Governo desconhece criminalidade e usa mal os recursos para segurança

As estatísticas oficiais não demonstram a real dimensão da criminalidade no país, porque grande parte dos crimes não é registrado pela população. Em virtude desse retrato falho da violência, os recursos destinados à segurança pública são indevidamente aplicados. Isso é o que defende Marcelo Justus dos Santos, pesquisador da USP, em seu recente estudo.

Rebeliões em presídios, assassinato de policiais, assaltos e roubos. Se você acha que a violência no país atualmente está em níveis altos saiba que nem tudo o que acontece é contabilizado, pois a criminalidade no país é maior do que os registros oficiais conseguem mostrar. Apenas um terço dos crimes são registrados nas delegacias e, como conseqüência, os recursos destinados para a segurança pública são insuficientes e distribuídos de forma errada, explica o pesquisador Marcelo Justus dos Santos. Para ele, as pessoas deveriam estar conscientes que colaboram com a criminalidade ao não registrarem os crimes dos quais são vítimas.

Em trabalho concluído em junho deste ano, junto ao departamento de economia, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da USP, Santos aponta para a necessidade das pessoas registrarem os crimes dos quais são vítimas. Ele explica que é por meio dos registros de ocorrências que as autoridades competentes conhecem melhor a criminalidade a qual a sociedade está exposta e conseguem direcionar apropriadamente os recursos disponíveis.

Para o pesquisador, entre os motivos que levam as vítimas a não registrarem queixas está o tempo gasto para fazer isso. “A vítima avalia o custo-benefício de fazer o boletim de ocorrência. Entre os aspectos que a pessoa analisa estão o tempo que ela irá gastar para ir até uma delegacia, a gravidade do fato, as chances de recuperar o que perdeu e a possibilidade de punição daquele que cometeu o crime”, afirma.

Por outro lado, o custo-benefício de entrar no mundo do crime também é analisado pelos “potenciais criminosos”. O pesquisador acredita que entre os fatores que pesam nesta decisão estão as poucas oportunidades de trabalho, além de baixos rendimentos no mercado de trabalho legal, em contraposição a alta rentabilidade de atividades criminosas.

Santos acredita também que exista uma “sensação de impunidade”, a qual incentiva o aumento da criminalidade. A justificativa para essa afirmação é que na maior parte das vezes é pequena a probabilidade dos crimes serem registrados às autoridades, assim como poucas as chances do criminoso ser capturado e condenado. Ele cita ainda a baixa severidade das penas como outro aspecto que incentivaria a ocorrência de crimes.

Enquanto o verdadeiro tamanho da criminalidade é desconhecido, os recursos destinados para a segurança pública acabam sendo, conseqüentemente, insuficientes e mal aplicados. Para tentar reverter o quadro, Santos ressalta a urgência de campanhas que alertem a população para a importância do registro dos crimes, que possibilitaria dados mais fidedignos sobre esse panorama.

Além disso, o pesquisador sugere a realização de uma pesquisa nacional indagando as pessoas se elas já foram vítimas de algum tipo de crime em período determinado (essas pesquisas são chamadas de pesquisa de vitimização). Dessa forma, taxas de criminalidade mais condizentes com a realidade nacional seriam produzidas e os dados poderiam ser usados para auxiliar no desenvolvimento das políticas públicas adequadas.

Políticas públicas integradas para diminuir a criminalidade

Santos avalia que a questão da criminalidade deva ser encarada como algo influenciado também por problemas econômicos estruturais do país. Ele enumera uma série de políticas públicas integradas que poderiam ser adotadas pelo governo para tentar diminuir os problemas de criminalidade. Entre as medidas citadas estão políticas que promovam a distribuição de renda e que reduzam o tempo que uma pessoa fica desempregada. Ele menciona também as políticas de qualificação profissional e ações que evitem a reincidência no crime.

Para agilizar o atendimento das pessoas que desejam fazer o registro de ocorrências nas delegacias, ele sugere a melhoria no treinamento dos profissionais e um retorno da polícia para as pessoas que fazem registro de ocorrência. Com o levantamento do real tamanho da criminalidade e aonde ela se concentra, o pesquisador defende a necessidade de mais recursos para a segurança pública, além de sua aplicação correta.

A pesquisa concluída por Santos denomina-se “Uma abordagem econômica da criminalidade no Brasil” cuja orientação foi da professora doutora Ana Lúcia Kassouf. O CNPq foi o financiador do trabalho.

Pobres são os que mais sofrem com a violência no Brasil, diz Anistia Internacional

relatório de 2006 da Anistia Internacional, divulgado em maio deste ano, afirma que os brasileiros pobres e socialmente excluídos são os que mais sofrem violações dos direitos humanos. O documento relaciona a enorme desigualdade social existente no país com os índices de violência. De acordo com o texto, são poucas as iniciativas do governo para enfrentar esses problemas.

O documento denuncia ainda os maus tratos aos presidiários, as carceragens superlotadas e o grande número de pessoas mortas por policiais. Segundo o relatório, entre 1999 e 2004, mais de nove mil pessoas foram mortas por policiais sob a alegação de ‘apresentarem resistência à ação da polícia’ nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.