Apesar da proximidade geográfica e das semelhanças culturais entre os países da América Latina, ainda é pequena a presença, nos jornais da região, da ciência produzida nos países vizinhos. A constatação faz parte de uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Divulgação Científica, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que foi apresentada na última quarta-feira (06/02) no Congreso Iberoamericano de Ciudadanía y Políticas Públicas en Ciencia y Tecnología, em Madrid (Espanha). O evento tem como principal meta proporcionar maior intercâmbio entre as experiências ibero-americanas em ciência e tecnologia.
Segundo Luisa Massarani, coordenadora da pesquisa na Fiocruz, a divulgação científica mais freqüente na América Latina é aquela que focaliza a ciência produzida em países desenvolvidos. Apenas em segundo plano aparece a ciência nacional. Esse quadro deixa pouco espaço para as notícias dos demais países latino-americanos que “têm mais em comum com o país de origem do jornal, do que os países ricos”, explica. Segundo ela, muitas vezes os jornais dão destaque inclusive para pesquisas e pesquisadores de pouca expressão apenas por serem de países do primeiro mundo.
A pesquisa, desenvolvida por Massarani e Bruno Buys, teve como objetivo fazer uma análise da cobertura jornalística de temas de ciência e tecnologia na América Latina e tomou por base doze jornais, de nove países: Clarín e La Nación (Argentina); Folha de São Paulo e O Globo (Brasil); El Mercurio (Chile); El Tiempo (Colômbia); La Nación (Costa Rica); El Comercio (Equador); Reforma e La Jornada (México); El Nuevo Día (Porto Rico) e El Nacional (Venezuela). Foram analisadas 969 matérias, publicadas entre janeiro e julho de 2006 e coletadas nos portais dos jornais na Internet. A seleção desse material teve como critérios o impacto dos periódicos em seus países, a cobertura regular de ciência e tecnologia, a presença de uma seção dedicada ao tema, ainda que com outro nome, e a presença de jornalistas dedicados ao assunto.
Além de analisar o material coletado, os pesquisadores entraram em contato com os editores das seções de ciência dos jornais para entender o processo cotidiano de tomada de decisão, sobre o que deve ou não ser publicado, e para apresentar à eles os dados levantados pela pesquisa sobre o jornal que eles próprios editam.
O estudo de Buys e Massarani revelou que há uma grande variação no número de matérias publicadas pelos jornais. “O mais interessante é que os dois jornais que publicaram mais notícias – comenta Massarani – são de países menores, Costa Rica e Porto Rico, que deixaram para trás países que têm um jornalismo científico mais forte e consolidado, como Brasil e México”. Um dos motivos apontados pela editora do La Nación, da Costa Rica, para o grande número de matérias sobre o tema é que, além da crescente importância e prestígio da ciência no país, o tema é fonte de boas notícias em meio à más notícias das outras seções do jornal.
Quanto aos assuntos abordados, o destaque ficou para saúde e medicina, que despontaram em todos os jornais, chegando a 57% dos textos do La Nación, da Argentina. “Medicina e saúde são temas que os editores consideram de interesse do público”, explica Massarani. A pesquisadora constatou também que predominam textos de agências de notícia e que os cientistas são as principais fontes das matérias.
“Quase todos os jornais apresentam uma visão muito positiva da ciência, algo que foi confirmado pelos editores”, diz Massarani. A editora do jornal El Nacional, da Venezuela, atribui o fato à própria origem do jornalismo científico em seu país, que surgiu para promover a ciência. Outros dados revelam que os benefícios da ciência estão muito mais presentes nas matérias do que as controvérsias e os riscos (apontados em menos de 9% dos textos). Outras características reveladas pela pesquisa apontam a ciência apresentada como resultado do trabalho de apenas um único indivíduo. Além disso, quando publicada em uma seção específica, a ciência é desvinculada de seu contexto. “Em outras seções é que se fala dos interesses econômicos e das questões sociais vinculadas à ciência”, completa Massarani.
“O que observamos é uma fragilidade do jornalismo científico, que existe, muitas vezes, por iniciativas pessoais e recebe pouco apoio por parte do governo e dos próprios jornais”, conclui ela. As pesquisas continuam agora com a análise dos dados relativos ao segundo semestre de 2006. Massarani ainda não chegou a uma conclusão sobre a existência de um jornalismo científico próprio da América Latina, mas acredita que, muito do que se faz hoje, está mais vinculado à orientação editorial do próprio jornal e, principalmente, ao trabalho e as visões do editor.
Cidadania e políticas públicas
Em sua primeira edição, o Congreso Iberoamericano de Ciudadanía y Políticas Públicas en Ciencia y Tecnologíaocorre entre os dias 05 e 08 de fevereiro, no Centro de Humanidades e Ciências Sociais de Madrid. O objetivo mais amplo do encontro é a discussão de questões teóricas e metodológicas de distintos temas relacionados à ciência e tecnologia, como percepção social, cultura científica e participação pública. Como meta principal está a promoção de mais interação entre ciência e sociedade e o fortalecimento das políticas públicas de ciência e tecnologia nos países iberoamericanos. Para isso estão presentes no evento pesquisadores de treze países: Espanha, Portugal, Brasil, Argentina, México, Venezuela, Colômbia, Cuba, Peru, Equador, Chile, Costa Rica e Uruguai.
O congresso é idealizado e organizado pela Fundação Espanhola para a Ciência e Tecnologia (FECYT), pela Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI), pelo centro REDES, sede da Rede Iberoamericana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (RICYT) e pelo Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), da Espanha.
Além de Massarani, também estão presentes Ildeu de Castro Moreira, do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, e Carlos Vogt, secretário de Educação Superior do Estado de São Paulo, que realiza a conferencia de encerramento do congresso, na tarde de sexta (08/2).