Os morcegos, que por muitos anos foram vilões de histórias de terror, podem se tornar heróis da conservação ambiental nos dias de hoje. Isso é o que aponta um estudo iniciado em 2000 e realizado por um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que estão usando estes mamíferos para auxiliar no reflorestamento de áreas degradadas. Os animais utilizados no estudo se alimentam de frutos e espalham sementes de várias espécies vegetais ao defecar durante o vôo, o que ajuda a manter as características da vegetação original da região que percorrem.
Segundo a pesquisa, estes animais mantém estreitas relações com alguns grupos de plantas e têm no olfato um dos principais sentidos para localizar seu alimento, que são frutos maduros. A partir daí, o grupo de pesquisadores imaginou que poderia aproveitar esses conhecimentos para atrair esses importantes dispersores para as áreas degradadas.
“Os morcegos frugívoros – que se alimentam de frutos e dispersam sementes – são reconhecidamente um dos grupos mais importantes de dispersores de espécies florestais, defecando sementes em amplas áreas, já que realizam amplos deslocamentos, inclusive sobre áreas desprovidas de vegetação”, explica Sandra Bos Mikich, pesquisadora da Embrapa Florestas, instituição coordenadora e financiadora do estudo. Mikich, junto com Gledson Vigiano Bianconi, doutorando em Zoologia no Instituto de Biociências da Unesp, e Maria Lucia Ferreira Simeone, química também da Embrapa Florestas, formam a equipe principal do projeto, que planejou a técnica de dispersão de sementes.
A técnica simples e inusitada pode acelerar e direcionar a recuperação de áreas desflorestadas. O resultado pretendido é um replantio mais completo, que mantém as características do ambiente a ser reconstituído, com espécies variadas encontradas na região a ser recuperada. Isso não ocorre no plantio tradicional, pois as mudas das espécies típicas dessas regiões são limitadas, e muitas vezes acabam ficando de fora do reflorestamento.
Os locais escolhidos para o estudo são as regiões sul da Mata Atlântica e central da Floresta Amazônica, especialmente áreas ocupadas por atividades agrícolas e pastagens que precisam ser convertidas em florestas novamente para atender à legislação ambiental. O desempenho desses novos “agentes ambientais” é monitorado e analisado por botânicos da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para atrair os morcegos nas áreas desejadas e, deste modo, fazer com que cumpram a função pretendida, o grupo de pesquisa utilizou óleos essenciais – compostos que conferem odor – extraídos dos frutos que os morcegos consomem. A pesquisa já provou que o método é eficiente: “Os óleos essenciais podem atrair os morcegos dispersores de sementes tanto no interior de remanescentes florestais, onde há alimento para eles, quanto em áreas totalmente desprovidas de vegetação”, declara Mikich. “Nesse último caso, eles ficam ’procurando’ o suposto alimento (enganados pelo odor) e, com isso, aumenta a probabilidade de defecarem sementes no local a ser recuperado, já que a passagem das sementes pelo tubo digestivo dos morcegos costuma ser rápida (de 20 a 30 minutos)”, conclui.
Impacto
Apesar da técnica ainda não estar totalmente desenvolvida, é possível fazer uma previsão de seu impacto. Economicamente, haverá uma grande redução dos gastos na recuperação de florestas degradadas, já que hoje normalmente essas áreas são recuperadas com o plantio de mudas, que apresentam um custo considerável, seja para o produtor rural, seja para o governo, que subsidia muitos dos viveiros de mudas utilizadas no reflorestamento.
No entanto, o maior impacto será ambiental, pois as sementes dispersas pelos morcegos são exatamente aquelas que ocorrem na região a ser reconstituída, permitindo a recuperação dessas áreas não apenas na sua função – cobertura de solo, proteção de rios e mananciais -, mas também na sua forma, ou seja, na composição e relação entre as espécies semelhantes à original.
Os resultados obtidos até o momento mostram que os pesquisadores estão no caminho certo, mas ainda há uma longa estrada a percorrer, e muitos desafios a enfrentar. “Um dos maiores desafios é, como sempre, a falta de recursos. Somente em dezembro último conseguimos adquirir um equipamento indispensável para realizar a análise dos óleos essenciais extraídos dos frutos. Essas análises são fundamentais para seguir aprimorando a técnica, já que hoje ela não é viável em larga escala”, diz Mikich. Além disso, existem outros problemas a serem resolvidos. Algumas áreas recebem uma quantidade grande de sementes, mas problemas no solo, ou ainda outras causas, impedem a germinação e o estabelecimentos da vegetação. Nesse caso, é preciso corrigir essa situação para que a técnica possa ser empregada.
O próximo passo da pesquisa é tornar a técnica viável em larga escala. Para isso, é preciso que sejam feitos estudos adicionais sobre os óleos essenciais. Para não ter que coletar frutos na floresta e então extrair o óleo – o que dificulta e atrasa o estudo – o grupo pretende identificar os componentes responsáveis pela atração dos morcegos, realizando inclusive testes em cativeiro, e sintetizá-los em laboratório, para assim utilizá-los em mais localidades e ampliar o alcance da pesquisa.