Construções para Copa de 2014: laboratório da sustentabilidade

A indústria do aço e da construção civil, assim como empresas especializadas em energias alternativas devem aumentar sua produção com a chegada da Copa do Mundo no Brasil, ressaltando a importância da sustentabilidade na produção de materiais para a construção de estádios ambientalmente corretos.

A indústria do aço e da construção civil, assim como empresas especializadas em energias alternativas devem aumentar sua produção com a chegada da Copa do Mundo no Brasil, ressaltando a importância da sustentabilidade na realização dos estádios de futebol. O torneio é uma oportunidade promissora para o país do ponto de vista sócio-econômico, com a produção de materiais para a construção de estádios ambientalmente corretos, em que o uso do aço irá contribuir de maneira eficiente, por se tratar de um material totalmente reciclável, maleável e leve.

Um evento do porte da Copa do Mundo exigirá desenvolvimento principalmente dos setores siderúrgico e da construção civil brasileiros para seguir as recomendações da Fifa na elaboração das ecoarenas, como os projetistas vem chamando os novos estádios ecológicos. Ainda não existem recomendações oficiais para a criação de um estádio “autossustentável”. A Fifa, no entanto, estabeleceu os chamados green goals, uma série de metas ambientalmente eficientes que visam a redução do consumo de água e energia, o aumento da utilização dos transportes públicos, a eliminação de resíduos, além do uso de materiais sustentáveis nas obras dos estádios.

Cerca de R$ 5 bilhões estão sendo investidos nos projetos da Copa de 2014, entre iniciativas públicas e privadas. A implantação de um projeto sustentável, no entanto, possui um orçamento em média 20% maior. De acordo com o professor do Departamento de Engenharia de Construção Civil, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Ferreira Cardoso, que também é um dos membros do Conselho Brasileiro de Sustentabilidade, o retorno financeiro é vantajoso. “Isso porque os gastos com manutenção são menores”, afirma.

Segundo ele, a base para a construção de um estádio está na combinação entre o aço e o concreto. Hoje, o aço é uma opção recomendável para se realizar uma construção sustentável, principalmente em grandes obras, em função de sua alta flexibilidade e eficiência. Apesar do preço elevado, é um material que se caracteriza pela sua adaptabilidade, além de ser 100% reciclável. O aço também permite a racionalização de materiais, maior facilidade de transporte, redução de geração de entulho e do impacto na vizinhança, maior facilidade de desmontagem, compatibilidade com outros materiais, alívio de carga nas fundações, além de promover mais segurança no canteiro de obras.

O Centro Brasileiro da Construção em Aço e o Instituto Aço Brasil (IABr) lançaram o programa “Aço: construindo a Copa 2014”, que pretende divulgar suas vantagens como um material apropriado para atender as necessidades sustentáveis das obras previstas para o evento. A campanha acontece desde o final do ano passado nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo e é destinada principalmente a construtoras e escritórios de arquitetura. “A ideia é incentivar o uso do aço não apenas nos estádios, mas em ferrovias e em outros tipos de construções”, explica o assessor do IABr, Ricardo Werneck. Para ele, esta será uma chance de o Brasil mostrar que não é bom apenas em futebol. No entanto, ele teme que essa iniciativa seja lembrada mais pelo marketing do que pela eficiência. “Assistindo aos jogos pela televisão, como a maioria das pessoas irá fazer, principalmente no exterior, não dá para saber ao certo se realmente cumprimos as metas estabelecidas”, observa.

Segundo o arquiteto Eduardo Castro Mello, pai do arquiteto responsável pelo projeto do Estádio Nacional de Brasília, Vicente Castro Mello – eleito coordenador do Time de Arquitetos da Copa -, o Brasil possui a tecnologia necessária para a construção dos estádios sustentáveis, sem precisar importar produtos de outros países. “Inclusive, temos a capacidade para exportar esses produtos”, afirma. Como exemplo, ele cita três empresas paulistanas especializadas em energia solar fotovoltaica que já se colocaram à disposição para dar início às obras dos estádios. A vantagem destes paineis, segundo o arquiteto, é que são facilmente transportados, pois são leves.

De acordo com o Castro Mello, a maior necessidade brasileira para a construção dos estádios seriam sistemas de estruturas tensionadas em cabos de aço. “Elas estão sendo introduzidas agora, no Brasil, e temos poucos especialistas no assunto”. Nesse caso, profissionais do exterior, principalmente de países como a Alemanha, que já sediou uma Copa do Mundo “verde”, começaram a se associar a firmas e consultores brasileiros para dar andamento aos projetos. Mesmo sendo um investimento mais caro, uma construção sustentável como as ecoarenas traz benefícios do ponto de vista econômico. “O prazo de retorno financeiro é de sete anos, no máximo”. Isso acontece, pois não há gastos com utilização de água e energia, que são reaproveitadas. “Mas se utilizarmos materiais de baixa qualidade, teremos altos gastos com manutenção”, aponta.

Além da Alemanha, outros países já haviam aceitado a proposta de construir estádios ecológicos, como Austrália e China, nos Jogos Olímpicos de 2000 e 2008, respectivamente. Este ano, a África do Sul irá adotar estruturas e elementos metálicos galvanizados em todos os seus estádios. No entanto, a atenção da mídia sobre a sustentabilidade destes eventos superou sua verdadeira eficiência, como afirma Castro Mello. “Não acho que esses países fizeram um bom trabalho do ponto de vista da sustentabilidade em seus estádios, pois não se preocuparam com os projetos desde o início”, avalia. Apesar do empenho em construir o Ninho de Pássaro para recepcionar as Olimpíadas de Pequim, em 2008, o impacto ambiental foi inevitável, pois a demanda de energia aumentou muito na cidade, além da poluição e do transporte de produtos, elevando o consumo de carvão em 40%.

A arquiteta paulistana, Rita Müller é totalmente a favor dos projetos arquitetônicos que integram medidas sustentáveis, mas demonstra um pouco de ceticismo com relação aos novos estádios. “É difícil dizer que um estádio de futebol é uma construção sustentável, pois o seu projeto já implica em gastos muito altos de energia”, afirma. Segundo ela, a sustentabilidade em uma obra somente é possível se a arquitetura estiver em harmonia com o ambiente. “O design deve acompanhar a ideia da sustentabilidade. Primeiro, é necessário um estudo das condições do local para que a obra não prejudique o fluxo de pessoas e a natureza”, diz. A principal medida que o Brasil pretende implantar em relação à sustentabilidade urbana é melhorar os acessos ao transporte público, o que incentivaria os torcedores a não se locomoverem com seus veículos para assistir aos jogos. No entanto, os prazos são bastante curtos. Segundo a Fifa, ao menos quatro estádios devem ser concluídos até o ano de 2012.

O reaproveitamento da água, assim como a produção de energia renovável no próprio estádio são alguns dos itens sugeridos pelos projetistas do Estádio Nacional de Brasília. Serão instalados dispositivos que reduzem o fluxo de água em torneiras e vasos sanitários. A previsão é de uma economia de 3 a 4 litros de água por minuto. O planejamento do estádio também contribuirá para que a água da chuva chegue ao lençol freático e, assim, resfrie os dutos do sistema de ar-condicionado, reduzindo o uso de energia. Já a cobertura contará com a ajuda da iluminação fotovoltaica, que deverá receber um índice de radiação solar de 1800 quilowatts por hora, por metro quadrado. A energia produzida poderia abastecer cerca de um milhão de residências. A cobertura retrátil será composta por placas de aço, concreto e vidro.

O Brasil tem o potencial e as tecnologias necessárias para receber um evento desse porte. Resta saber se todas essas medidas vão ser mera jogada de marketing ou se realmente serão levadas a sério pelos empreendedores. Fica a torcida para que sim.

Estudo desvenda as vertentes terapêuticas de Ilhabela

Medicina convencional, medicinas alternativas e populares são tema de um estudo desenvolvido pela cientista social Silvia Miguel de Paula Peres, no Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp, que expõe a relação entre saúde e ambiente e seus desdobramentos.

Medicina convencional, medicinas alternativas e populares. As diversas vertentes terapêuticas do município de Ilhabela (SP) são objeto de um estudo que expõe a relação entre saúde e ambiente e seus desdobramentos. O trabalho foi desenvolvido pela cientista social Silvia Miguel de Paula Peres, no Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp.

A identificação das relações entre saúde e o ambiente é a principal constatação do estudo, que originou a tese de doutorado As vertentes terapêuticas em Ilhabela, SP: transformações socioambientais, processos saúde-doença e relações ser humano-natureza, orientada pela professora Sônia Regina da Cal Seixas, do Nepam. Nesse trabalho, o ambiente é compreendido em suas distintas dimensões – à dimensão biofísica e ecológica, associa-se o ambiente socialmente construído e simbolicamente representado.

O município de Ilhabela é um arquipélago cuja ilha principal apresenta o que Peres chama de “realidade dual”: um lado urbanizado e sustentado pelo turismo, voltado para o canal de São Sebastião, e outro lado voltado para o oceano, ocupado por uma floresta de mata atlântica remanescente e preservada na unidade de conservação do Parque Estadual. Neste lado vivem comunidades de caiçaras, que têm acesso à parte urbanizada quase exclusivamente por via marítima.

Três sistemas de saúde – privado, público e popular – foram identificados pelo estudo no município. “As doenças podem ser interpretadas de inúmeras maneiras e o processo terapêutico também pode ser conduzido de acordo com articulações infinitas entre natureza e cultura”, afirmou Peres na abertura de sua defesa de tese. Nesse sentido, os segmentos socioeconômicos com os quais interagem e as ideologias a respeito das doenças e de seus tratamentos diferenciam as abordagens dos três sistemas terapêuticos que atuam em Ilhabela.

Foram estudados no lado urbano do arquipélago os sistemas privado e público de saúde – este último representado pelo Programa Saúde da Família, pelo Centro de Apoio Psico-Social, pelo Pronto-Socorro e pelo Hospital Mário Covas. Todos os terapeutas entrevistados nesse lado de Ilhabela são migrantes, atraídos por um município cuja economia é sustentada pelo turismo. Entre os caiçaras do lado oceânico do arquipélago, curandeiros, parteiras, benzedeiros, ervateiros e rezadeiras representam os terapeutas da medicina popular. Enfermeiros, médicos, dentistas e psicólogos do sistema público de saúde chegam às comunidades de caiçaras por meio do barco batizado de “ambulancha”. Mas a visita semanal depende das condições do tempo e do mar, o que faz com que o conhecimento local e os recursos naturais próprios por vezes tenham que solucionar situações de emergência.

Tanto os terapeutas do lado urbano quanto os do lado oceânico de Ilhabela, representantes dos três diferentes sistemas de saúde, identificaram nas principais doenças que acometem os moradores da ilha as consequências de uma realidade permeada por problemas socioambientais, ligados ao processo de urbanização e degradação ambiental. A deterioração das condições de vida e de higiene e das relações sociais, e a inserção de hábitos modernos (ligados a alimentação, sedentarismo e consumo exagerado de álcool, por exemplo), são vistas como parte de um processo vivido por todos os grupos sociais do arquipélago. Nesse contexto, hipertensão arterial, diabetes e alcoolismo são as doenças que mais afetam os moradores de Ilhabela, e são interpretadas pelo estudo como reflexo do desequilíbrio gerado pelo modo de vida dos moradores. “Em termos práticos, o tratamento dessas doenças não se resume em tomar remédios. Se o paciente não mudar seus hábitos cotidianos, ele não consegue um resultado positivo”, ressalta Peres.

Diante desse cenário, o estudo descreve, entre as vertentes terapêuticas de Ilhabela, dois movimentos. De um lado, a inserção das terapias alternativas na parte urbana do arquipélago e, de outro, o avanço da medicina convencional entre os caiçaras. Para Peres, os dois movimentos não são contraditórios. “Mas são complexos e necessitam de uma compreensão mais detalhada”, pondera a pesquisadora.

“As bibliografias na área da saúde já vêm sinalizando, há alguns anos, um intenso crescimento da procura pelas medicinas denominadas de alternativas, tanto por parte dos terapeutas quanto dos pacientes”, diz Peres, observando que o espaço encontrado pelas terapias alternativas não é uma particularidade de Ilhabela. Segundo a pesquisadora, o fenômeno vem ocorrendo na América Latina de modo geral. “Mas, pelo fato de Ilhabela ser um pólo turístico de alto padrão, acredito que isso deva atrair um número mais significativo de terapeutas alternativos para a cidade”, acrescenta.

Diversos terapeutas de Ilhabela atuam como clínicos nos centros de saúde pública e como alternativos em seus consultórios – como o único homeopata do município, que também atua na pediatria, ou a acupunturista que trabalha também na clínica geral. Mas a oferta de terapias alternativas no arquipélago não se restringe ao setor privado. Está também presente no sistema público, o que o estudo avalia como paradoxal. A medicina convencional, à qual teoricamente deveria restringir-se o processo terapêutico nessas instituições, é articulada a outras práticas, como florais, massagens, homeopatia ou elementos da medicina chinesa. Essa abertura é reconhecida como um novo movimento social, o sincretismo terapêutico.

Peres considera positiva a inserção de diferentes instrumentos terapêuticos no setor público, pela associação da medicina convencional a outros saberes. “O Sistema Único de Saúde (SUS) vem com uma proposta de prevenção e de educação que esses terapeutas entendem muito bem, pois não têm uma visão estritamente biológica das doenças”, ressalta a pesquisadora. De acordo com o estudo, a medicina convencional é atualizada pelos terapeutas de Ilhabela, associada a outros conhecimentos, em resposta à amplitude de dimensões exigidas pela complexidade socioambiental do município. “O sincretismo terapêutico é, efetivamente, o resultado de uma visão mais integrada dos problemas de saúde, inclusive associada ao ambiente”, avalia Peres. A articulação de diversas vertentes caracterizaria a busca por um tratamento mais totalizante frente às necessidades dos pacientes, que envolvem problemas não só físicos, mas também econômicos, psicológicos e espirituais.

Paralelamente, nas comunidades de caiçaras do lado oceânico de Ilhabela, cresce a dependência da medicina convencional, em detrimento da vertente popular. “O fenômeno é paradoxal, pois o avanço da biomedicina (ou medicina convencional) tem levado à perda do conhecimento local”, aponta Peres. A pesquisadora cita como exemplo a situação em que caiçaras ficaram esperando a “ambulancha” para socorrê-los em um caso de desidratação, ao invés de tomar água de coco. A questão é interpretada no estudo como reflexo da falta de identidade com o universo circundante e da insegurança dos caiçaras, que não acreditam mais que possam tomar a iniciativa diante desses problemas. Soma-se a isso a transformação das doenças ao longo dos anos e a insegurança frente àquelas consideradas ”modernas”, para as quais o saber local não apresentaria soluções.

De acordo com o estudo, a presença da medicina popular ainda é significativa na parte oceânica de Ilhabela. A compreensão da natureza, da fauna e da flora, refletida na rica simbologia dos processos terapêuticos populares, é manifestação do conhecimento antigo que sobrevive nas comunidades, mas corre o risco de se perder pelo avanço da medicina convencional e dos hábitos modernos no cotidiano dos caiçaras. “Alguns hábitos modernos levam a uma visão alienada de doença, pois as pessoas passam a acreditar que a cura é obtida apenas pelo efeito do remédio e pela atuação do médico. O imediatismo das pessoas no processo terapêutico foi uma questão muito citada nas entrevistas”, argumenta Peres. Para a pesquisadora, esses hábitos prejudicam a capacidade de reação dos caiçaras às adversidades ambientais, em especial nos momentos em que não conseguem buscar mantimentos e remédios na cidade em virtude das condições do mar. Por outro lado, quando a medicina convencional não soluciona os problemas, a relação pode se inverter na reafirmação do conhecimento local.

A maneira como os terapeutas das diferentes vertentes articulam o conhecimento à prática revela as distintas dimensões do ambiente incorporadas à saúde. Para a pesquisadora, nesse sentido, Ilhabela pode ser considerada um exemplo representativo de uma realidade maior. “Os impactos dos processos de urbanização desordenada na saúde são verificados por vários autores, em diversas regiões do país e do mundo”, justifica. Essa associação entre saúde e ambiente e a interpretação do adoecimento em seu contexto vêm, aos poucos, ganhando espaço na agenda de discussões. Diante disso, Peres avalia que seu estudo contribui para leituras menos lineares dos processos saúde-doença. “Vejo muitos artigos científicos relacionando o ambiente à saúde apenas no aspecto biofísico e ecológico. Mas existe também o ambiente construído socialmente, e representado simbolicamente, que leva a análise para dimensões singulares, ligadas aos atores e aos contextos locais”, defende a pesquisadora.

A história da poluição do sedimento na Baixada Santista

Pesquisadores do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Departamento de Geoquímica da Universidade Federal Fluminense (UFF) desvendaram em detalhes a história dos últimos 45 anos de alta deposição de elementos químicos no sedimento do estuário da região de Santos (SP), em decorrência da atividade industrial.

Coletar e selecionar criteriosamente vestígios do passado para contar uma história. Ouvir testemunhos, distinguir detalhes reveladores e interpretar evidências para reconstituir uma realidade de outrora. Eis o ofício dos historiadores. Mas de maneira tortuosamente parecida, é também o que estão fazendo pesquisadores do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Departamento de Geoquímica da Universidade Federal Fluminense (UFF). Eles desvendaram em detalhes a história dos últimos 45 anos de alta deposição de elementos químicos no sedimento do estuário da região de Santos (SP), em decorrência da atividade industrial.

“Perfuramos a uma profundidade de dois metros e sessenta centímetros, e trazemos à superfície o material coletado dentro de um tubo. Depois, abrimos esse tubo e procuramos analisar quimicamente cada camada de sedimento coletado. A isto damos o nome de ’testemunho de sedimento’ ou simplesmente ’testemunho’”, diz o geólogo da Unicamp Wanilson Luiz-Silva, um dos autores de um artigo sobre a pesquisa publicado na revista especializada da Sociedade Brasileira de Química. Como em qualquer boa investigação, um testemunho só revela as melhores informações se bem interrogado. No caso desse “testemunho” coletado no estuário do Rio Morrão, o interrogatório não foi baseado em perguntas incisivas, mas na análise química, que propiciou aos pesquisadores uma série de indícios sobre a história da atividade industrial e de sua relação com a contaminação do ambiente sedimentar na região da cidade de Cubatão.

Cubatão, na Baixada Santista, ficou amplamente conhecida nos anos 1980 como um dos lugares mais poluídos e contaminados do mundo. Um forte processo de industrialização marcou a história da cidade a partir de 1955, quando se iniciou a atividade de refino de petróleo. Em seguida, a construção da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) e o início de suas operações em 1963 consolidaram a tendência de industrialização na cidade, que se tornou um dos maiores polos industriais da América Latina.

O trem do progresso industrial brasileiro trabalhava a todo vapor, num momento em que as preocupações ambientais ainda não tinham força suficiente para fazerem-se ouvir. Como uma locomotiva a carvão, que deixa para trás um rastro de fumaça, uma siderúrgica inevitavelmente libera pequenos resíduos da produção do aço na forma de compostos de ferro, e isso foi transportado e depositado no ambiente de Cubatão. Da mesma maneira, a indústria de fertilizantes de Cubatão deixou no sedimento o seu próprio rastro, o fósforo. Ambos, ferro e fósforo, estão relacionados ao fato do ambiente da região estar permeado por uma miríade de elementos contaminantes, incluindo o chumbo. E permitiram aos pesquisadores traçar uma história da deposição desses elementos.

Cotejando as informações obtidas pela análise química do “testemunho” com os dados de produção da siderúrgica de Cubatão, os pesquisadores demonstram uma correlação evidente entre a produção industrial e a contaminação do estuário. A concentração de ferro no sedimento tem um crescimento notável na profundidade correspondente ao período em que a siderúrgica estava sendo construída. O nível permanece estável, quase não se diferenciando da concentração de ferro anterior à atividade siderúrgica, até os 95 cm de profundidade do “testemunho”, quando se observa o início de um grande salto na concentração de ferro. “Isso corresponde ao significativo aumento na produção de aço na segunda metade dos anos 1970”, afirma Luiz-Silva. Um declínio brusco é, então, observado nos níveis de concentração de ferro, justamente na camada correspondente a meados dos anos 1980. “Esses dados estão consistentes com o que ocorreu na época. Medidas governamentais de controle da poluição passaram a ser implementadas a partir de 1984”, diz o geólogo. Desde então, segundo o “testemunho”, os níveis de ferro no sedimento oscilaram muito, sem chegar ao pico observado na camada correspondente ao início dos anos 1980, tampouco chegando perto dos níveis naturais, anteriores à produção de aço na região.

A análise dos níveis de ferro e o estabelecimento da história de sua deposição são importantes para entender a origem de elementos químicos altamente tóxicos presentes em inúmeros ambientes da Terra. Esse estudo demonstra que a presença de elementos como o chumbo está evidentemente associada à presença de ferro, que é uma referência importante da produção de aço. E talvez indique que a compreensão do ambiente que serve aos homens – especialmente o de uma região tão negativamente afetada pelo desenvolvimento industrial – hoje passe pelo entendimento de sua constituição no passado.