Mulheres do mundo inteiro têm abortado menos hoje em dia do que na década de 1990. Um estudo publicado em outubro no periódico inglês Lancet (vol.370, n.9595) mostra que houve uma redução de 9% no número total de abortos induzidos em 2003 em comparação a 1995. O trabalho realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Instituto Alan Guttmacher credita essa queda, principalmente, à facilitação do acesso a métodos anticoncepcionais e à regulamentação de leis mais liberais que tiram tal prática da clandestinidade. Mas os pesquisadores ressaltam que o aborto ainda é um problema em países onde tal procedimento é altamente restrito por lei, a exemplo do que ocorre no Brasil.
Aqui, outra pesquisa dá conta de que 30% de todas as gravidezes terminam em abortos induzidos, embora o número total siga a tendência mundial de diminuição. “Isso consolida a idéia de que a anticoncepção no Brasil ainda não atingiu um volume suficiente para evitar a elevada proporção de gravidezes indesejáveis”, afirmam Mario Francisco Giani Monteiro e Leila Adesse, autores da estimativa realizada em 2006.
Em todo o planeta, 42 milhões de abortos foram induzidos em 2003, contra 46 milhões em 1995. O leste europeu possui a maior proporção de abortos intencionais. De cada mil mulheres em idade fértil (entre 15 e 44 anos), 44 abortaram no ano de 2003. Segundo os pesquisadores da OMS, o elevado número de abortos nessa região é devido aos resquícios da política praticada pela antiga União Soviética que privilegiava o aborto de baixo custo às pacientes ao invés do uso de anticoncepcionais. Já o menor índice pertence à Europa Ocidental, 12 por mil. Na América do Sul a proporção é de 33 abortos por mil mulheres, uma das mais altas da pesquisa.

Apesar da elevada taxa sul-americana, o Brasil tem feito a sua parte. Só no Nordeste houve uma redução de 50% no número de abortos induzidos em treze anos, segundo a estimativa apresentada no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais pelos médicos Monteiro e Adesse. O uso maior e de modo mais eficaz de métodos anticoncepcionais também é considerado o principal responsável pela queda no número de abortos induzidos por aqui.
Em 2005 foram realizados por volta de um milhão de abortos intencionais em todo o país. Para obter esse número se multiplicou o total de internações no Sistema Único de Saúde (SUS) por cinco, atendendo a hipótese do Instituto Alan Guttmacher que considera que apenas 20% das mulheres que induziram um aborto tiveram que ser hospitalizadas devido às complicações.
Por um lado, as políticas brasileiras relacionadas ao aborto têm contribuído para diminuir o número de mulheres que arriscam suas vidas em clínicas clandestinas ou em abortos auto-induzidos. Mas por outro, muito ainda precisa ser feito para alcançarmos as taxas de alguns países europeus. Pois, enquanto no Nordeste e Sudeste para cada mil mulheres entre 15 e 49 anos 20,7 abortam anualmente, na Holanda, Suíça, Bélgica e Alemanha essa taxa é de seis a sete abortos por mil.
Leis permissivas
Nas regiões em que a lei é restritiva em relação aos abortos, eles “são freqüentemente feitos por pessoas sem qualificação, auto-induzidos, ou ainda, feitos em condições médicas sem os cuidados higiênicos necessários”. Os cientistas da Organização ainda afirmam que, mesmo que o aborto seja feito por um profissional de saúde treinado, as pacientes submetidas a um procedimento clandestino e ilegal normalmente não recebem cuidados médicos apropriados no pós-aborto. E, em caso de complicações, elas demoram a receber o devido cuidado.
No Brasil, o aborto é considerado crime. A mulher que aborta pode ser presa pelo período de um a três anos. Os únicos casos em que o médico pode abortar são quando esse é o único meio da gestante sobreviver ou em casos de estupro nos quais a mulher violentada consinta com a realização do aborto.
A lei atual pode, no entanto, ser modificada em breve. Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados desde 1991 propõe a descriminalização do aborto induzido. A proposta aguarda o Superior Tribunal de Justiça decidir a partir de quando uma vida humana tem início para então ir à votação. Cansado de esperar pela decisão judicial, o relator do projeto, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), afirmou que vai apresentar seu parecer sobre a descriminalização do aborto no fim de novembro com ou sem veredicto.
O projeto de Mudalen é um dos mais antigos, mas não o único a querer alterar o Código Penal no que diz respeito ao aborto induzido. Segundo o portal de notícias BBC Brasil, existem 30 projetos de leis sobre o assunto tramitando na Câmara dos Deputados atualmente. Metade deles quer tornar a lei mais permissiva, metade quer restringir ainda mais a prática.
Para o professor de obstetrícia da Universidade Estadual de Campinas, Aníbal Faúndes, a descriminalização do aborto e sua respectiva cobertura pelo SUS é uma solução viável para diminuir a mortalidade materna. “Existe um conceito sem fundamento no Brasil de que se forem criadas leis que liberem o aborto, as mulheres vão sair por aí abortando. Independentemente do quão fácil ou seguro seja realizar um aborto, isso não é prazeroso para mulher nenhuma. O aborto é sempre uma medida extrema.”
Faúndes acrescenta que “no hospital, as mulheres que abortam recebem orientações que podem retirá-las do ciclo vicioso gravidez indesejada/aborto”. Mas, no Brasil de hoje, apenas uma a cada quatro dessas mulheres dá entrada em hospitais.
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