Rodízio de caminhões não trará melhorias à qualidade do ar

Para a pesquisadora da USP, mesmo que ocorra mudança no perfil de emissão de poluentes com o início do rodízio de caminhões, a qualidade do ar tende a permanecer a mesma, já que os veículos pesados continuarão circulando. O que mudará é apenas o horário em que os poluentes são emitidos.

Na semana em que o rodizio de caminhoes na cidade de Sao Paulo completa um mes, surgem os primeiros balanços deste procedimento. Se por um lado, concorda-se com a diminuição do transito na cidade, por outro, nota-se que a qualidade do ar não é alterada. “Não acredito que o rodízio de caminhões trará melhorias em termos da qualidade do ar, pois mesmo havendo mudança do perfil de emissão isso não significa necessariamente melhora da qualidade do ar, já que os veículos pesados não deixam de circular, somente circulam em horário diferente”. Em suma, a opiniao da pesquisadora em meteorologia da Universidade de São Paulo (USP), Leila Droprinchinski Martins, é de que a qualidade do ar na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) permanecerá a mesma após o início do rodízio de caminhões (veja box abaixo).

Em sua avaliação, Leila utiliza os dados sobre concentrações dos poluentes monitorados pela rede automática da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) na RMSP. Inicialmente ela selecionou as concentrações dos poluentes monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e ozônio (O3) para locais com diferentes características, levando em conta a proximidade com o veículo emissor e a localização geográfica dentro da RMSP em dois períodos: de 21/07 a 25/07 (período sem rodízio de caminhões) e de 28/07 a 01/08 (período com rodízio de caminhões). A partir destes dados ela está fazendo gráficos das concentrações dos poluentes em diferentes horários, para avaliar se houve alteração no perfil desses poluentes e na intensidade das concentrações.

Leila explica que essa é ainda uma análise preliminar que faz parte do seu projeto de pós doutoramento, e que fatores como as condições meteorológicas também trazem diferenças nos perfis da emissão de poluentes. Por isso o próximo passo será recorrer a modelos matemáticos que simulem as condições de um dado período para depois ser testado em diferentes situações, o que trará alguns resultados dentro de 1 ou 2 meses, afirma a pesquisadora.

De acordo com a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), ainda não é possível avaliar se houve alteração na qualidade do ar com o início do rodízio de caminhões. A primeira dificuldade é a seleção de um local onde seja possível fazer a medição do monóxido de carbono, isto é, da fumaça emitida pelos caminhões, a outra, é conseguir agregar fatores como as condições meteorológicas. A Cetesb informou ainda que, como o início do rodízio coincidiu com o início das chuvas, o excesso de poluição, resultante do período de seca, foi dispersado e a qualidade do ar melhorou muito. A previsão é de que em seu próximo relatório anual, a ser divulgado entre janeiro e fevereiro de 2009, as modificações resultantes do início do rodízio sejam levadas em conta.

Em sua pesquisa de doutoramento, também pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, Leila notou que as substâncias emitidas pelos veículos são as maiores responsáveis pelo excesso de ozônio registrado na RMSP, e que a gasolina utilizada no Brasil é mais nociva que as gasolinas limpas e o etanol. Em primeiro lugar, ela identificou e quantificou as espécies químicas emitidas por veículos em dois túneis da cidade de São Paulo e, em seguida, utilizou um modelo matemático de qualidade do ar que simula as reações químicas e o transporte.

Ainda como parte do doutoramento, Leila testou 5 cenários de emissão de diferentes gasolinas, tendo por base a composição química das diversas gasolinas utilizadas em outros lugares do mundo. “Foi suposto que toda a frota de veículos leves da RMSP utilizasse a gasolina da Califórnia nos Estados Unidos; como resultado, teríamos uma redução média de 43% das concentrações de ozônio”, explica ela. Posteriormente, ao propor um modelo onde toda a frota de veículos leves da RMSP deixaria de usar a gasolina e utilizaria apenas o etanol hidratado, ela encontrou a mesma redução de 43% das concentrações de ozônio.

Trânsito

Notícias divulgadas no site [link http://www.cetsp.com.br/] da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) avaliam que os índices de lentidão e congestionamento nos primeiros dias do rodízio sofreram redução quando comparados aos índices do ano passado para esses mesmos dias, locais e horários.

Box

A partir de 28 de julho teve início o sistema de rodízio para caminhões nas vias que delimitam o centro expandido de São Paulo – ver mapa. A partir desse dia os caminhões passaram a ter que respeitar o mesmo sistema implantado há dez anos para os automóveis também nessas vias, conciliando o dia da semana com o final da placa. Ver decreto de lei nº49.487 de 2008. link: (http://cetsp1.cetsp.com.br/pdfs/carga/Decreto4948708.pdf) Mapa (http://cetsp1.cetsp.com.br/pdfs/carga/mapaZMRC.pdf)

Público de museu deve ser tocado pela mesma emoção que move cientista

Em visita ao Brasil, o diretor do Museu de Ciências de Barcelona, Jorge Wagensberg falou sobre os aspectos que contribuem para que o público de sua instituição saltasse para 2 milhões anulamente.

Com colaboração de Márcio Derbli

Quem trabalha com museus de ciência sabe que o setor ainda está longe de viver uma situação ideal. Faltam visitantes, os recursos para montar e manter boas exposições são escassos, o conteúdo das mostras muitas vezes não passa de uma reprodução de livros didáticos. Entretanto, algumas exceções mostram que alterar essa realidade é possível. Uma delas é o Museu da Ciência de Barcelona dirigido por Jorge Wagensberg. De férias no Brasil e em visita ao Museu Exploratório de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Wagensberg falou nesta semana sobre algumas das ações responsáveis pelo salto de 700 mil visitantes, em 2004, para os 2 milhões esperados neste ano.

O diretor afirma que a própria maneira como o projeto arquitetônico de um museu é desenvolvido pode influenciar no seu sucesso posterior. Museólogo e arquiteto precisam dialogar na tentativa de casar forma e conteúdo. “O que acontecesse muito é chamarem um arquiteto famoso que constrói um edifício autoral e estiloso, mas no qual não se consegue colocar lá dentro nada que fique bom”, afirma o também consultor de museus de ciência no Brasil.

Museu da Ciência de Barcelona: arquitetura modernista e 2 milhões de visitantes por ano. Crédito – Olga Planas

Pensando nisso, o Museu de Barcelona foi projetado com uma série de características que o diferem de seus concorrentes. Em primeiro lugar, uma ampla praça foi construída sob o museu subterrâneo de modo a permitir que visitantes e estudantes de universidades que a rodeiam utilizem o espaço. Somado a isso, o uso de vidro no topo do museu e, consequentemente, no piso da praça possibilita que as pessoas na praça consigam enxergar o conteúdo exposto no interior do edifício. Wagensberg comenta que “quando um menino passa em frente ao museu e vê o brilho no olho de outro que está em contato com os conteúdos científicos, ele também quer fazer parte daquilo”.

A entrada do museu, segundo o físico e museólogo espanhol, também merece cuidados especiais. No caso do Museu de Barcelona, o visitante chega às mostras por meio de uma longa rampa em espiral, que circunda uma árvore amazônica (Acariquara) de 30 metros de altura. Essa rampa foi projetada com uma função psicológica específica. Wagensberg conta que, como o público do museu é composto principalmente por alunos do ensino básico, a rampa ajuda a dissipar a empolgação inicial dos estudantes. Até chegarem aos locais de exposição, os visitantes já estão mais calmos e, com isso, focam melhor a atenção ao conteúdo exposto.

Árvore amazônica decora rampa de acesso às salas de exposições. Crédito – Olga Planas

O diretor do museu catalão acredita que o mais importante para um museu de ciência não é trazer visitantes, mas sim fazer com que este visitante deseje voltar. Para isso, Wagensberg aposta na emoção ao invés de tentar fazer com que as pessoas compreendam a ciência ali exposta. “O importante é que o visitante saia com mais questionamentos do que quando entrou. O que faz o valor de um museu, mais do que o número de visitantes, é a quantidade de conversa que ele provoca em quem o visita”, afirma.

Com este modelo, Wagensberg critica algumas exposições de ciência que, na sua visão, simplesmente colam livros de ciência na parede. Ele explica que a língua do museu não é a escrita nem a fala, mas sim, pedaços de realidade. Se o assunto de uma exposição é um peixe, o melhor a fazer não é mostrar um texto ou uma fotografia do animal, mas sim o próprio peixe em um habitat próximo do seu natural, ou algo que se aproxime à situação real.

Outro importante elemento, diz o museólogo, é que um pouco de criatividade, não apenas objetos, contribui para reproduzir fenômenos científicos através de metáforas. Em Barcelona, com luzes e materiais apropriados, eles conseguiram montar um experimento que mostrasse ao público visitante algo abstrato como a ação da terceira lei de Newton (lei da ação e reação).

Entre os museólogos, muito se discute sobre qual ciência é mais interessante de ser divulgada nos museus e qual a imagem da ciência que deve ser divulgar para o público. Wagensberg opta sempre por transmitir a ciência que chama de “verdadeira”, aquela que emociona o próprio cientista. “Ao expor um fóssil de dinossauro perguntamos a um paleontólogo o que de mais importante existe naquela peça. Se ele disser que é a bacia daquele animal que é completamente diferente do que se conhecia até então, será isso que daremos destaque na mostra”.

Imprimindo órgãos, tecidos e ossos

O primeiro encontro da Rede Iberoamericana de Biofabricação reuniu em Campinas pesquisadores de diversos centros de pesquisa de sete países para discutir e agregar idéias sobre engenharia de tecidos e medicina regenerativa.

O tema parece de ficção científica: aconteceu durante os dias 30 e 31 de julho e 1 de agosto o primeiro encontro da Rede Iberoamericana de Biofabricação (Rede Biofab). A biofabricação, ou engenharia de tecidos, é um campo de pesquisa novo, voltado para área de medicina regenerativa, que visa criar materiais substitutivos biológicos – como tecidos, órgãos e ossos – para serem usados em procedimentos médicos, tornando possível a substituição de tecidos defeituosos ou faltantes. No evento, realizado no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), foram apresentados estudos sobre culturas de células in vitro, materiais biocompatíveis e biodegradáveis, como cerâmica, polímeros e metais, bem como softwares para reconstrução e manipulação de imagens médicas e prototipagem rápida, ou impressão tridimensional, aplicada na medicina.

Caracterizando-se por sua multidisciplinaridade, a biofabricação é sustentada por três pilares: a cultura de células, a engenharia de materiais e a prototipagem rápida para medicina. A primeira, dentro das ciências biológicas, pesquisa métodos de reprodução de células fora de seres vivos (in vitro). Já a segunda, no caso da biofabricação, estuda e elege materiais biocompatíveis, que não oferecem risco à saúde do homem, e podem ser biodegradáveis, ou seja, que gradativamente são absorvidos pelo corpo. Por fim, a prototipagem rápida para medicina, que no seu ciclo completo, atua com softwares que convertem imagens de exames clínicos, como ressonância magnética e tomografias, em modelos virtuais 3D. Esses modelos podem ser impressos em máquinas de prototipagem rápida, que depositam milhares de camadas sucessivas em vários tipos de materiais de polímeros e formam um modelo real a partir do virtual.

 

Jorge Vicente da Silva, pesquisador do CTI Renato Archer e coordenador da primeira reunião da Rede Biofab no Brasil, afirma que apesar da biofabricação ainda estar engatinhando, é plausível imaginar um desenvolvimento rápido para essa área. “Tem grupos que conhecem o comportamento da célula e sabem quais as condições necessárias para que elas se reproduzam; existem outros que pesquisam dentre milhares de materiais cerâmicos e polímeros, quais aqueles que são biocompatíveis. E para dar forma a tudo isto, aqui no CTI nós temos a prototipagem rápida aplicada na medicina e o software InVesalius, que constrói modelos virtuais e os produz. É possível pensar em juntar tudo isto, certo?”, indaga.

Financiada pelo Programa Iberoamericano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (Cyted, na sigla em espanhol), a Rede Biofab surgiu no final de 2007, fruto de um projeto idealizado por Paulo Bartolo, do CDRsp de Portugal. O objetivo desta primeira reunião foi o de equalizar os conhecimentos dos grupos de pesquisa dos 7 países da rede (Brasil, Argentina, Portugal, Espanha, México, Cuba e Venezuela), colocando todos eles a par dos resultados obtidos por cada um. Silva conta que este primeiro encontro foi bastante importante para que cada um dos membros da rede conhecesse detalhes das atividades realizadas pelos outros. As palestras abrageram estudos de materiais, cultura de células e prototipagem rápida das diversas instituições da rede.

Um dos temas do encontro foram os scaffolds, que o idealizador da rede, Paulo Bartolo, define como um suporte estrutural para acomodar e estimular o crescimento de um novo tecido. Essa técnica é a vanguarda da tecnologia da biofabricação. Essas estruturas funcionam como moldes, sobre os quais as células se reproduzem e formam tecidos. Os scaffolds podem ser de diversos materiais, como cerâmicas, polímeros, metais, papéis e géis. O importante é que eles atendam a uma série de requisitos biológicos, como a biocompatibilidade, biodegradabilidade e a capacidade de transportar sinalizadores biomoleculares. Além disso, existem outros requisitos, como a resistência mecânica, que para um tecido duro deve ser alta e para um tecido mole deve ser elástica.

Jorge Silva exemplifica os porquês destas características. “Imagine que estivéssemos projetando um órgão, por exemplo, um fígado, ou um osso. Precisamos projetá-lo no computador e imprimir o modelo com a ajuda da prototipagem rápida. O scaffold é um molde, ou material de suporte sobre qual as células devem se reproduzir, por isto ele tem uma série de requisitos. Sobre ele, as células irão ser depositadas, se reproduzir até ocupar toda a estrutura. Mas esta estrutura tem que ser biodegradável, ou seja, ela deve desaparecer para que este fígado, ou osso, exerça sua função. A imagem que usamos é a de uma impressora: para imprimir um órgão, precisamos de uma ’bioimpressora’, que utiliza uma ’biotinta’, as células vivas, num ’biopapel’, os scaffolds”, explica.

A tecnologia ainda não atingiu esse estágio imaginado pelos pesquisadores da área. Atualmente, é possível cultivar células in vitro e até mesmo in vivo em materiais que atendem aos requisitos acima. Mas, ainda não se consegue moldar um tecido complexo ou a função como a que um órgão possui. Entretanto, Silva se diz satisfeito com os resultados do encontro. “Este é apenas o início. É extremamente positivo promover o encontro e compartilhamento de pesquisas entre essas diferentes áreas do conhecimento. Só assim a biofabricação avançará e quem sabe se tornará realidade”, sentencia.

Planos futuros da rede

Durante o evento, foram discutidos os próximos passos da Rede Biofab. A segunda reunião será em novembro, em Portugal. Até lá, cada membro da rede irá se organizar para escrever papers relatando as suas pesquisas. A idéia é organizar o material em três livros: um na área de biomateriais, outro em biofabricação e prototipagem rápida para medicina e outro na área de cultura de células. A idéia do livro, que será publicado no início de 2009, é articular as pesquisas da rede. O grupo também tem planos para lançar uma revista eletrônica e pensa em criar um mestrado iberoamericano em biofabricação.