O terremoto de 12 de janeiro, que causou mais de 300 mil mortes no Haiti, mudou também os rumos das pesquisas científicas realizadas na região. Foi o que aconteceu com um grupo de pesquisadores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp que estava no Haiti desde 31 de dezembro – e, portanto, vivenciou o terremoto. Ao retornar ao Brasil, o grupo lançou um novo tema de pesquisa com o apoio da Unicamp e financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Trata-se de um estudo sobre o impacto nas instituições de ensino superior do Haiti, causado pelo terremoto. E o primeiro diagnóstico já foi lançado.
De acordo com o grupo da Unicamp, coordenado pelo professor Osmar Ribeiro Tomaz, os efeitos sobre a infraestrutura básica da cidade foram calamitosos na capital do país, Porto Príncipe. As principais instituições – como o palácio nacional, hospitais, escolas – foram destruídas. O mesmo aconteceu com as instituições de ensino superior e os efeitos foram igualmente dramáticos: o terremoto aconteceu no segundo dia após o retorno às aulas, e muitos estudantes estavam em aula no momento da catástrofe.
Para desenvolver a pesquisa sobre os impactos do terremoto no ensino superior, foi enviado a campo o pesquisador Sebastião Nascimento – professor visitante da Unicamp – que tem experiência em pesquisas com a temática do Haiti. Mestre em direito pela Universidade de São Paulo (USP), com experiência na área de sociologia, ele atua principalmente com os temas de minorias nacionais, racismo, conflitos armados, desigualdade e homogeneização nacional. O pesquisador já conhecia o país e foi escolhido, dentre outros motivos, pela familiaridade com os dois idiomas locais: francês e crioulo.
A pesquisa já rendeu um primeiro diagnóstico, encaminhado à Capes, com recomendações emergenciais para as instituições de ensino superior do Haiti. “Todas as instituições de ensino superior da capital foram atingidas e estão completamente destruídas ou com suas estruturas comprometidas”, lamenta Tomaz. Os institutos de pesquisa que, em princípio, não sofreram perdas humanas, estão com os equipamentos comprometidos ou destruídos. A Universidade do Estado do Haiti, principal centro de pesquisa, estava localizada em uma das regiões mais afetadas pelo terremoto e ficou totalmente destruída. A Faculdade de Medicina e de Farmácia se transformou em ruínas e boa parte do Hospital Universitário veio abaixo. Na universidade em si não houve mortes, pois os alunos estavam em greve há mais de seis meses. A Faculdade de Linguística Aplicada, centro voltado fundamentalmente para o estudo da língua haitiana e para produção de material didático nesse idioma, também foi destruída. “O trabalho está intenso porque há alunos que foram para outras cidades e outros que estão em abrigos”, diz Tomaz.
A partir desse diagnóstico, que resultará num primeiro relatório divulgado ainda em março, os pesquisadores da Unicamp apresentaram algumas recomendações, entre elas, a proposta de cooperação e de intercâmbio acadêmico e científico com o Brasil. A ideia é que as atividades tenham início no Haiti em instalações provisórias e que os alunos sejam formados para o uso proficiente da língua portuguesa por uma equipe de reconhecida formação acadêmica, científica e cultural. As áreas de gestão de recursos urbanos e naturais, de informação, saúde, linguística e formação de professores foram apontadas pelos pesquisadores como emergenciais.
Pesquisa de campo
Com o objetivo inicial de serem treinados para situações de conflitos e pós-conflitos, os seis alunos de graduação e a aluna de mestrado da Unicamp que foram ao Haiti em dezembro realizavam, na ocasião do terromoto, uma dinâmica intensa de atividades no país: caminhavam pelas ruas de Porto Príncipe, com o objetivo de entender diferentes aspectos da realidade haitiana. Durante o dia, faziam visitas a organizações não governamentais (ONGs), e outras instituições, nas quais entrevistavam diversas pessoas. No final do dia, em uma reunião de aproximadamente duas horas, discutiam sobre o que tinham observado e co-relacionavam os assuntos com a bibliografia previamente lida pelos alunos. “Cada aluno tinha um caderno, conhecido na antropologia como ‘caderno de campo’, onde eram anotadas análises individuais”, explica Tomaz . Acompanhados pela pesquisadora e fotógrafa, Cristiane Bierrenbach, os estudantes também tiravam fotos que, posteriormente, eram analisadas e discutidas.
Após o terremoto, que não os atingiu diretamente, Tomaz e sua equipe mudaram sua rotina: passaram a caminhar pelas ruas buscando compreender como as pessoas se organizavam para enfrentar tamanho desastre enquanto a ajuda internacional não chegava. As cenas de solidariedade comoveram a equipe. “Vizinhos ajudando vizinhos, escoteiros doando suas roupas, homens se organizando para buscar sobreviventes nos escombros e as mulheres arrumando comida e cuidando das crianças”, descreve Tomaz. A equipe de pesquisadores permaneceu no país durante quatro dias, após o terremoto, e depois seguiu para República Dominicana, antes de regressar ao Brasil.
Recomposição do ensino superior
Entre os atos assinados por ocasião da visita ao Haiti, no dia 25 de fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um memorando para a reconstrução, o fortalecimento e a recomposição do sistema de educação superior do Haiti, a fim de buscar mecanismos de colaboração acadêmica e reestruturação das instituições de ensino superior haitianas. A proposta é que o Brasil crie mecanismos para o envio de pesquisadores brasileiros ao Haiti para possibilitar a implementação de programas de pós-graduação sanduíche – a doutorado em colaboração com alguma instituição de pesquisa do exterior – para estudantes haitianos em universidades brasileiras.
As medidas incluem conceder bolsas de mestrado e doutorado, contribuir para a reestruturação das instituições de ensino superior por meio do envio de professores brasileiros em nível de pós-doutorado para ministrar aulas, realizar seminários e missões de diagnóstico. Ficará a cargo da Capes, da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Ministério das Relações Exteriores buscar mecanismos para atingir o compromisso do governo federal firmado com o Haiti.