Células-tronco de outras origens não substituem as embrionárias, diz cientista

Centros de pesquisa brasileiros avaliam os benefícios da terapia com células-tronco da medula óssea em portadores de doenças cardíacas. Hematologista do Incor diz que pesquisas com as células embrionárias também são necessárias e que a discussão que mantém a proibição do uso está deixando de lado as questões técnicas.

Enquanto o uso de células-tronco embrionárias aqui no Brasil continua proibido, nossos cientistas fazem o que podem com células-tronco de outras origens. Em um artigo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, o médico hematologista e doutor em cardiologia Isolmar Schettert, do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto Nacional do Câncer (Incor), fala do Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias – EMRTCC. O objetivo do EMRTCC é avaliar clinicamente os benefícios da terapia com células-tronco da medula óssea em portadores de doenças cardíacas.

Iniciado pelos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia, o EMRTCC é mantido através de uma parceria entre o Incor, em São Paulo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na Bahia, e a Universidade Federal e o Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras, ambos do Rio de Janeiro. Para cada uma das quatro doenças cardíacas estudadas – miocardiopatia dilatada, doença isquêmica crônica, infarto agudo do miocárdio e cardiopatia chagásica (da doença de Chagas) – o EMRTCC pretende avaliar possíveis progressos obtidos em 300 pacientes. O foco da análise é a melhora da função cardíaca e da área isquêmica (na qual o suprimento sangüíneo se encontra comprometido). O estudo ainda está em andamento, mas seu término está previsto para este ano.

Porém, ainda que as perspectivas desse estudo sejam promissoras, as células-tronco da medula óssea não substituem as embrionárias humanas. Segundo Schrettert, as células da medula óssea podem melhorar o quadro clínico ao reduzir a inflamação e formar novos vasos sangüíneos, por exemplo. Entretanto, não há evidências de que elas sejam capazes de se transformar em células cardíacas, como fazem as células-tronco embrionárias.

Schrettert lembra ainda que somente estudos feitos com células-tronco embrionárias podem desvendar diversos fenômenos biológicos cuja compreensão é de suma importância para o progresso das pesquisas – como o mecanismo pelo qual uma célula se multiplica e dá origem a diferentes tecidos. “Para esse tipo de análise, não adianta se basear em modelos animais, uma vez que eles não representam de forma fidedigna o que acontece com as células humanas”, diz ele.

O hematologista acrescenta que, há cerca de um século, o perfil de doenças era totalmente distinto do que é hoje. Para ele, com o aumento da expectativa de vida e talvez até por evolução da espécie humana, esse perfil mudou tanto que não houve tempo para que a indústria farmacêutica se preparasse para as doenças degenerativas. Por isso, existem bem poucos tratamentos eficazes para essas doenças, que podem ocorrer em diversos tecidos, como o cardíaco, o hepático e o neural. “Tanto é que o tratamento que nós temos é o transplante: de coração, de fígado, etc”, diz Schrettert.

Por isso, o pesquisador critica a proibição do uso das células embrionárias. Em suas palavras, essa discussão “está sendo essencialmente dogmática e está fugindo do âmbito técnico”. “Nossa espécie está vivendo mais, aumentando muito sua expectativa de vida e em total despreparo para lidar com a situação”, diz ele. “Tornar a discussão das células-tronco embrionárias uma questão essencialmente dogmática é ver de uma forma muito parcial tudo que está se passando”, critica.

Modificação genética de bactéria aumenta produção de hidrogênio

Cientistas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, conseguiram manipular geneticamente a bactéria Escherichia coli, conhecida por contaminar alimentos e causar doenças, e transformá-la numa fonte de hidrogênio, apontado atualmente como o combustível do futuro.

Um microorganismo há bastante tempo conhecido como transmissor de doenças pode vir a ser um importante aliado na geração de energia. Cientistas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, conseguiram manipular geneticamente a bactéria Escherichia coli, conhecida por contaminar alimentos e causar doenças, e transformá-la numa fonte de hidrogênio, apontado atualmente como o combustível do futuro.

A equipe de cientistas apagou seis genes específicos do DNA da bactéria e a alimentou com açúcar. Desta forma, os pesquisadores aumentaram em mais de cem vezes seu processo natural de conversão de glicose em hidrogênio por meio de fermentação. O resultado foi a produção de uma linhagem da bactéria capaz de produzir 140 vezes mais hidrogênio do que acontece no processo biológico normal. “Nós já sabíamos que a E. coli produzia hidrogênio, mas a quantidade que poderíamos fazê-la fabricar foi uma surpresa”, diz Gönül Vardar-Schara, integrante da equipe, em entrevista à ComCiência.

Os pesquisadores do Texas vinham há algum tempo realizando pesquisas com manipulação genética de microorganismos para a fabricação de hidrogênio. Este é o mais abundante e mais leve elemento conhecido, e tem um grande potencial para ser a fonte de energia do futuro: ele não polui, e as pesquisas para aumentar o seu rendimento estão evoluindo cada vez mais. A bactéria E. coli foi escolhida para a pesquisa por ser um microorganismo fermentativo – ou seja, ela produz hidrogênio através do processo de fermentação, e não pelo processo de fotossíntese.

Isso foi uma vantagem para o trabalho: o processo de fermentação produz mais hidrogênio do que o de fotossíntese; não depende da disponibilidade de luz; utiliza fontes de carbono variadas, como compostos orgânicos (dejetos); requer menos energia e é tecnicamente mais simples e estável se comparado com a fotossíntese. “Escolhemos trabalhar com a E. coli, pois possui muitas vantagens, como crescimento rápido e requerimentos nutricionais simples. Também porque são microorganismos fáceis de se manipular geneticamente”, aponta Thomas K. Wood, chefe da equipe de pesquisadores.

Trabalhar com microorganismos – especialmente bactérias, que são automaticamente associadas a doenças pela população – pode causar preocupações a respeito dos riscos para saúde que eventualmente poderiam trazer. Porém, a equipe afirma que a manipulação genética não produziu nenhuma espécie de super-bactéria – muito pelo contrário. De acordo com os pesquisadores, ao se apagar os genes do DNA da bactéria, ela se tornou menos competitiva e, conseqüentemente, menos perigosa.

“Trabalhamos com bactérias E. Coli geneticamente modificadas há anos, e é muito improvável que a transformemos num organismo perigoso à saúde através dessa modificação: ao contrário, elas são ainda mais seguras devido a isso, pois praticamente diminuímos seu risco à saúde”, tranqüiliza Wood.

Futuro

O processo de produção biológica de hidrogênio é promissor, mas os pesquisadores afirmam que ainda serão necessários muitos estudos antes de haver uma aplicação prática para a pesquisa. Existem muitos desafios a serem superados, como o de aumentar o rendimento das bactérias. Atualmente, são necessários 80 kg diários de açúcar para alimentar os microorganismos e conseguir que produzam hidrogênio suficiente para fornecer energia para uma residência média.

“O grande desafio agora é diminuir esse consumo de açúcar de 80 kg para 8 kg, e também fazer com que essa produção seja mais rápida”, aponta Toshinari Maeda, que também integra a equipe. “Os próximos desafios são criar modos de obter glicose de massas de plantas baratas e de dejetos de indústria”, completa Vardar-Schara.

O estudo avança em uma época que se aposta cada vez mais no hidrogênio como fonte de energia do futuro. “Nós realmente precisamos fazer essa transição de combustível para o hidrogênio, já que os tradicionais – petróleo e gás – estão acabando”, diz Wood. Usar esse elemento como combustível não só ajudaria a resolver a crise energética atual, como também seria a resposta para muitas questões ambientais. Afinal, sua utilização é totalmente limpa, não havendo emissões de partículas como monóxido de carbono, dióxido de carbono e óxidos de enxofre, que são responsáveis por problemas ambientais, como o aquecimento global, e por problemas de saúde, como alergias respiratórias.

A manipulação genética da bactéria E. coli vai ao encontro dessa tendência mundial, pois pode aumentar e baratear a produção de hidrogênio e ainda resolver uma das questões mais debatidas – e caras – sobre seu uso: o transporte e o armazenamento do elemento. Com a produção biológica do combustível, é possível controlar a quantidade de produção de hidrogênio.

Todos esses fatores contribuem para que a equipe de pesquisadores fique muito animada, apesar do longo caminho que ainda tem no futuro próximo. “Ainda temos de 5 a 10 anos de pesquisa pela frente, mas tudo bem. Afinal, a melhor parte do estudo é que não será preciso gastar bilhões de dólares para estocar hidrogênio, já que o mesmo será fabricado de acordo com a necessidade de cada um”, conclui Wood.

Dado ou incerto? Teatro movimenta vida, tempo e biotecnologias

Peça de teatro encenada nas ruas convida o público que passa a participar de uma reflexão sobre a vida, o tempo e as biotecnologias. Com o objetivo de divulgar ciência de uma maneira diferente, sensível, a peça “Num dado momento” interage com o público e o instiga a compor um poema sobre o futuro da humanidade a partir de um jogo de dados. E então, será que este futuro já está pré-determinado, ou é incerto, imprevisível?

“Eu sou eu; quem é você?”, disse uma. “Eu não faria o meu clone! Eu sou exclusiva!”, gritou outra. Foi assim, divertindo-se e repetindo este diálogo maluco, que estudantes da rede municipal de Campinas saíram do Museu da Imagem e do Som (MIS) no dia 5 deste mês, após a encenação da peça “Num dado momento – biotecnologias e culturas em jogo”. A diversão e o papo não escondem, e nem tampouco a peça, uma discussão bastante séria e bem concreta na vida de todos nós: como as biotecnologias afetam o futuro da humanidade? De forma previsível, dada, ou incerta?

Fotos: Alik Wunder

Muitas vezes os avanços da ciência nos passam a sensação de que um dia os homens terão pleno controle sobre a vida na Terra. Não só devido a resultados extraordinários, mas pela própria forma como a mídia os divulga. As biotecnologias constituem um campo da ciência onde “brincar de Deus” parece mais próximo da realidade: os deuses seriam cientistas que criariam, como que num passe de mágica, ou com um sopro divino – como na peça -, o seu outro “eu”, o seu clone, além de muitas outras coisas inacreditáveis.

O comentário da aluna, que expressou não querer um clone, remete aos conflitos de identidade que emergem da interação entre progressos biológicos e tecnológicos, como aqueles vislumbrados no filme Inteligência Artificial, em que um menino-robô tem múltiplas cópias; não é “exclusivo”, como desejam o personagem e a garota entrevistada. O tema é quente e está na ordem do dia. Mas diferente do filme, que parte de um dado pressuposto e prevê um futuro determinado, a peça joga justamente com o acaso para construir um futuro múltiplo e imprevisível. A peça não tem um final e os seus diversos fins variam infinitamente, de acordo com a participação dos expectadores. Assim se escreve o futuro da humanidade: num poema esquizofrênico quilométrico, resultante de cada encenação e formado pela combinação de palavras dadas e inimagináveis, em que cada um dá a sua contribuição.

O grupo que concebeu a peça, o Parada de Rua, faz parte do projeto Biotecnologias de Rua, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e desenvolvido por pesquisadores e artistas vinculados ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e a Faculdade de Educação (FE), ambos da Unicamp.

Tão perto e tão distante

Elas estão por toda parte. “As biotecnologias circulam no cinema, nas novelas, no jornal, na publicidade, nos desenhos animados, na literatura, nos movimentos sociais, na medicina, nos supermercados, enfim, no cotidiano de cada um e de todos”, explicita Carolina Rodrigues, integrante do grupo que produziu a peça. Mesmo assim, não é com familiaridade e intimidade que as pessoas costumam tratar do tema.

Para a aluna Caroline Freitas, da oitava série da Escola Municipal de Ensino Fundamental “Sílvia Simões Magro”, o assunto “é algo que a gente nunca vê, que apareça toda hora na TV”, e por isso gostou da peça. Já uma outra estudante expressou mais do que desconhecimento sobre o tema: uma imagem mistificada das biotecnologias. “Achei que iam dar uma explicação sobre a revolução, sobre esta coisa do feto, das biotecnologias… Mas no fim teve uma coisa da revolução, quando a mulher pediu a pizza. O telefone tocou e ela só passou um número e o cara já deu tudo: o endereço, o celular, os dados completos dela”, comentou Aline Ramos.

Futuro entre o dado e o incerto

A relação que a aluna faz entre biotecnologias e revolução remete à idéia de poder e controle da ciência que circula no imaginário das pessoas, e que os produtores da peça procuram subverter. Segundo Rodrigues, “alguns dos valores que informam as biotecnologias (como os mapeamentos genéticos e os testes de DNA, por exemplo) são a previsibilidade e o controle sobre o passado e o futuro. Propusemos, assim, uma brincadeira com essa idéia de inevitabilidade, determinação, com aquilo que estaria posto e ’dado’ pela ciência”.

Ao longo da peça, que reúne diversas linguagens artísticas – teatro, música, jogo, literatura e poesia -, o público é convidado a contracenar com um cientista-vidente e um dado-humano. “O que você quer levar para o futuro da humanidade?”, perguntam para a platéia. As respostas são variadas: céu, montanha, água, paz, amor, amizade, solidariedade, e incluem aquelas ligadas às pesquisas com biotecnologias, como robôs e espermatozóides. As possibilidades são infinitas. “Então, vamos jogar os dados!”, continua o cientista-vidente, que rola pelo chão três dados gigantes, em cujas faces estão palavras e imagens, com as quais ele interage para construir um fragmento do “futuro da humanidade”. “Vamos ‘poemar’ o futuro! Aonde entra a sua ‘mulher’ aqui?”, pergunta o dado-humano.

“O momento do jogo de dados é um momento fugaz, instável, provisório, marcado pelo acaso, pela intervenção das pessoas que participam na peça, subvertendo, algumas vezes, as regras do jogo, assim como acontece com o movimento das ruas, com a própria vida, com a existência humana”, comenta Rodrigues. E assim, do jogo de dados e da intervenção da platéia, vai sendo tecido o futuro, num grande e infindável poema: “Entre outra inteligência, querer tão outra saúde, uma felicidade, querer tão outra paz, e que natureza um mar, uma mulher tão outra… um gesto quetão, um outro amortão…”. No poema, “as palavras dadas pelas pessoas aparecem como cristas de uma onda, enquanto as palavras dadas pelo jogo parecem desaparecer no mar de repetições”, comenta Susana Dias, que também faz parte do grupo Biotecnologias de Rua, em outra apresentação da peça, na Casa do Lago, Unicamp, para alunos da Especialização oferecida pelo Labjor.

Da divulgação científica à produção de conhecimento

Segundo Rodrigues, a proposta do grupo foi a de realizar um trabalho experimental de divulgação científica, explorando as interfaces entre a arte e a ciência. Mas embora o intuito dos produtores não tenha sido propriamente educativo, este tem sido um de seus efeitos junto ao público. “Nós não abrimos mão do didático, mas pretendemos reformular essa noção. Pensar num pedagógico que passa pela linha do sensível, das sensações. Pensar num conhecimento que se produz nos encontros entre ruas, pessoas, imagens e biotecnologias”, diz Susana Dias. “Queremos provocar o público a refletir e a trocar conosco percepções sobre valores e sentidos que esse tema mobiliza”, completa Carolina Rodrigues. O conhecimento, a partir da peça, seria resultado de um processo de observação, reflexão, interação, sensibilização e interesse/participação. Como destaca uma professora da rede municipal de ensino de Campinas, a peça “é muito legal pela reflexão que propõe para os alunos sobre o que são estas biotecnologias e o choque que existe entre elas e o humano”.

Ficha Técnica Título – Num dado momento: biotecnologias e culturas em jogo Direção e Roteiro – Grupo Parada de Rua: André Malavazzi, Carolina Cantarino, Elenise Andrade, Maria Cristina Bueno, Marcelo Lírio, Susana Dias. Figurino e cenografia – André Malavazzi, Carolina Cantarino, Fernanda Pestana, Gabriela Chiarelli e Susana Dias. Atores – Marcelo Lírio (cientista) e Cristina Bueno (mulher-dado) Produção – Biotecnologias de Rua (Coord. Carlos Vogt) equipe de pesquisadores e artistas do Labjor e FE Unicamp. Número do processo: 553572/2006-7. Edital MCT/CNPq n. 12/2006. Duração – 40 min Contatos – susana@unicamp.br 3521-5193/3521-7165.