Tratamento para derrame pode evitar sequelas

O uso de medicação trombolítica em casos de acidente vascular cerebral (AVC), a terceira causa de morte por doença no mundo e a primeira no Brasil, tem mostrado bons resultados quando aplicado em até três horas após o início dos sintomas.

Apesar de ser a terceira causa de morte por doença no mundo e a primeira no Brasil, grande parte da população ainda desconhece a existência de terapêutica para o acidente vascular cerebral (AVC), mais conhecido como derrame. O uso do rTPA (ativador de plasminogênio tecidual recombinante) – uma medicação trombolítica, ou seja, que age diretamente sobre o trombo, dissolvendo-o e recanalizando a artéria obstruída – tem proporcionado bons resultados nos acidentes isquêmicos, que correspondem a 80% dos casos.

O AVC é um distúrbio da circulação sanguínea cerebral, na maioria das vezes de início súbito, que pode ser tratado e, quanto mais rápido for o atendimento, menores as chances de morte e de seqüelas irreversíveis. O AVC do tipo isquêmico ocorre quando um vaso sangüíneo cerebral é obstruído por um trombo (coágulo) e, consequentemente, uma área do cérebro deixa de ser irrigada devido ao entupimento. O outro tipo de AVC, chamado de hemorrágico e que pode ser causado pela ruptura de pequenos vasos sangüíneos cerebrais, principalmente em pacientes com hipertensão e/ou diabetes, não pode ser tratado com a medicação trombolítica.

O rtPA, também conhecido com alteplase, foi utilizado pela primeira vez no Brasil em 2002 mas, no estado de São Paulo, apenas dois hospitais haviam implantado seu uso até 2006. Hoje, o tratamento está bem documentado e liberado pelos principais órgãos reguladores de medicamentos, como o FDA e a Anvisa, mas ainda não são todos os serviços públicos e privados que o utilizam. Em São Paulo, os Hospitais das Clínicas (HC) da capital, de Campinas e de Ribeirão Preto, a Unifesp, o Hospital do Servidor Público Estadual, além do Albert Einstein, do Sírio Libanês e do São Camilo Pompéia, são alguns dos centros que têm protocolos bem instituídos para tratamento trombolítico do AVC.

“O mais importante deste tratamento é que ele só deve ser começado em até no máximo 3 horas. Portanto, é fundamental a chegada precoce a um hospital”, explica Leonardo de Deus Silva, médico neurologista e bolsista da Universidade de Ottawa, no Canadá. Se não tratado adequadamente, o paciente com AVC pode ficar hemiparético ou hemiplégico (sem força de um lado do corpo), afásico (com significativa dificuldade de linguagem) e/ou manter o déficit apresentado por ocasião do AVC. Segundo o médico, a grande limitação dessa medicação ainda é o tempo, mas, atualmente algumas outras drogas estão em desenvolvimento para melhorar essa janela terapêutica. “Quando utilizada corretamente, tem uma excelente eficácia, chegando, em alguns casos, a reverter completamente os sintomas. Um em cada sete pacientes tratados melhora significativamente”, afirma.

Entretanto, em alguns pacientes, o início do tratamento pode ser estendido para até seis horas e, em casos específicos, pode-se usar até 12 horas do início dos sintomas, dependendo do quadro clínico. Nos casos em que há recanalização, a melhora já é vista durante a administração do fármaco ou até 6 horas após o início do tratamento. Segundo Wagner Mauad Avelar, neurologista da FCM da Unicamp, o tratamento trombolítico visa fundamentalmente diminuir o grau de seqüelas que o paciente pode vir a apresentar após um acidente. “É de suma importância que o paciente chegue o mais rápido possível no pronto socorro após o início dos sintomas, visto que a porcentagem de recanalização do vaso é maior quanto menor for o tempo entre início dos sintomas e o início do tratamento”, diz.

No HC da Unicamp, o tratamento foi realizado em 26 pacientes, num período de 17 meses. Dos casos atendidos até agora, houve um caso de sangramento intracraniano e seis pacientes não tiveram o vaso recanalizado. “Os demais evoluíram com melhora clínica muito significativa”, avalia Avelar. O paciente deve permanecer por pelo menos 24 horas na UTI, mas o período de internação hospitalar é reduzido e depende das possíveis complicações e dos exames a serem realizados para investigar a causa que levou ao AVC. “O que pode ocorrer como evento adverso é sangramento, principalmente hemorragia intracraniana, que pode ser sintomática e necessitar de intervenção cirúrgica. Isso ocorre em 6,4% dos casos”, alerta.

Se o paciente chegar ao hospital em menos de três horas do início dos sintomas, o medicamento é administrado via intravenosa e, se for entre três a seis horas, deverá ser via intra-arterial. “Todos os pacientes devem ser submetidos a exames de sangue e imagem para tentarmos descobrir a causa e dar seqüência ao tratamento”, explica Avelar. Os pacientes devem ser acompanhados também por fisioterapeutas e, se necessário, fonoaudiólogos, especialistas que cuidam da reabilitação dos pacientes que apresentam dificuldades motoras ou de fala após o derrame cerebral.

Os sintomas do AVC são aqueles decorrentes da disfunção da área cerebral afetada e, por conseguinte, pode ser manifestado de forma muito variada. Os principais são: dificuldade para falar, fraqueza ou paralisia de um lado do corpo, perda de sensibilidade de um lado do corpo e vertigem com incapacidade de se manter em pé. “Quando diante de um indivíduo com suspeita de AVC, deve-se manter a calma, dar suporte físico para que a pessoa não se machuque nem caia no chão, e encaminhá-lo o mais rápido possível a um hospital”, orienta Silva.

Com o tema “Mudando a história natural do AVC”, a doença será um dos temas da Jornada de Neurociências da Unicamp, que acontece nos dias 14 e 15 de março, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da universidade.

Pesquisadores do LNLS desvendam estrutura de proteína ligada à leucemia

Um estudo realizado no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em conjunto com varias instituições de pesquisa, mais perto de elucidar a função da proteína SBDS humana envolvida na rara síndrome Shwachman-Diamond (SDS), cujos portadores têm predisposição para desenvolver leucemia.

A química Juliana Oliveira chegou mais perto de elucidar a função da proteína SBDS humana envolvida na rara síndrome Shwachman-Diamond (SDS), cujos portadores têm predisposição para desenvolver leucemia. Estudos anteriores indicavam que a molécula participa do metabolismo do RNA – intermediário entre a instrução codificada no DNA e as proteínas – dos ribossomos, que são como microlinhas de montagens celulares de proteínas. “Estudamos a estrutura tridimensional dessa proteína humana e a função de uma proteína que está relacionada diretamente a sua estrutura”, conta Oliveira. “Fizemos estudos sobre a interação da SBDS humana com RNA e verificamos que essa proteína interage diretamente com RNA. Além disso, também mapeamos essa região de interação. Esse é o primeiro trabalho que demonstra a interação direta da SBDS com o RNA.”

O trabalho, que é parte de seu doutoramento, foi realizado sob orientação da física Ana Carolina Zeri, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, que participou recentemente de um experimento em que pinças ópticas foram usadas para ver como os ribossomos funcionam. A proteína foi analisada com ressonância magnética nuclear no Centro de Biologia Molecular Estrutural do LNLS. “Escolhemos a SBDS, porque ela está relacionada com uma doença humana. Entender o que acontece com essa proteína dentro da célula pode ajudar a desvendar as bases moleculares envolvidas no progresso da leucemia”, explica. Apesar de rara, em crianças, depois da fibrose cística, a SDS é a segunda causa mais comum de insuficiência pancreática.

A proteína SBDS tem cerca de 250 aminoácidos e encontra-se altamente conservada, isto é, assemelha-se a equivalentes encontrados em plantas, Archaea (antigas arqueobactérias, agora consideradas um reino à parte), leveduras e outros vertebrados. No entanto, seu papel ainda é desconhecido. “É difícil descobrir o papel exato de uma proteína dentro da célula, mesmo que essa molécula seja fundamental”, disse Oliveira. Geralmente uma proteína participa de vários processos celulares distintos e, somente com diversos estudos e abordagens distintas, os pesquisadores conseguem identificar as diferentes vias em que atua. “E, assim, por fim chegam à função específica que ela exerce para a célula como um todo”, completa.

Uma vez que a versão humana da proteína não formou cristais, Oliveira e Zeri produziram versões recombinantes da molécula com os isótopos estáveis e não-radioativos C13 e N15. Marcada dessa forma, a proteína pode ser submetida à espectroscopia por ressonância magnética nuclear. “Esse trabalho é um marco em nosso laboratório, pois é uma molécula grande, que exigiu que explorássemos os limites da técnica”, comenta Zeri. Para fazê-lo, foi preciso contar com o apoio de vários outros pesquisadores; entre eles, Nilson Zanchin, pesquisador do LNLS, que estuda a biogênese de ribossomos, o químico associado ao laboratório de RMN Mauricio Sforça, e uma colaboradora na Inglaterra, Tharin Blumenschein. “A resolução dessa estrutura aqui no LNLS só foi possível, pois contamos com equipamentos de última geração, e temos o apoio da instituição para seu funcionamento”, completa Zeri.

Mutações relacionadas com a SDS levaram os cientistas ao gene que codifica a SBDS humana e se situa no cromossomo 7. “Evidências indiretas indicam que essa proteína apresenta um papel bioquímico fundamental e conservado dentro da célula, provavelmente na biogênese dos ribossomos ou no processamento de RNA”, acrescenta ela. Agora, Oliveira estuda as propriedades dinâmicas da ligação da SBDS com o RNA e prepara um artigo descrevendo a estrutura da proteína e a interação com o RNA. “Mas ainda tem bastante trabalho a ser feito para se entender o mecanismo de ação dessa proteína no processo de biogênese de RNA ribossômico”, afirma. Afinal, a biossíntese, ou seja, a construção do ribossomo requer uma ação coordenada de centenas de proteínas diferentes. Por outro lado, síndromes que envolvem falhas herdadas da medula óssea constituem modelos genéticos de grande utilidade para a compreensão da gênese das leucemias, porque o defeito genético pode ser identificado e o risco de leucemia é muito alto. Dentre essas síndromes, a SDS representa uma das mais comuns.

Aparentemente, a SBDS só está envolvida com leucemias, mas não com outros tipos de câncer. “Uma das características clínicas da doença SDS é a disfunção na medula óssea, que causa anormalidades hematológicas, como anemia e leucemia, entre outras. Portanto, até o momento ainda não existem dados de relação da SBDS com outros tipos de câncer, apenas com aqueles relacionados a problemas hematológicos”, afirma Oliveira. “Mas não se pode descartar a possibilidade da relação desta proteína com outros tipos de câncer, uma vez que a síndrome SDS também causa problemas no pâncreas exócrino e má formação óssea”, pondera.

LNLS projeta acelerador de partículas mais potente

O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) apresentou para a imprensa, no último dia 10 de fevereiro, o projeto de um novo acelerador de particulas, o LNLS-2. Com 350 metros de extensão e gerando uma luz dezenas de milhões de vezes mais brilhante, o equipamento deverá colaborar com pesquisas que mantenham o país competitivo no cenário internacional.

Em 2018, um novo acelerador de partículas deve se somar ao que opera atualmente no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. “EM 10 ou 15 anos, haverá necessidade de uma nova fonte de luz síncrotron – disse o físico José Antônio Brum, diretor do LNLS – do contrário o país pode deixar de ser competitivo no cenário internacional”. Na América Latina, o anel do LNLS é o único do tipo.

O novo acelerador, chamado de LNLS-2, terá 323 metros de extensão, enquanto o atual LNLS-1 tem 93 metros, e produzirá uma luz mais brilhante – dezenas de milhões de vezes – e mais penetrante, permitindo “enxergar” com maior profundidade a intimidade da matéria. O novo anel terá porte comparável aos equipamentos recém-construídos na França, no Reino Unido e na Suíça.

Essa luz mais potente requer um aumento da energia aplicada ao feixe de partículas no tubo de ultravácuo, além do aumento da extensão do anel. Materiais e moléculas, que ainda não puderam ser estudados, poderão levar à descoberta de novas propriedades. “Já fizemos cristalografia com duas das linhas de luz existentes. No entanto, é difícil gerar cristais grandes de muitas proteínas, algumas delas de grande interesse, e fazer luz suficiente penetrar nelas para arrancar informações”, explica o físico Pedro Tavares, diretor Divisão de Aceleradores e Instrumentação do LNLS.

A máquina mais antiga não será imediatamente aposentada e funcionará por algum tempo em conjunto com a nova. “O importante é que, quando a que está em uso deixar de funcionar, já haverá outro anel funcionando. Esse é o momento de começar a construir uma nova”, disse Tavares.

O principal nicho a ser explorado pelo LNLS-2 são os raios X duros; o do LNLS-1 eram raios X moles e ultravioleta, apesar de ele também emitir luz na faixa do infravermelho e do visível. O raio x é uma radiação eletromagnética cujo comprimento de onda é menor do que o da radiação ultravioleta e que se encontra na região entre 10 e 10-2 nanômetros aproximadamente. Quando bombardeados por elétrons, todos os átomos emitem raios x com comprimentos de onda característicos. De forma bastante geral, a diferença entre raios x duros e moles é a freqüência dos raios, maior no primeiro, e o comprimento de onda, mais curto nesse mesmo caso.

Em operação para usuários desde 1997, o anel do LNLS incluiu o Brasil no grupo de países possuidores da tecnologia – há cerca de 60 no mundo. Concentrando muita luz numa região do espaço, o anel torna possível observar características de amostras muito pequenas. Diferente do acelerador de partículas Large Hadron Collider (LHC), o túnel síncrotron não realiza a colisão de prótons, mas sim a aceleração de elétrons com objetivo de obter a luz síncrotron. Acelerados, os elétrons geram uma luz tão potente, que chega a proporcionar o conhecimento da geometria e do posicionamento de átomos dentro de moléculas. Com informações do tipo, pode-se, por exemplo, descobrir o papel de uma proteína ou o sítio ativo por meio do qual realiza sua função, um alvo potencial para o desenvolvimento de fármacos.

Para o uso de empresas e indústrias, que requerem sigilo dos resultados de pesquisa, o preço de custo é de 700 reais por hora. Já para pesquisadores, podem ter acesso gratuito desde que tornem públicos seus resultados. Há mais de mil usuários por ano, sendo que 25% pertencem ao campo da biologia, enquanto o restante é da área de ciência de materiais.

Para que se iniciem os trabalhos de construção do LNLS-2, o Ministério da Ciência e Tecnologia liberou 2 milhões de reais no final de 2008. O projeto foi apresentado à imprensa em coletiva no dia 10 de fevereiro.