A extinção ameaça anuros (sapos, rãs e pererecas) na América Central, devido à doença causada pelo fungo quitrídio Batrachochytrium dendrobatidis. Segundo o pesquisador do zoológico de Atlanta (EUA) Joseph Mendelson, em fevereiro deste ano a doença chegou à região panamenha de El Valle. De fevereiro para cá, cada vez mais animais têm sido encontrados mortos. “Todos os dados e precedentes indicam que os anfíbios serão virtualmente eliminados do local antes do fim de 2006”, alerta o pesquisador, que faz parte de um esforço de criar os animais em cativeiro nos Estados Unidos e, em breve, no Panamá. A iniciativa gera protestos na comunidade científica, que questiona até que ponto esse tipo de intervenção é eficaz para proteger espécies ameaçadas.
A chegada do quitrídio a El Valle estava prevista em um estudo publicado em fevereiro deste ano, que demonstra o avanço da doença para o sudeste ao longo da Cordilheira Central panamenha. Os dados permitiram calcular quando o último enclave de várias espécies – El Valle – seria atingido.
O aviso antecipado permitiu que Mendelson e colegas organizassem uma operação de resgate, que retirou centenas de sapos do Panamá. Em tempos de caça à biopirataria a iniciativa causa desconfiança, mas os herpetólogos (especialistas em répteis e anfíbios) agiram com o aval das autoridades panamenhas.
Para obter a autorização de coleta os norte-americanos, em colaboração com o colega panamenho Roberto Ibáñez, apresentaram à Autoridade Nacional do Meio Ambiente (Anam, na sigla em espanhol) um relatório que demonstrava a iminência das extinções. Como resultado, foi feito o acordo de remoção dos animais, assim como a construção de instalações no próprio Panamá – o El Valle Amphibian Conservation Center (EVACC), construído pelo zoológico de Houston (EUA). Este centro só estará em pleno funcionamento em agosto próximo, o que poderpa ser tarde demais para os animais. Por isso, argumenta Mendelson, foi preciso começar o projeto nos Estados Unidos. Neste momento, novas coletas estão sendo feitas nas áreas já afetadas pelo fungo para transferir anuros para o cativeiro local e tratá-los.
Diversidade genética
Um ponto muito debatido da conservação em cativeiro é a dificuldade de manter diversidade genética adequada. Embora representantes de uma espécie sejam muito semelhantes a nossos olhos, há um imenso acervo oculto. É essa diversidade no patrimônio genético que permite a uma espécie reagir a doenças, por exemplo – os indivíduos com capacidade de resistência sobrevivem e se reproduzem. “Preservar 15 indivíduos não adianta, geneticamente a espécie está extinta”, argumenta Célio Haddad, herpetólogo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.
Joseph Mendelson concorda, e explica que o ideal seria montar uma população em cativeiro com um número muito grande de indivíduos não aparentados, de forma a manter variedade. Mas a realidade é outra. “O que faz um conservacionista quando só restam cinco indivíduos daquela população no planeta?”. Numa situação de emergência, ele defende que se faça o possível. É provável que a iniciativa fracasse em impedir extinções, mas o norte-americano acredita que as tentativas não prejudicam outras estratégias.
No caso dos animais transportados para o zoológico de Atlanta, a equipe coletou tantos indivíduos quanto possível, de 35 espécies que corriam maiores riscos de extinção, segundo estudos anteriores. Dessa forma, algumas espécies estão representadas por quatro indivíduos; outras, por 40. Longe do ideal, mas, de acordo com Mendelson, o possível. Ronald Gagliardo, também do zoológico de Atlanta, diz que já conseguiram reproduzir em cativeiro cerca de uma dúzia de espécies, algumas delas pela primeira vez no mundo.
Talvez seja possível manter os animais vivos e reproduzi-los em cativeiro. Mas o passo seguinte é ainda incerto. Para reintroduzir os anuros em seu ambiente original, muita pesquisa é ainda necessária. Retornar a áreas infectadas seria uma sentença de morte, afirma Gagliardo.
Estratégias de conservação
Além das dificuldades técnicas em se criar uma população representativa em cativeiro, muitos biólogos acreditam que iniciativas de conservação ex-situ (fora da área natural de distribuição) são perigosas. Kelly Zamudio, da Universidade Cornell (EUA), acha que elas “passam a idéia errada de que são a solução para problemas ambientais”.
Joseph Mendelson, porém, argumenta que este caso é especial. “Mesmo os habitats mais preservados do mundo e as leis mais restritivas estão fracassando em evitar extinções de anfíbios”. O quitrídio não respeita leis nem parques nacionais. Ele defende a importância de se fazer pesquisa básica para compreender a genética da resistência a doenças em populações remanescentes. No entanto, esses estudos demoram, e o herpetólogo argumenta que é necessário ter animais vivos para no futuro tentar reintroduzi-los no ambiente.
Mas o conceito de conservação ex-situ vem ganhando força, sobretudo nos Estados Unidos. É o que conta Bruno Pimenta, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Projetos desse tipo chamam muito a atenção da mídia, sendo altamente atrativos para doadores (empresas, fundações, etc.)”, afirma. Por isso, segundo ele, o enfoque de cativeiro foi destaque no Plano de Ação de Conservação de Anfíbios, um workshop que reuniu 60 cientistas de todo o mundo em setembro do ano passado em Washington (EUA). O pesquisador relata que a maioria de seus colegas foi contra a adoção dessa estratégia, que cresce em detrimento de investimento para estudos do meio ambiente e sua proteção.
No Brasil, o quitrídio foi detectado, mas até agora não se mostrou letal como na América Central. Até agora, o grande desafio de conservação é a perda de habitat devido a desmatamento. Haddad sugere que fazendeiros sejam obrigados a reconectar fragmentos de Mata Atlântica, de forma a proporcionar uma maior área viável para animais. “A conservação tem que ser feita in situ“, defende.