Modelos computacionais ajudam no entendimento da epilepsia

O Laboratório de Neurociência Experimental e Computacional, da Universidade Federal de São João del-Rei, desenvolveu modelos computacionais que são usados para testar hipóteses que possam ser verificadas por meio de experimentos biológicos. As pesquisas ali são concentradas nos aspectos neurobiológicos da epilepsia.

A neurociência computacional, campo interdisciplinar que une diferentes áreas, como neurobiologia, física, matemática aplicada, engenharia elétrica, ciência da computação e psicobiologia, criou modelos matemáticos e computacionais para simular e entender a função e os mecanismos do sistema nervoso. O Laboratório de Neurociência Experimental e Computacional (Lanec) da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), por exemplo, desenvolveu modelos computacionais que são usados para testar hipóteses que possam ser verificadas por meio de experimentos biológicos. As pesquisas ali são concentradas nos aspectos neurobiológicos da epilepsia – condição neurológica crônica comum, caracterizada por crises epilépticas repetidas – e utilizam modelos experimentais e modelos matemáticos.

Os modelos experimentais são realizados com ratos de laboratório que são tratados, de acordo com normas internacionais para experimentação com animais, para desenvolverem crises epilépticas. Pode-se ainda utilizar fatias de cérebro desses animais, que são manipuladas quimicamente para reproduzirem as crises; ou ainda, são utilizadas culturas de neurônios retirados de cérebros de animais normais e epilépticos.

“Com o animal, registramos seus comportamento e atividade elétrica do cérebro. Com as fatias, além do registro da atividade elétrica, gravamos ainda imagens que, posteriormente, são processadas e revelam, dentre outras coisas, a área do tecido envolvida ao longo dos registros elétricos. Com neurônios isolados, registramos a atividade elétrica dentro da célula, bem como de estruturas da membrana celular, denominadas canais iônicos, que estabelecem a comunicação do interior do neurônio com seu exterior”, explica Antônio-Carlos Guimarães de Almeida, engenheiro biomédico e coordenador do Lanec.

Essas informações são, então, utilizadas para representar matematicamente a estrutura neuronal do tecido. Como são milhares de equações matemáticas, elas são resolvidas computacionalmente e segue-se um longo estudo visando reproduzir as atividades registradas. Quando os registros são reproduzidos, muita informação pode ser extraída do processo de indução e geração das atividades. “As contribuições são muito grandes com esse tipo de abordagem. Até mesmo o número de animais utilizados nas investigações acaba sendo reduzido, já que as simulações computacionais guiam melhor os novos experimentos que deverão ser realizados, evitando procedimentos desnecessários”, avalia Almeida.

Segundo ele, os modelos matemáticos desenvolvidos são inovadores porque permitem simular com maior detalhe a eletroquímica da atividade epiléptica, envolvendo desde movimentação iônica não só através da membrana neuronal e glial (células que compõem o cérebro), mas também ao longo de todo o meio que circunda essas células. “Reações químicas que descrevem as interações de drogas com mecanismos neuronais também são simuladas, permitindo investigar a atuação de fármacos durante as atividades”, complementa.

Os modelos, que são desenvolvidos há mais de 15 anos, fundamentam-se na representação dos fluxos iônicos através das membranas neuronais e gliais e ao longo de todo o tecido estudado. Para o cálculo desses fluxos, os mecanismos ou processos mais importantes para o transporte iônico são representados por meio de reações químicas que, por sua vez, são representadas matematicamente e implementadas computacionalmente. Com isso, pode-se dizer que tal procedimento consiste na construção de um tecido cerebral virtual para reprodução da atividade elétrica. “Como se tratam de modelos computacionais muito complexos e que envolvem um número muito grande de cálculos, esses modelos são processados em dois clusters de computadores do nosso laboratório de computação”, explica Almeida.

Para desenvolver esse tipo de pesquisa, o Lanec conta com uma equipe multidisciplinar com dois engenheiros, um especialista em computação, um físico, dois biólogos e um bioquímico, todos eles com mestrado e doutorado em áreas afins à neurociência. Os laboratórios que compõem o Lanec dão suporte à equipe em eletrofisiologia, histoquímica e imuno-histoquímica, cultura de células, purificação de enzimas e proteínas de membrana, computação serial e paralela e contam ainda com infra-estrutura de oficina de mecânica e eletrônica.

“Com nossos trabalhos, já somos capazes de reproduzir computacionalmente eventos epilépticos induzidos na ausência de sinapses químicas”, relata Almeida. As sinapses são estruturas de comunicação entre neurônios que envolvem a liberação de neurotransmissores. A grande maioria das drogas utilizadas no tratamento das epilepsias atua nessas estruturas. Entretanto, quando as crises se prolongam e tornam-se intensas, acredita-se que passem a ser sustentadas por conexões do tipo não-sináptica, daí a ocorrência de crises que são resistentes aos medicamentos usuais. “Com os modelos matemáticos, conseguimos reproduzir computacionalmente esse tipo de crise e entender os aspectos biofísicos que são preponderantes para a sustentação das atividades epilépticas. Esse tipo de informação é importante para a busca de drogas que interfiram nas atividades e sejam capazes de inibi-las”, diz o pesquisador.

No Brasil, a pesquisa sobre epilepsia segue mais ou menos a mesma tendência dos principais centros de pesquisa do mundo. “Acredito que no Brasil, os maiores avanços deverão se dar nos aspectos multidisciplinares da doença. Aí, ainda há muito a ser feito e a colaboração de especialistas de diferentes áreas, indo da engenharia à biologia, será essencial para se avançar ainda mais no conhecimento das epilepsias. A complexidade do cérebro e, portanto das epilepsias, reside na intricada relação entre mecanismos físicos, químicos e biológicos. Portanto, há muito que se investir na formação de grupos multidisciplinares para esse tipo de estudo”, finaliza Almeida.