A natureza ex-posta: imagens que duram

Na semana passada, dia 05 dezembro, os projetos das exposições Dispersos fragmentos e Gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli – atravessadas pelos desejos de expor natureza e ciências escapando ao estilo de pensamento da representação – foram apresentados e discutidos por professores, alunos, artistas e pesquisadores no Seminário MULTIPLICimagens.

Na semana passada, dia 05 dezembro, os projetos das exposições Dispersos fragmentos e Gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli – atravessadas pelos desejos de expor natureza e ciências escapando ao estilo de pensamento da representação – foram apresentados e discutidos por professores, alunos, artistas e pesquisadores no Seminário MULTIPLICimagens. Um encontro que pretendeu “criar possibilidades de pensar a natureza e sentidos de vida em explorações artísticas distintas, com vistas a organizar outra exposição dentro da escola”, comenta Antonio Carlos Rodrigues de Amorim da Faculdade de Educação da Unicamp.


Transparência e iluminação nas imagens-natureza da exposição Dispersos fragmentos
Fotos: Alik Wunder

A proposta, que faz parte do projeto “Educação, Ciências e Cultura: territórios em fronteiras”, coordenado por Amorim, lotou a sala do Centro Estadual de Educação Supletiva Paulo Decourt, na Unicamp, onde aconteceu em novembro de 2007 a exposição Dispersos fragmentos: imagens de biodiversidade do programa Biota-Fapesp. Desenvolvido junto ao Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Biota/Fapesp), o projeto aposta em interrogar as narrativas que o Programa e os museus científicos têm criado a partir dos estudos de filósofos e pesquisadores considerados pós-estruturalistas. A montagem da exposição envolveu alunos da disciplina “Tópicos especiais em educação”, pós-graduandos da FE, professores do supletivo e um artista plástico. Para Amorim, priorizar ações dentro das escolas, “permite que a escola tenha dentro dela algo que não seja tão escolar, que não exige explicação”.


Natureza de gabinete
Foto: Alik Wunder

Medida de proteção

A intensa aposta do Biota/Fapesp de preservação e conservação ambiental relacionadas aos atos de fragmentar, quantificar e medir a totalidade da biodiversidade do estado de São Paulo movimentou a criação da Dispersos fragmentos. Imagens de espécimes que compõem parte do inventário do Biota apresentavam-se imersas em líquidos coloridos nas vidrarias de laboratório dispostas na bancada. Os visitantes tinham acesso a uma natureza “sob medida”. Diversos instrumentos usados para cálculos de peso, volume, tamanho estavam disponíveis junto a espécimes de plantas secas e imagens. A forte luz, que vinha dos armários metálicos da escola, convidavam a abertura de pequenos gabinetes, numa composição feita com animais empalhados e espelhos e objetos diversos.


No convite da exposição projetado os discursos de educação ambiental que passam pela quantidade
Foto: Susana Dias

“Para montar a exposição a equipe percorreu as imagens produzidas pelo Biota, mas também analisou imagens de divulgação da revista Pesquisa Fapesp e fez discussões sobre museus de ciência”, conta a professora de ciências e biologia do supletivo Tereza Pessoa. Parte da pesquisa desenvolvida pela pós-graduanda da Educação da Unicamp, Érica Speglich, que quer entender os modos como natureza e as ciências biológicas e a história natural são inventadas nos vídeos de divulgação do Biota e nas obras do artista plástico Alberto Baraya, também serviu de inspiração ao grupo.

Livro e natureza que duram

Como contribuição para o pensar a nova exposição que será montada, também no colégio supletivo da Unicamp, Amorim trouxe para o Seminário MULTIPLICIimagens Anna Dantes, curadora do projeto expositivo do naturalista Vandelli. Com o nome O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli a exposição permaneceu no Museu do Meio Ambiente, Jardim Botânico do Rio de Janeiro, até outubro de 2008 e há perspectivas de viajar por outros estados do norte, nordeste e sudeste do país em 2009. Anna Dantes ficou surpresa com as aproximações entre a exposição que organizou a Dispersos fragmentos. Sua aposta, e dos artistas convidados, entre eles Luiz Zerbini, foi explorar o gabinete como caverna, como “lugar de representação” e, ao mesmo tempo, apresentar a crise da representação.


Anna Dantes e Luis Zerbini na instalação com plantas de plástico pintadas, ossos e pincéis dentro de tubos de ensaio.
Foto: divulgação

O naturalista italiano, radicado em Portugal, nunca esteve ao Brasil, mas conheceu a natureza e a sociedade através de textos, ilustrações, sementes, plantas e animais levadas pelos viajantes. Os atos de observar, refletir, nomear e inventar memórias-imagens, intensamente presentes no trabalho dos naturalistas, inspiraram a criação de ambientes na exposição que em que o livro foi eleito como um objeto potente. Uma idéia de que o livro não é apenas para ser lido, mas sentido. Para Anna Dantes, “o livro tem a potencialidade de atravessar o tempo, assim como a natureza”.


Imensos painéis numa potente encenação do livro e da natureza
Foto: divulgação

Alda Romaguera também apresentou sua pesquisa de doutorado, em andamento na FE Unicamp, que explora as obras do artista Eduardo Kac, na última parte do Seminário MULTIPLICimagens. Com os quadros-vivos de Kac – os biótopos da obra “Espécime de segredo sobre descobertas maravilhosas” – a pesquisadora conversou com o público sobre a criação, vida e tecnociência na contemporaneidade.


Público assiste à apresentação
Foto: Susana Dias

As diferentes experiências apresentadas visavam criar uma brecha para se pensar o que acontece com a natureza quando ela se torna objeto de exposição e proporcionar possibilidades de criação de uma nova exposição dentro do colégio supletivo, com a participação de mais professores e alunos, inclusive.


Realização: Projeto de Pesquisa “Educação, ciências e culturas: territórios em fronteiras no programa Biota-Fapesp” (Proc. FAPESP 2006/ 00752-9) e o grupo de estudos Humor Aquoso. Coordenação geral: Antonio Carlos Rodrigues de Amorim

Webcurrículo: internet e educação integradas

Já se passou mais de uma década depois do início da popularização da internet no Brasil e quase dois anos após as primeiras discussões sobre o projeto Um Computador por Aluno (UCA), que deveria disponibilizar laptops de baixo custo para os estudantes da rede pública brasileira. Mas as escolas continuam distantes de absorver as novas tecnologias. Para minimizar esse problema, especialistas ligados ao programa de pós-graduação em educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) colocam no centro do debate a importância de se aumentar a integração entre a internet e todo o fazer pedagógico, método conhecido como webcurrículo. “Ainda existe um deslocamento espacial até o laboratório de computação, que enfatiza a distância entre sala de aula e uso das novas tecnologias”, lamenta Maria Elizabeth Bianconcini, professora e pesquisadora da PUC.

Crédito: Enio Rodrigo
A pesquisadora enxerga uma falta generalizada de cultura digital dos professores envolvidos com projetos ligados ao uso do computador nas escolas e isso se mostra um grande empecilho ao uso efetivo das tecnologias como facilitadoras do aprendizado. Segundo ela, esse tipo de atitude acaba trazendo apenas resultados pontuais, mas não necessariamente efetivos e de longa duração. “É necessário integrar essas duas coisas, fazer com que ambas se transformem mutuamente numa perspectiva de integração que mude as práticas pedagógicas e a forma com que se usa a internet e as tecnologias de comunicação”, defende.
Essa discussão não é nova. Há pelo menos 18 anos a Escola do Futuro na Universidade de São Paulo (USP) desenvolve pesquisas colocando a educação em uma perspectiva integrada com novas tecnologias. Mas a idéia da total integração de internet e aprendizado é mais recente, segundo José Manuel Moran, professor da USP. “A escola ganharia com a flexibilização, pois os alunos atualmente se sentem perdidos em um ambiente arbitrário, moroso e castrador totalmente diferente da realidade fluida que corre fora dos muros da escola”, afirma. As atuais dificuldades e situações que causam violência contra professores, lembra o professor, evidenciam o choque de gerações dentro da sala de aula, fruto de uma escola obsoleta. O cenário atual é ainda composto pela falta de preparo dos professores, má remuneração dos profissionais e convivência em uma estrutura engessada e que não tem interesse em assimilar novidades, em contraposição ao que deveria ser um espaço vivo de aprendizagem. “O próprio vocabulário que descreve o funcionamento da escola como ‘grade’ curricular, ‘controle’ de presença ou ‘planos’ de aula já nos dá uma idéia do quanto esse espaço é refratário a novas atitudes”, acrescenta João Vilhete d’Abreu, coordenador do Núcleo de Informática Aplicada a Educação (Nied) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para Vilhete d’Abreu, não há como pensar em uma vivência sem internet fora da escola como se pensa o aprendizado sem a internet. “É um contra-senso sem tamanho”, diz. Segundo ele, o mercado já se apoderou dessas ferramentas e a morosidade do Estado em implantar políticas públicas que vislumbrem essa evolução tecnológica se refletirá em um futuro muito breve, principalmente nas classes mais baixas. “É claro que temos que lembrar que o poder público não lida muito bem com o ‘problema’ das pessoas terem mais acesso a meios de comunicação em escala global em um ambiente que é taxado de anárquico”, reflete o pesquisador, que aponta a ênfase dos críticos na palavra anarquia resultando em um excesso de zelo e de regulamentações, fruto de um Estado centralizador e controlador. Há pouco mais de um mês foi aprovada uma lei estadual que permite que até 20% das aulas no ensino médio podem ser à distância. “A posição da rede pública de ensino foi, imediatamente, contrária à lei. Há uma desconfiança de que o ensino online será pior, mas isso é preconceito”, acredita. O que precisa ser lembrado, diz Moran, é que os alunos têm que aprender a aprender, ou seja, o professor não deixa de ser o único vetor do conhecimento para ser um facilitador na construção de uma atitude pró-ativa na busca por respostas.

Experiências Maria Elizabeth exemplifica como a integração da internet com o dia-a-dia da sala de aula pode modificar positivamente os ambientes. Ela cita o exemplo de uma escola da rede pública em Palmas (TO) onde o uso do computador durante os 45 minutos de aula não condiziam com o tempo ideal para a realização das atividades propostas. A idéia foi aumentar a atividade para duas horas e, com isso, foi necessário repensar e modificar significativamente todo o planejamento de aula. Além dos laboratórios de computação houve modificou-se os espaços da escola, incluindo a biblioteca, de uma forma a ocupar, de uma forma mais fluida, os tempos de aprendizado. Os pesquisadores vêem o projeto Um Computador por Aluno do governo federal como sendo de vanguarda mundial e acreditam que o momento de sua implantação exigirá mudanças significativas no modo de pensar a educação, para o qual todos deverão estar preparados. “Projetos não faltam, mas a efetivação é falha por falta investimento para a infra-estrutura”, avalia Moran.

I Seminário WebCurrículo, evento promovido pela PUC-SP e organizado por Maria Elizabeth, realizado em setembro último, aproximou especialistas e pesquisadores da área de educação aos profissionais da área de tecnologia para responder a questões sobre como desenvolver um currículo escolar que se integre às ferramentas disponíveis na internet. Participaram do evento, ainda, fabricantes de computadores, escolas (a maioria particulares) com projetos implantados ou em fase de implantação e empresas que já estão desenvolvendo soluções nessa área.

Biblioteca pública ganha núcleo temático de ciência

A biblioteca Mário Schenbert se torna a primeira biblioteca pública da rede municipal no Brasil a assumir uma vocação na divulgação da ciência. A partir da idéia de aproximação dos espaços das bibliotecas públicas com a população do entorno urbano em que elas estão, foi desenvolvido o projeto de Núcleos Temáticos, que desde o começo do ano passado vem tomando corpo na cidade de São Paulo. O projeto prevê, além do aumento das obras referenciais no tema escolhido, a utilização do espaço das bibliotecas (incluindo sala multimídia, anfiteatros e outros espaços potenciais) para realizar eventos diversos. Originalmente idealizado pela Secretaria Municipal de Cultura, o projeto chegou à Lapa, onde o Sistema Municipal de Bibliotecas (SMB) da cidade de São Paulo inaugurou, no dia 9 de novembro, o núcleo temático da Biblioteca Temática de Ciências Mário Schenberg. Além do acervo temático, o hall principal ganhou uma exposição temporária e uma programação de eventos continuados, aproveitando o espaço do auditório, que também deverá abrigar peças teatrais. Essa é a sexta biblioteca, de um total de 52 unidades administrada pelo sistema municipal, que ganha um núcleo temático, cujas temáticas variam de poesia a ficção fantástica.

Hall de entrada é um convite ao espaço dedicado à ciência.
Foto: Divulgação

 

Mas as bibliotecas temáticas não perdem seu acervo, ao contrário, soma-se a ele um acervo temático, explica Marlon Florician, coordenador geral de programação dos núcleos temáticos do sistema municipal de bibliotecas. “Como são bibliotecas de bairro, a idéia é dar continuidade à vocação projetada pela comunidade que frequenta o espaço. No caso da Lapa, a proximidade com a Estação Ciência [museu de ciências] deu o tom”, continua. Marlon lembra que a Estação não tinha um acervo e o apoio institucional dos pesquisadores para a biblioteca é construtivo para ambos, pois os prédios são bastante próximos.

Olga Sato, que participa do grupo de três curadores contratados para o projeto e que são responsáveis pela escolha do acervo científico, além de serem responsáveis pela exposição no hall de entrada na biblioteca, explica que a idéia é transformar o espaço de entrada em um convite para um ambiente que instigue a curiosidade e a exploração. “Tentamos dar uma pincelada sobre vários temas, de física e música, passando por aquecimento global e também montamos um painel que dá aos visitantes noções de micro e macro”, diz a pesquisadora que é física formada pela Universidade de São Paulo e doutora em oceanografia pela Universidade de Rhode Island (EUA). Trabalham na equipe também Mariana Frederick, responsável pela área de ciências biológicas e de saúde, e Armando Oliveira, responsável pela curadoria na área de física. “A intenção”, afirma Sato, “é também formatar um espaço onde possamos incentivar para a ciência e talvez inspirar os usuários para carreiras de pesquisa, quem sabe até futuros cientistas”.

Patrono da biblioteca, Mário Schenberg foi cientista de destaque e crítico de arte, merecendo lugar de honra no espaço inaugurado.
Foto: Enio Rodrigo

 

site da biblioteca também foi pensado para facilitar a busca de obras no acervo além de ser um portal com diversos recursos multimídia. É possível ter acesso a textos atualizados sobre ciência e biografias de grandes cientistas. “Agora vamos nos concentrar em consolidar uma agenda de palestras e eventos, e trabalhar em idéias de divulgação da cultura científica em cooperação com museus de ciência, por exemplo”, finaliza a curadora.