Interdependência marca relações entre Estado e mídia no Brasil

Octavio Penna Pieranti, pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, analisa, em artigo publicado no periódico Lua Nova, a relação de interdependência da mídia e políticas brasileiras e defende a necessidade de uma revisão urgente das leis que atualmente regulam a comunicação social no Brasil.

A mídia, no Brasil, não pode ser entendida sem a política. Isso porque, desde a chegada da imprensa em território brasileiro, essas duas esferas de poder são marcadas por uma relação de interdependência. Octavio Penna Pieranti, pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), analisa em artigo publicado na última edição de Lua Nova: revista de cultura e política (n° 68), essa relação e confirma a necessidade de uma revisão urgente das leis que atualmente regulam a comunicação social no Brasil.

O pesquisador começou sua análise na origem da imprensa no Brasil, no século XVIII, seguiu até 1962, quando o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) foi criado, passou pelo período da ditadura militar, a abertura democrática, até chegar à crise na mídia brasileira – da década de 1990 até o início deste século.

Durante o período do regime militar, os setores de radiodifusão e de imprensa foram analisados sob dois vértices. O primeiro refere-se aos investimentos em infra-estrutura e a modernização das transmissões de rádio e televisão, que durante os governos militares, notadamente o de Castelo Branco (1964-67) e de Arthur da Costa e Silva (1967-69), se destacaram com grandes investimentos em melhorias técnicas. O segundo analisa o controle exercido pelo governo através do corte de ajuda financeira às empresas não alinhadas ao regime e através da repressão e da censura naquelas antipáticas às leis militares. O Ato Institucional número 1, por exemplo, de 1964 e o Ato Institucional número 5, de 1968, suspenderam as garantias constitucionais. Outras medidas foram tomadas para limitar a liberdade de expressão. “O Decreto-Lei 898, de 1969, conhecido como Lei de Segurança Nacional, e a Lei 5.250, de 1967, conhecida como Lei de Imprensa, estabeleceram limitações à manifestação de pensamento e à liberdade de imprensa. Aliadas a outros dispositivos legais, essas regulamentações facilitaram a coerção, por parte de atores ligados ao governo federal, a profissionais de imprensa”, explica Pieranti.

Com o fim do regime, o primeiro civil no comando do Ministério das Comunicações foi Antonio Carlos Magalhães, que permaneceu no cargo durante todo o governo de José Sarney. “A família Magalhães é dona da TV Bahia (afiliada da TV Globo) e de jornais e controla outras emissoras no interior do estado”, lembra Pieranti. Ele enfatiza ainda o caso da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, cuja aprovação da emenda que autorizou a reeleição teria sido possível graças – entre outros fatores – a distribuição, pelo Ministério das Comunicações, de 1.848 Estações Retransmissoras de Televisão (RTVs). “Quase 400 dessas RTVs, principalmente as destinadas a deputados, senadores e prefeitos, receberam autorização para funcionar em dezembro de 1996, apenas um mês antes da votação em primeiro turno da emenda da reeleição na Câmara dos Deputados. As concessões, mais uma vez, contribuíram decisivamente para que o poder público pudesse aprovar uma medida polêmica”, afirma.

Antigas práticas foram não apenas mantidas como também ampliadas, como é o caso do atual regime de concessão pública de rádio e TV para parlamentares, embora o código de ética o proíba. Não é novidade que inúmeros parlamentares detém concessões de meios de comunicação. Segundo dados divulgados pela Agência Repórter Social, um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados eleitos para o mandato de 2007 a 2010 controlam rádios ou televisões. No entanto, no último dia 20 de dezembro, os parlamentares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara, responsáveis por analisar e aprovar as concessões, rejeitaram 83 pedidos alegando falta de documentos para uma análise detalhada dos pedidos (leia matéria). publicada na Carta Maior.

Outro momento que ilustra a interdependência mídia-política é a crise no setor de comunicações nos anos 1990. Consequentemente houve diminuição da circulação de revistas entre os anos de 2000 e 2002 de 17,1 milhões para 16,2 milhões de exemplares por ano, enquanto os jornais passaram de 7,9 milhões para 7 milhões de exemplares ao ano. Entre as emissoras de TV, a Manchete acabou vendida, depois de 15 anos de funcionamento, por estar afundada em dívidas. A dimensão da crise se tornou pública quando associações representativas das empresas do setor pediram ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) R$1,2 bilhão para a compra de papel jornal e de R$ 5 bilhões para o refinanciamento de dívidas. A intervenção pública no setor privado das comunicações põe em dúvida, acredita Pieranti, o papel essencial da imprensa que é o de fiscalizar o poder público. “Trata-se de pilares equivocados sobre os quais se organizam as empresas de radiodifusão e de imprensa: elas dependem excessivamente das verbas constantes do poder público e parecem preferir assim fazê-lo a buscar outras fontes de renda”, analisa.

Segundo o autor da pesquisa, em todos os períodos, inclusive no atual, é possível identificar um eixo central nas relações entre governo e meios de comunicação, seja através do repasse de verbas, empréstimos ou veiculação de propagandas de estatais. Por isso, ele é incisivo ao afirmar a urgente necessidade de reformulação das leis que regulam o setor de comunicações no Brasil. Outro ponto destacado são as legislações ultrapassadas e a fragilidade das leis mais recentes. “Tramitaram e ainda tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de lei que têm como objetivo a regulação da atividade jornalística e da radiodifusão, faltando, ainda, passados quase vinte anos do fim do regime militar, suas aprovações“, explica. É necessário ainda políticas públicas mais transparentes para o setor de comunicações, de modo a facilitar investimentos sem o comprometimento da liberdade e da isenção da imprensa.

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