Percepção ambiental é povoada de imagens-clichê

Os slides shows e vídeos caseiros invadiram escolas e universidades. Mais do que mostrar que qualquer um é capaz de tais composições, o uso disseminado dessas tecnologias dá a ver o tipo de contato com as imagens de natureza de professores e alunos.

Os slides shows e vídeos caseiros invadiram escolas e universidades. Programas de uso simples viabilizam criações com imagens fotográficas, sons e vídeos que antes eram impossíveis para quem não sabia manusear a complexa aparelhagem de uma ilha de edição. Mais do que mostrar que qualquer um é capaz de tais composições, o uso disseminado dessas tecnologias dá a ver o tipo de contato com as imagens que alunos e professores têm, em especial, quando o assunto é natureza: passarinhos dando comida para os filhotes, flores que se abrem em bebês, latas jogadas em meio às matas e rios, crianças abraçadas às árvores, animais dormindo no lixo, cenas com fundos verdes etc.

Imagem-clichê mas que apresenta múltiplos sentidos criados pela biologia e produções artísticas

 

Esse tipo de imagens está espalhada por propagandas, novelas e noticiários e resulta de escolhas que querem conduzir e capturar o expectador. Esta é uma das conclusões da professora Lucia Estevinho Guido, da Universidade Federal de Uberlândia, que em seu doutorado trabalhou com as imagens do Repórter Eco da TV Cultura e percebeu como em 15 anos de programa os planos, enquadramentos e narrativas se repetiam: closes, fundos de cena verdes e até mesmo a frase de abertura e fechamento do programa: “Repórter Eco, imagem e ação em defesa do meio ambiente começa agora”.

A padronização no contato com as imagens, o que ensinam esses tipos de composições, e os efeitos de poder e controle que esses discursos imagéticos organizam e desorganizam chamaram a atenção de Antonio Carlos Rodrigues de Amorim, professor da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Em suas aulas com estudantes da graduação que desenvolviam trabalhos audiovisuais percebeu que “os alunos não conseguiam ver as imagens fora de determinados sentidos. Não havia um trabalho de detalhamento da imagem, de explorar as potencialidades e limitações das imagens. Não parecia ser na imagem, ou na tensão com as imagens, que os sentidos poderiam proliferar. Estamos aprendendo a encher as imagens com as coisas do mundo sem pensar a própria imagem repletas de clichês”. Reconhecer as potencialidades do clichê como um limite intenso do sentido, cujo excesso é plano de forças para o vazio, é a argumentação principal do pesquisador na análise das imagens.

Experimentações criativas

 

Como parte do projeto de pesquisa que coordena – “Educação, Ciências e Cultura: territórios em fronteiras”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – e afim de criar um espaço que proporcionasse o questionamento e a experimentação com as imagens, Amorim propôs à professora de biologia e educação ambiental Ionara Urrutia Moura, do Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), um curso de elaboração de vídeos que trabalhasse com imagens e percepção ambiental numa aposta em “esvaziar as imagens dos clichês”, diz Amorim. O trabalho resultou na criação de vídeos (assista aqui) sobre a escola feitos pela professora e pelos estudantes Maria do Carmo B. Barros, Ricardo de U. Moura, Barbara M. Teixeira, Clóvis M. Neves e Danilo de O. Pessoa. Nos vídeos a fotografia e a imagem do cinema foram trabalhadas nas suas potências de imagem (seja congelada ou editada).

 

A apresentação do vídeos produzidos pelos alunos durante o Seminário MULTIPLICImagens, realizado em dezembro do ano passado, gerou uma movimentada conversa sobre os clichês que povoam as imagens voltadas à sensibilização ambiental. “De forma muito massificada nós estamos tomando contato com os mesmos tipos de imagens, apresentadas no mesmo formato e, ao trabalharmos com imagens, repetimos esses formatos e pensamos que é a forma única”, observou Ionara Moura, que relatou entusiasmada como o curso abriu brechas para a criação e o pensamento com imagens na escola.

Alik Wunder, fotógrafa que participou do curso e pós-doutoranda da FE-Unicamp conta que o curso durou 20h e foi organizado em cinco encontros de sábado: “nos dois primeiros foram trabalhadas reflexões sobre o olhar pelas imagens, técnicas básicas de composição, luz e sombra, enquadramento etc, no intuito de criar imagens que chamamos de inusitadas do ambiente escolar e entorno”. Também participaram do curso, na área de captação de imagens e edição em vídeo, Coraci Ruiz e Hidalgo Romero do Laboratório Cisco.

Chamou a atenção de Leandro Belinaso Guimarães, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, e um dos convidados para o Seminário, a escolha dos alunos por apresentar nos vídeos os detalhes da arquitetura da escola, “pequenos fragmentos que trazem uma pergunta sobre o lugar onde se transita, onde se está, por onde se passa muitas vezes”. Já Anna Paula Martins, da Editora Dantes e coordenadora do projeto e exposição Gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli, surpreendeu-se com a produção feita a partir de uma mesma “cesta de imagens” – um conjunto de fotografias e filmagens foi usado de diversas formas para compor vídeos diferentes – e com o uso dos programas simples de edição disponíveis nos computadores atualmente e com a escolha da escola como espaço para produção de vídeos que visam uma sensibilização para a questão ambiental. Num momento em que há uma disseminação de sentimentos de culpa e medo ligados à relação humanos-natureza e em que grandes empresas criam imagens corporativas ligadas à preservação “talvez a sensibilidade também precise de um vazio”, diz Anna.

Clichês e narrativas modernas

Entre as imagens que Amorim analisou em sua pesquisa junto ao Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (Biota) estão as imagens de copas de árvores: imagens em que as copas retilíneas deixam passar luz e que os cientistas usam para calcular a quantidade de biomassa a partir da quantidade de luz que entra nos substratos. Essas imagens são bastante utilizadas na divulgação do projeto e também em produções fílmicas para indicar a passagem do tempo. Nos filmes experimentais mais antigos explorados por Amorim alguns cineastas, com a intenção de experimentar uma imagem, filmavam uma copa de árvore, mais ou menos embaçada, fazendo com que a luz explodisse a nitidez da imagem. “Nessas imagens eles buscavam os sentimentos humanos, essas imagens eram uma expressão de sensações. É uma imagem clichê, mas que também tem esses vários outros sentidos possíveis, que podem ser explorados”.

Para o pesquisador da FE-Unicamp é instigante pensar em como certas imagens despertam sensações que são politicamente interessantes para o que se quer, como, por exemplo, proteger a natureza. O descolamento de natureza e cultura não é lago dado, mas uma invenção dos discursos “que estão muito mais interessados na busca de uma essência humana do que na fragmentação entre o biológico e o cultural, que não permitiria o homem, o sujeito, ele mesmo, ser encontrado”. A persistência do discurso da separação entre natureza-cultura mobiliza propostas das ciências e da educação em ciências de superação desta fragmentação, resgate da essência humana.

Seminário MULTPLICimagens

Realização: Projeto de Pesquisa “Educação, Ciências e Cultura: territórios em fronteiras no Programa Biota-Fapesp (Proc.2006/00752-9)”, desenvolvido desde 2006 junto ao Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Biota/Fapesp) e o Grupo de Estudos Humor Aquoso, Laboratório de Estudos Audiovisuais (OLHO) da Faculdade de Educação/Unicamp. Coordenação geral: Antonio Carlos Rodrigues de Amorim.

Leia mais: A natureza ex-posta: imagens que duram

Jogos de poder na vida conjugal dificultam prevenção de Aids

O incentivo ao diálogo entre casais é a nova arma do Programa Nacional de DST/Aids na prevenção da infecção de mulheres. Tal iniciativa vai ao encontro de trabalhos que apontam as relações de poder entre homens e mulheres como barreira no uso do preservativo.

A campanha de prevenção à Aids do carnaval deste ano, com lançamento previsto para dia 13, terá como foco a população feminina com mais de cinqüenta anos. Segundo o site do Programa Nacional de DST/Aids, a campanha é uma resposta à maior tendência de crescimento da epidemia neste grupo, uma vez que o número de mulheres infectadas dobrou nos últimos dez anos. O principal argumento utilizado é que a mulher nessa idade tem pouco poder de decisão no relacionamento. Dessa forma, a campanha visará incentivar a mulher a conversar sobre a sua sexualidade e sobre o uso do preservativo com o seu parceiro.

Estudos publicados recentemente indicam que as relações de poder em casais, marcadas por uma dominação masculina, ainda estão presentes no campo da sexualidade e interferem no diálogo sobre o uso do preservativo. Tal fato afetaria a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST), como a Aids, principalmente em mulheres. Os artigos questionam, a partir de suas conclusões, o enfoque vigente das campanhas de prevenção de DST/Aids em questões técnicas e individuais, que reproduzem representações homogêneas da masculinidade e feminilidade. Os trabalhos apontam para a necessidade de consideração de outros fatores, como as questões de gênero, identidade e de papéis sociais, na elaboração deste tipo de campanha.

A partir da década de 1970, com a emancipação feminina, as mulheres assumiram papéis antes delegados somente aos homens e começaram a participar de discussões e tomadas de decisões tanto na esfera pública quanto na doméstica. Elas passaram a votar, a contribuir na renda familiar. Além disso, temas anteriormente considerados tabu, como o aborto, ganharam espaço na pauta de discussões. Apesar de todas estas mudanças nas relações de poder entre homens e mulheres, o campo da sexualidade ainda seria o lugar de manutenção de relações hierárquicas. Isto é o que indica um artigo recentemente publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva, pelos pesquisadores Fernanda Torres de Carvalho e César Augusto Piccinini, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No trabalho, os autores fazem uma análise histórica do papel da mulher na sociedade ao longo do processo civilizador e no contexto da epidemia de HIV/Aids. E chegam à conclusão de que as questões de gênero ainda regem as relações entre homens e mulheres e podem ser um grande inimigo na prevenção das DST, principalmente da Aids.

Apesar de a epidemia de HIV ser muito recente, ela parece trazer à tona questões de gênero bastante antigas. Segundo a análise histórica feita no trabalho, no início do processo civilizador, o feminino era associado ao nascimento, à fertilidade e à vida, e por isso era divinizado e cultuado. Mas com a transição para a hegemonia do masculino passou-se a valorizar mais a figura do homem e as atividades a ele relacionadas. Neste contexto, e com a repressão social e religiosa imposta sobre a mulher ao longo da história, a figura feminina foi dissociada em duas: a figura da mãe, cujo corpo era destinado à procriação; e a figura da prostituta, mulher devassa e promíscua.

Segundo o estudo, mesmo após todo movimento social de mudanças nas questões de gênero, as mulheres ainda não teriam modificado o seu comportamento e a sua vivência com a sexualidade, e continuam tentando fugir da imagem da mulher promíscua. A relação de poder existente nos relacionamentos entre mulheres e homens seria responsável pela dificuldade que algumas mulheres apresentam, ainda hoje, em negociar o uso do preservativo com os seus parceiros. Para elas, o casamento e a fidelidade atuariam como um fator de proteção. Assim, o risco de infecção estaria restrito às mulheres promíscuas, como se este risco fosse moral e não comportamental.

As mulheres representam, atualmente, uma população com altos índices de infecção pelo HIV. A proporção de casos entre homens e mulheres, que era de 7/1 em 1988, passou para 2/1 em dez anos. “A negação dos riscos [de infecção pelo HIV] vem se mostrando como um fator que dificulta muito a prevenção da infecção pelo HIV/Aids e vem levando muitas mulheres a se infectarem”, afirmam Carvalho e Piccinini.

Outro estudo publicado nesta mesma revista, realizado por Valéria Silvana Faganello Madureira, da Universidade do Contestado, e por Mercedes Trentini, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também aponta nessa mesma direção. Segundo as autoras, que analisaram o discurso de dez homens catarinenses que viviam relações afetivo-sexuais duradouras, as relações de gênero representam um papel central no uso de preservativo. Também para os homens, a sugestão do uso do preservativo levaria a uma desconfiança da parceira em relação a sua fidelidade; e o pacto de fidelidade entre o casal seria suficiente para garantir um risco de infecção praticamente nulo. O uso do preservativo, neste contexto, aparece principalmente associado à prevenção da gravidez e ao planejamento familiar, tanto em relações conjugais como extraconjugais. A prevenção de DST fica em segundo plano.

Inpe e Unicamp juntos na calibração absoluta de sensores em satélites

Pesquisadores do Inpe e da Unicamp encontraram no extremo oeste da Bahia, uma área com ótimas características para calibrar os sensores dos satélites da série CBERS. As primeiras medições (em 2004) resultaram na calibração dos dados do satélite CBERS-2, agora serão realizadas outras com a finalidade de calibrar os dados dos satélites CBERS-3, a ser lançado em 2010. As pesquisas colocam o Brasil no seleto clube dos países que desenvolvem suas próprias missões de calibração.

Na fazenda Vila Verde, em Luís Eduardo Magalhães, no extremo oeste da Bahia, uma área de 200 x 200 m2 teve plantações e máquinas agrícolas substituídas por um terreno limpo e sensores portáteis para captar radiação eletromagnética refletida pela superfície do solo. Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) descobriram na cidade um sítio bom para calibrar os sensores dos satélites da série CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite). Embora a área no município – que é pequeno, mas tem o 36º maior PIB do país – não se situe numa altitude ideal (acima de 1000 m) para esse tipo de atividade, reúne condições que viabilizam a tarefa: é plana, brilhante (clara), uniforme e seca. Por isso, nele foram feitas as medições que resultaram na primeira calibração absoluta dos dados dos sensores colocados a bordo do satélite CBERS-2, realizada em 2004, e serão realizadas outras com a finalidade de calibrar os dados dos sensores dos satélites CBERS-3, a ser lançado em 2010.

A calibração absoluta de um sensor tem como objetivo relacionar o número digital (ND) existentes nas imagens por ele gerada com valores de radiância (Lλ), permitindo assim aos usuários a transformação dos NDs presentes nessas imagens em valores físicos como a própria Lλ ou como em valores de reflectância (ρλ).

“A calibração é necessária porque não há um sensor igual a outro”, explica Flavio Ponzoni, da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe, que trabalha em parceria com Jurandir Zullo, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura, da Unicamp. O objetivo é estabelecer uma relação matemática entre as medidas da radiação na superfície remotamente coletadas em campo e a quantidade de radiação efetivamente captada pelos sensores durante o vôo pela órbita da Terra. Para isso, munidos de um espectrorradiômetro portátil, os pesquisadores caracterizam a superfície selecionada em campo concomitantemente à passagem do satélite.

“É importante garantir a relação da radiância (potência da energia refletida pela superfície) com os números digitais registrados pelos sensores e que irão efetivamente compor as imagens geradas”, completa Ponzoni. A partir do conhecimento dessa relação, é possível a qualquer usuário dos dados coletados converter os números digitais em valores físicos que, por sua vez, podem ser correlacionados a propriedades físicas dos objetos presentes na superfície terrestre.

O princípio básico de funcionamento do sensoriamento remoto dos recursos naturais fundamenta-se na radiação eletromagnética emitida pelo Sol, composta por diversos comprimentos de onda, que ao atingir objetos presentes na superfície da Terra, de acordo com suas propriedades físico-químicas, será absorvida, transmitida ou refletida.

No caso dos satélites CBERs, os sensores são do tipo CCD. Nesse sistema, uma rede de detetores adequadamente posicionados numa plataforma no interior do satélite esquadrinha a superfície de um terreno.

Parceria de longo prazo com repercussão internacional

O trabalho é minucioso e de longo prazo. Ponzoni e Zullo começaram a colaboração há dez anos. Tudo começou a partir da necessidade de uma aluna de pós-graduação de Ponzoni que precisava medir a radiância de folhas de uma espécie específica de planta usando equipamento somente disponível no Cepagri/Unicamp. Estimulados a contatar Zullo, que trabalha com o assunto desde 1995 quando fez doutorado na França e estudou a correção atmosférica das imagens de satélite, não só realizaram as medidas necessárias da aluna, como iniciaram uma discussão sobre as possibilidades de concretizar uma iniciativa audaciosa de calibrar dados orbitais de sensores estrangeiros, preparando-se para a futura necessidade do Brasil em se capacitar nesse tipo de trabalho diante da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB).

Como resultado dessas primeiras discussões, em 1998, foi aprovado um projeto de pesquisa junto à Fapesp envolvendo a de calibração absoluta de dados do sensor TM/Landsat-5. O sítio escolhido nesse caso foi o Salar de Uyuni, na Bolívia. Com a colaboração de Zullo e de outros pesquisadores, o projeto rendeu dois artigos científicos e foi muito bem recebido pela comunidade científica internacional.

Há pouca gente no mundo se dedicando à tarefa, em países como os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e a China. No Brasil, programas como o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e a MECB têm investido na aquisição e no desenvolvimento de sensores a serem transportados por satélites ou aviões, mas a atenção para a necessidade de calibração no país é recente. Mesmo em nível mundial, a comunidade envolvida com o tema é muito menor que a de cientistas ligados ao desenvolvimento de satélites. “A equipe brasileira é pequena se comparada à chinesa, por exemplo, que tem mais de 20 pesquisadores dedicados exclusivamente a esse tipo de atividade”, compara Ponzoni. No entanto, agora o Brasil integra o seleto clube dos países que desenvolvem suas próprias missões de calibração.