensores da experimentação animal ressaltam a importância da prática para a geração do conhecimento científico e para assegurar a saúde humana e dos próprios animais. Para eles, o uso de cobaias em testes é uma forma de se evitar o uso de humanos, algo mais grave.

Segundo o filósofo do IFCH Oswaldo Giacóia, participante da mesa realizada no IFCH, discutir o uso de cobaias a partir da moral e ética tradicionais não seria adequado, já que elas são antropocêntricas, tratando somente das relações entre os homens. Ele diz que o debate deve basear-se em uma moral extra-humana, que veja o homem não como “administrador e guardião da criação divina”, mas como parte da natureza.

Da mesma forma, a antropóloga da USP Maria Lucia Montes, outra componente da mesa do IFCH, chamou atenção para a necessidade de se abandonar a visão antropocêntrica, segundo a qual o homem, por ser racional, tem direito de dominar a natureza. “A questão não é se os animais são racionais ou não, mas se podem ou não sofrer”.

Leia mais: Ética e proteção bioética na experimentação animal->http://www.comciencia.br/comciencia/?section=3¬icia=478

Ética para os animais->http://www.comciencia.br/comciencia/?section=9&reportagem=72

Primatas como modelo experimental para vigilância em saúde, pesquisa e saúde pública->http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=31&id=368

Política nacional de C&T precisa do olhar das ciências sociais

Em palestra realizada durante a 60a Reunião Anual SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em Campinas (SP), o presidente da Finep detalhou o momento de transição que o sistema nacional de ciência e tecnologia vive, destacando suas oportunidades e riscos, especialmente para as ciências sociais.

Em palestra realizada durante a 60a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Luís Manuel Rebelo Fernandes, presidente da Finep, detalhou a fase de transição que o sistema nacional de ciência e tecnologia vive, destacando suas oportunidades e riscos, especialmente para as ciências sociais. Segundo ele, pode-se considerar irrelevante um investimento nas ciências sociais, em que o conhecimento gerado não tem aplicação imediata no mercado. “O desafio é inserir as ciências sociais no conjunto dos temas”, aconselha.

Luis Fernandes, presidente da Finep (foto João Luiz Ribeiro/Finep)

Uma das maneiras de se fazer isso, afirma, seria trazer o olhar da área para o coração da formação da política de C&T, por exemplo, como no caso do projeto dos institutos nacionais de C&T, redes temáticas, sobretudo, na pesquisa básica, lançado pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, no último dia 14. “O nosso sistema de C&T é recente e hoje está em transição, uma vez que o país está relançando um projeto nacional de desenvolvimento”, destacou o cientista político. Para ele, o momento atual é favorável, pois une três dimensões do desenvolvimento: questão nacional, democrática e social.

O êxito deste desafio depende de uma articulação entre sistema nacional de C&T e o novo esforço de desenvolvimento focado na inovação, mas Fernandes ressalta que “estamos diante de um novo padrão de produção de riqueza e produção de valor na economia mundial, e o que se destaca nesse novo padrão é a centralidade da ciência nesse processo”.

Um conjunto de novos marcos legais regulatórios, afirma, estão sendo estruturados para agregar políticas de promoção da integração sistêmica entre C&T e desenvolvimento nacional. Entre os exemplos citados está a aprovação, a partir de 2004, de leis como a de inovação, biossegurança, informática e incentivos fiscais para empresas inovadoras, que alteram significativamente o contexto da pesquisa científica e tecnológica no Brasil.

Todo esse novo cenário traz oportunidades e riscos. Fernandes acredita que a maior oportunidade é a enorme recuperação da capacidade de financiamento na área de C&T no Brasil. O orçamento da Finep, por exemplo, saiu de um patamar de menos de 300 milhões de reais em 1999 e chega, em 2008, aos 2,5 bilhões de reais, um aumento de quase 10 vezes.

Para quem a ciência serve

Como cientista social, Luís Manuel Fernandes ponderou que a política de C&T é uma ação anti-imperialista: combate às formas dominantes hoje de imposição de domínio no mundo que é via conhecimento, via bloqueio de transferência de conhecimento. “Todas as tecnologias de fronteira da sociedade do conhecimento foram desenvolvidas com apoio estatal por departamento de pesquisa e desenvolvimento de grandes empresas multinacionais”, explicou. De acordo com ele, isso leva a uma concentração de capacidade de geração de conhecimento no mundo, que condena os países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a uma posição de subalternidade, sendo provedor de patrimônio genético ou material para ser processado e agregar valor por tecnologias desenvolvidas na fronteira pelas empresas multinacionais de países centrais que o fazem com forte subsídio estatal.

Nesse ponto, entra a política de C&T, que se propõe a combater, a se posicionar contra e romper com o monopólio do conhecimento, promovendo conhecimento dentro do país. “É isso que estamos tentando fazer, trazer o conhecimento para ser gerado aqui, para gerar riqueza, agregar valor, gerar melhores condições de vida para a população brasileira”, ressaltou. “A política de C&T tem claramente a quem servir e a quem não servir. Não pode ser medida pelos seus valores e sim pelos resultados práticos que vemos na sociedade”, conclui.

O desafio do financiamento de museus de ciência

’Verbas para os museus de ciência’ é uma tema que tem envolvido debates sobre o modelo de financiamento a ser seguido. Além do atual aporte proporcionado pelos editais públicos, discute-se a injeção de recursos privados, que para alguns, é uma soluçao a ser seguida com cautela, para nao transformarmos as exposições e os museus em “feiras de marcas comerciais”.

Um dos grandes desafios dos museus de ciência tem sido conseguir verba para as despesas cotidianas. Além do aporte proporcionado pelos financiamentos públicos, que já estao a caminho, a solução apontada é seguir os modelos europeu e norte americano, em que diferente do Brasil, os recursos privados para financiamento de museus não são muito inferiores aos públicos. No entanto, essa é uma opção a ser vista com cautela para que as exposições e os museus não percam seu sentido original e transformem-se em “uma feira de marcas comerciais”.

O quadro atual é de uma crise que os investimentos públicos estão procurando sanar. “Os políticos e empresários gostam de inaugurar coisas. O difícil é conseguir recursos para custeio”, afirma José Ribamar Ferreira, do Museu da Vida da Fiocruz. Marcelo Knobel, ex-diretor do museu da Unicamp, lembra que grandes museus do mundo todo estão passando por crises.

Hoje no Brasil, a criação e expansão de centros e museus de ciência depende, em grande parte, de verbas públicas. As fundações estaduais de amparo à pesquisa figuram entre as principais fontes de financiamento desses espaços de divulgação científica. Algumas delas estão com editais de popularização da ciência abertos. É o caso da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que até o próximo dia 25 recebe projetos que pleiteiem parte do R$ 1,64 milhão destinado ao Programa de Pesquisa em Centros de Ciências do Estado de São Paulo.

Já o edital de Apoio à Difusão e Popularização de Ciência e Tecnologia da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) continua aberto até o dia quatro de agosto e dispõe de R$ 2 milhões. O mesmo montante foi alocado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) para o edital do Programa de Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia – 2008, que já está encerrado e deve apresentar as propostas vencedoras no dia sete de agosto.

Em nível federal, o edital de Apoio à Projetos de Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia, aberto no final de 2007 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), recebeu 1232 propostas, das quais 58 foram contempladas com parte dos R$ 7 milhões destinados. “Praticamente todos os museus de ciência apresentaram algum projeto. O recurso é evidentemente muito pequeno em relação à demanda”, enfatiza Ildeu de Castro Moreira, diretor do departamento de difusão e popularização da ciência do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Desde 2003, o MCT tem assumido compromissos financeiros de curto e médio prazo com museus de ciência brasileiros. Entre 2004 e 2007, o investimento total superou os US$ 22 milhões. Pelo Plano de Ação de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Nacional 2007 – 2010, apresentado no final de 2007, outros R$ 95,2 milhões serão investidos nos próximos anos. Tais recursos são distribuídos não só por meio das fundações de amparo à pesquisa, mas também do CNPq e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Outras possibilidades

Além dessas agências, outros financiadores são apontados como possibilidades importantes. Mário Donizeti Domingos, acredita que as prefeituras vão tomar a dianteira dessas iniciativas. Ele é coordenador do Sabina – Escola Parque do Conhecimento, inaugurado no inicio de 2007 pela Secretaria de Educação e Formação Profissional de Santo André. O museu recebeu, apenas naquele ano, R$ 36 milhões.

Antônio Carlos Pavão, presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC) e diretor do Espaço Ciência, em Pernambuco acrescenta que é importante buscar consórcios não só com o poder municipal, mas também estadual e federal para evitar a descontinuidade dos projetos. Para ele, o Ministério da Educação (MEC) também deveria investir nos museus, dada a importância desses espaços para a melhoria do ensino de ciências.

Para Moreira, outra fonte que precisa ser mais explorada são as emendas parlamentares e de bancadas, como já tem acontecido no caso do Museu de Ciência e Tecnologia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). “Desde a nossa reabertura, em outubro de 2006, temos a parceria constante da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação. Recebemos também o aporte financeiro através de emenda parlamentar de alguns deputados baianos”, lembra Adriana Cunha, diretora do museu.

Investimento privado

No Brasil, os recursos privados para financiamento de museus de ciência são muito inferiores aos públicos. “O ministério está buscando mais recursos e quer que a iniciativa privada também participe, como acontece na Europa e nos Estados Unidos. Os recursos exigidos são altos e o governo sozinho não tem fôlego suficiente”, pontua Moreira. De 1985 a 2006, quando encerrou suas atividades, a Fundação Vitae foi a grande aliada do MCT, tendo injetado quase US$ 18 milhões em museus e centros de ciência. “Com a saída da Vitae, criou-se um vácuo. A demanda é muito grande”, lamenta Pavão.

Marcelo Firer, diretor do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp sinaliza que uma das questões enfrentadas pelos museus é, por um lado, a dificuldade para obter financiamento para a divulgação científica como uma atividade em si, por vezes, desvinculada da pesquisa, e, por outro lado, não ser reconhecida como atividade cultural. Por isso, pouc​_​_os projetos de divulgação das ciências têm conseguido se beneficiar de incentivos fiscais às empresas financiadoras, o que estimularia o investimento privado. “É preciso a inclusão do setor na Lei Rouanet ou a implementação de legislação de incentivo específica, em moldes semelhantes”, salienta Pedro Persechini, presidente do Espaço Ciência Viva. “Um museu de ciências não é uma instituição de produção de conhecimento científico, mas sim uma instituição cultural, no sentido pleno da palavra”, reflete Firer.

Ainda assim, os museus têm apostado em parcerias com as empresas. “Desde 2006, quando criamos uma área voltada para a formatação e captação de recursos, tivemos um crescente aumento no número de patrocinadores privados”, revela Pedro Paulo Soares, coordenador do Museu da Vida da Fiocruz.

“Mas esses são caminhos que precisam ser percorridos com muita cautela”, pondera Roseli de Deus Lopes, diretora da Estação Ciência. “Temos de tomar cuidado para que a nossa exposição não acabe se tornando uma feira de marcas comerciais”, completa Emilio Jeckel Neto, diretor do Museu de Ciências e Tecnologia da PUC do Rio Grande do Sul.