Reações alérgicas afetam sistema nervoso e comportamento

Por meio de estudos imunológicos, neurológicos e comportamentais, em um modelo experimental de asma em camundongos, grupo de pesquisadores da USP mostrou que animais alérgicos são mais ansiosos e apresentam alterações em estruturas-chaves do sistema nervoso central.

Muito se fala sobre o impacto das emoções na nossa imunidade: quando estamos tristes ou estressados, ficamos mais doentes. Agora Momtchilo Russo, do Departamento de Imunologia da Universidade de São Paulo (USP) e sua equipe defendem que a reação alérgica, como a asma, afeta o sistema nervoso central e o comportamento do paciente, por exemplo, deixando-o mais ansioso.

Embora as alterações funcionais que acompanham a asma sejam bastante exploradas, “pouco se sabe sobre sua influência na atividade cerebral e no comportamento”, afirmam Russo e colaboradores em artigo publicado no periódico científico Brain, Behaviour and Immunity (Vol. 21, n.6).

O trabalho aliou estudos de parâmetros imunológicos, neurológicos e comportamentais em modelo experimental de asma em camundongos. Os pesquisadores mostraram que a fase inicial da resposta alérgica imediata é suficiente para a ativação cerebral associada a testes comportamentais de evitar o alérgeno – elemento causador de alergia – usado para desencadear a doença. “Observamos uma ativação cerebral após um único estímulo com o alérgeno, confirmando que o sistema [neurológico do roedor] está previamente estabelecido para lidar com esse tipo de sinal”, destaca Frederico Costa-Pinto, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, primeiro autor do trabalho. O pesquisador completa que, mesmo sem uma inflamação intensa – usualmente representada por uma infiltração massiva de células do sistema imune no pulmão -, regiões específicas do cérebro foram ativadas.

“Esse artigo é muito interessante e importante para a psiconeuroimunologia”, destaca Moisés Bauer, do Laboratório de Imunologia Celular e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Ele destaca que o trabalho conseguiu determinar que “animais que estabeleceram tolerância para esta resposta alérgica não mostravam ansiedade e as alterações descritas no sistema nervoso central”, deixando clara a relação da asma com as alterações do sistema nervoso.

Com o objetivo de estudar as alterações comportamentais envolvidas com a asma, os pesquisadores adaptaram uma caixa claro/escuro, típica em estudos de comportamento, para a realização de testes envolvendo nebulização (administração de medicamento líquido através de pulverizações) com o alérgeno de interesse. Os animais foram sensibilizados com o alérgeno por vários dias e, em seguida, submetidos a uma sessão de “treino” na caixa claro/escuro, que era dividida em dois compartimentos: um iluminado e outro escuro, separados por uma porta. Ao entrar no lado escuro da caixa, a porta era fechada e o animal recebia nebulização com o alérgeno por 10 minutos. No dia seguinte, os camundongos eram submetidos ao teste de esquiva passiva: eram reintroduzidos no lado claro da caixa e o tempo para irem para o lado escuro era anotado pelos pesquisadores. Os animais alérgicos levavam cerca de 300 segundos para entrar no lado escuro, enquanto os camundongos sadios o faziam em tempo médio de 20 segundos. Com isso, os pesquisadores puderam notar que os animais asmáticos evitam o alérgeno e passaram então a estudar quais alterações neurológicas poderiam ser as responsáveis por tal mudança comportamentamental.

Sobre as regiões do cérebro ativadas, os pesquisadores mostraram que animais sensibilizados para alergia apresentaram aumento da atividade do núcleo paraventricular (PVN) do hipotálamo e do núcleo central da amígdala, analisado por meio da expressão de Fos – um gene de expressão rápida utilizado como marcador de ativação neuronal. Bauer explica que essas regiões são estruturas-chaves do sistema nervoso central responsáveis pelas nossas emoções.

Região do hipotálamo ativada em camundongo alérgico – os pontos pretos representam neurônios ativados, expressando o gene Fos

“Efeito rosa”

Os resultados desse trabalho nos remetem ao chamado efeito rosa, ou rose cold, como descrito inicialmente pelo médico John Noland MacKenzie, em 1886. Mackenzie relatou que uma paciente alérgica a rosas entrou no seu consultório e, ao se deparar com uma rosa, desenvolveu todos os sintomas típicos de uma forte reação alérgica: coriza, ataque asmático severo, febre. No entanto, a rosa era artificial – o alérgeno não estava presente – e, mesmo assim, o corpo gerou uma resposta como se efetivamente tivesse sido exposto ao estímulo.

Compreender os mecanismos dessa sugestão ou antecipação da resposta tem sido um dos vários desafios da disciplina neuroimunologia. “Entender a modulação das emoções e comportamentos pela imunidade é relevante não apenas para decisões sobre opções terapêuticas para controlar a doença, mas também para melhorar o apoio às desordens psicológicas associadas com alergias crônicas”, concluem os pesquisadores.

Para Moisés Bauer, falta ainda avaliar os efeitos a longo prazo destas respostas. Além disso, “precisa-se determinar as alterações de hormônios do estresse (glicocorticóides e catecolaminas), já que as áreas do sistema nervoso central investigadas também são cruciais para a ativação da resposta hormonal ao estresse ou inflamação”, completa o pesquisador.

Alternativa brasileira ao laptop de US$ 100 chega ao interior de SP

Um projeto, batizado de Lap Tup-niquim, envolve uma tela sob a carteira escolar sensível a toques, sobre a qual se pode escrever, fazer desenhos ou equações. A tecnologia é do CenPRA, e em abril, cerca de 250 carteiras digitais irão chegar às salas de aula da cidade.

Na cidade de Serrana, próxima à Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, nasceu uma idéia que se apresenta como uma alternativa aos programas de inclusão digital na educação. O projeto, batizado de Lap Tup-niquim, envolve um conceito novo, com uma tela sob a carteira sensível a toques, sobre a qual se pode escrever, fazer desenhos ou equações. A tecnologia empregada, conhecida como BR Tablet, é nacional e foi patenteada pelo Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA). Neste mês de abril, cerca de 250 carteiras digitais irão chegar às salas de aula da cidade.

A carteira digital tem a aparência e a utilidade de uma convencional. Sobre o seu tampo de vidro, o aluno escreve e apóia livros normalmente. Mas, caso a professora deseje, o tampo torna-se um monitor de computador, sensível ao toque, sobre o qual o aluno escreve, desenha, faz cálculos, acessa a internet e trabalha com softwares educacionais. O tampo pode ser levantado, e abaixo dele fica um teclado, caso seja necessário digitar. A CPU do computador fica integrada ao tampo.

Aluna experimenta a carteira digital em evento.

Fotos: Victor Mammana

Miguel João, diretor de Projetos de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Serrana, afirma que a cidade investe muito em educação e já tinha instalado em salas de aula a lousa digital; uma superfície que serve tanto para que o professor escreva, quanto para projetar imagens de um computador, como apresentações de slides ou sites da internet. “Quando nós conhecemos o trabalho do Victor Mammana e da Alaíde Mamman, desenvolvedores da tecnologia do BR Tablet, nós tivemos a idéia da carteira”, conta.

A patente do BR Tablet foi registrada em 2001 pelo CenPRA e concedida nos Estados Unidos em 2005. Victor Mammana, pesquisador chefe da Divisão de Mostradores da Informação é um de seus autores. Existem várias patentes para telas de toque, mas há duas singularidades na do Tablet brasileiro: o preço final, muito inferior ao de outras tecnologias e o seu funcionamento multiponto, em que a tela pode ser tocada em vários lugares ao mesmo tempo. “Quando eu apresentei nossos trabalhos com o Tablet, muitas idéias de aplicação vieram até mim. A que mais me chamou atenção foi a de Serrana. Estamos trabalhando juntos. Meu papel foi colocar a tecnologia funcionando nas carteiras”, diz Mammana.

A maneira como um usuário interage com uma máquina, tecnicamente conhecida por interface, é totalmente alterada nesse modelo da carteira digital. O Lap Tup-niquim utiliza-se de um conceito novo de interação, denominado Surface PC, ou computador de superfície. Desse modo, um usuário não usa mouses ou teclados, todo o clique e escrita são feitos através de uma caneta que toca a tela. A tecnologia do Tablet, do CenPRA, liberada para uso nesse projeto com escolas públicas, barateou muito o display, pois é fabricada com materiais mais simples e, ao invés de usar o toque com os dedos, usa uma caneta. A diferença de preço chega a ser até 15 vezes menor do que os displays de toque convencionais.

Victor Mammana foi um dos avaliadores do programa “Um computador por aluno”, do governo federal. Os laptops de US$ 100 da OLPC (Um computador por criança, na sigla em inglês) e os modelos da Intel eram submetidos a ele para que fossem estudadas as condições de ergonomia e trabalho com estes computadores. “Nós tínhamos a impressão de que o display de 7 polegadas era pequeno demais e prejudicava o aluno. Até que conhecemos um trabalho de ergonomia cognitiva que atestava isso. O que me encantou na idéia de Serrana é que ela traz o computador para a sala de aula sem interferir na dinâmica dela. É uma carteira, que pode servir para apoiar um livro e escrever, mas também é um computador, que a qualquer momento pode acessar a Wikipedia ou o Google Earth”, conta.

O pesquisador afirma que a carteira digital ainda não tem um preço definido. Os 250 protótipos de Serrana estão com um custo de aproximadamente R$ 1 mil por unidade. O grande problema, segundo ele, é que os laptops de US$ 100 estão saindo por quase US$ 400, cerca de R$ 700. “Tanto é que o MEC [Ministério da Educação] fez uma licitação para comprar laptops, que foi cancelada. Com R$ 750, você compra um desktop com uma configuração muito superior a esses laptops”, argumenta.

No programa de Serrana, o custo é afetado pelo fato da produção das carteiras digitais não ser industrializada. O pesquisador do CenPRA acredita que numa escala maior, o preço pode ser reduzido para até R$ 800, um valor próximo ao atual dos laptops. Na cidade do interior, o processo de fabricação é feito por incubadoras sociais. A prefeitura centralizou os serviços de serralheria, pintura, eletricista e marcenaria e criou o Centro de Reuso de Equipamentos de Serrana. Ali, as carteiras convencionais são reformadas e convertidas em digitais.

Miguel João, da Prefeitura, fala das vantagens que enxerga nesse modelo. “Nós estamos reutilizando as próprias carteiras que tínhamos antes, e fazendo isto na própria cidade. Além disto, existe a questão do empoderamento. Quando a própria população participa do processo produtivo, a comunidade tem orgulho disto. Além disso, tendo o controle do processo no local, nós podemos experimentar alterações no projeto. Agora, por exemplo, estamos trabalhando num modelo para cadeirantes”.

Victor Mammana, do CenPRA, enxerga o projeto indo adiante no país. Ele relata que a Secretaria de Inclusão Social do Ministério de Ciência e Tecnologia tem interesse no Lap Tup-niquim. “O Tablet resgata a escrita. A criança usa o computador, mas mantém a escrita. Há uma interação direta com a imagem. Não tem mouse, o que evita problemas ergonômicos, usando-se a caneta. O laptop da OLPC tem um display muito pequeno, o que dificulta muito pedagogicamente”, avalia.

Pesquisador que ajudou a definir mecanismos da analgesia recebe prêmio

Anunciado na última quarta-feira (9), o médico e farmacologista Sérgio Ferreira, da Universidade de São Paulo/Ribeirão Preto, é o ganhador do Prêmio Almirante Álvaro Alberto 2007, um dos mais importantes prêmios em ciência e tecnologia do Brasil.

Desvendar os mecanismos de ação da aspirina, dipirona e morfina, drogas largamente utilizadas para o controle da dor, foi uma das contribuições do pesquisador Sérgio Henrique Ferreira, ganhador do prêmio Almirante Álvaro Alberto 2007, divulgado no último dia 9. Considerado um dos mais importantes em ciência e tecnologia do Brasil, o prêmio é uma parceria entre o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação Conrado Wessel.

Sérgio Ferreira contribuiu para o
desenvolvimento de uma nova geração
de drogas anti-hipertensivas

 

Médico e farmacologista da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Ferreira conta que seu interesse atual em pesquisa deriva de um histórico de cerca de 30 anos, quando ele e colaboradores descobriram como era o mecanismo de analgesia (perda ou ausência de sensibilidade à dor) da aspirina.

Observaram que a aspirina bloqueava a síntese da prostaglandina, substância (mediador lipídico) liberada durante o processo de inflamação. Vale destacar que John R Vane, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 1982, com quem Ferreira trabalhou, cita diversas vezes o pesquisador brasileiro no seu discurso de recebimento do prêmio.

Por muito tempo, Ferreira e colaboradores se debruçaram sobre o estudo dos mecanismos de liberação da prostaglandina, mas em seguida passaram a estudar mais a fundo a interação dessa substância com os neurônios. Constataram que a prostaglandina era capaz de sensibilizar os neurônios da dor, fazendo com que estes passassem a responder a um estímulo que antes não respondiam, induzindo a hiperalgesia (exacerbação da sensibilidade à dor). “O foco foi entender molecularmente como é que as coisas ocorrem dentro do neurônio, qual é o mecanismo molecular dessa sensibilização”, destaca Ferreira.

O pesquisador explica que esse estudo molecular de sensibilização o levou a compreender o mecanismo de ação da novalgina (dipirona). Ao contrário da aspirina, que previne a sensibilização, a dipirona bloqueia diretamente a hiperalgesia estabelecida, o que explica sua maior eficácia no controle de determinados tipos de dor. Por conta desse achado, “passamos a compreender que há drogas que têm dois tipos de analgesia: uma que previne e outra que bloqueia diretamente”, resume Ferreira. Outras drogas disponíveis no mercado, assim como algumas plantas utilizadas popularmente, apresentam também o mesmo mecanismo da dipirona. “Abrimos um leque de compreensão para conseguir imaginar como atuar agora nesse mecanismo molecular para desenvolver um conjunto de drogas que passem a ser um conjunto novo que atue na analgesia periférica”, completa Ferreira. Fernando Cunha, também da USP/Ribeirão Preto, resume: “Sérgio Ferreira é uma das pessoas que têm a maior experiência sobre os mecanismos de ação de analgésicos”.

Captopril

Mas a bagagem científica de Ferreira não se restringe aos analgésicos. Em 1965, ele publicou um artigo no periódico científico British Journal of Pharmacology, onde anunciava: “Os resultados descritos no presente artigo indicam que o veneno da [cobra] Bothrops jararaca contém um fator que potencializa in vivo e in vitro algumas das ações farmacológicas da bradicinina [molécula de função vasodilatadora]”. Possivelmente, ele não imaginava na época o impacto dos seus achados.

A molécula isolada pelo pesquisador brasileiro, conhecida como fator potencializador da bradicinina (BPF), foi o ponto de partida para o desenvolvimento de uma nova geração de drogas anti-hipertensivas (que diminuem a pressão arterial), entre elas o captopril, largamente utilizado para o tratamento de hipertensão, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio, entre outros.

Ferreira recebeu inúmeros prêmios e condecorações ao longo de sua carreira e publicou aproximadamente 280 artigos em periódicos científicos. Em 1990, a Sociedade Norueguesa de Hipertensão instituiu o Prêmio “Ferreira Award”, concedido aos pesquisadores cujas pesquisas se sobressaíssem na área de hipertensão. Ele é também editor-chefe do DOL (Dor On-Line), que publica boletins mensais com tópicos de interesse para clínicos, especialistas e pesquisadores interessados em dor. Há também uma área voltada para os pacientes.

Sobre o prêmio

Instituído em 1981, o prêmio Almirante Álvaro Alberto contempla, em sistema de rodízio, uma grande área do conhecimento por ano: ciências da vida; ciências exatas e da Terra; e ciências humanas e sociais. Por indicação do ministro da Ciência e Tecnologia, uma comissão de especialistas constituída por nove pesquisadores é formada para indicar quatro a seis candidatos ao prêmio.

O prêmio será entregue a Sérgio Ferreira no dia 6 de maio durante solenidade da Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro. Ele receberá um diploma, medalha e R$ 150 mil, quantia concedida pela Fundação Conrado Wessel.