Gestualidade é fator essencial na recuperação de afásicos

Os gestos estão tão incorporado à fala, que muitas vezes é difícil dissociar um do outro. E é por isso que eles podem ajudar na recuperação de sujeitos afásicos, um dos temas discutidos na VII Jornada Corpolinguagem, que aconteceu de 17 a 19 de outubro no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

Quem nunca gesticulou ao falar ao telefone – mesmo sabendo que a outra pessoa não poderia enxergá-lo – que jogue a primeira pedra. Gesticulamos quando indicamos um endereço, descrevemos um objeto, expressamos algum sentimento em meio a uma conversa. O gesto está tão incorporado à fala, que muitas vezes é difícil dissociar um do outro. E é por isso que os gestos podem ajudar na recuperação de sujeitos afásicos, um dos temas discutidos na VII Jornada Corpolinguagem, que aconteceu de 17 a 19 de outubro no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

Afasia é um distúrbio de linguagem causado por uma lesão cerebral. “Falar de afasia é falar de linguagem, de corpo, de sujeito”, afirmou Maria Irma Hadler Coudry, professora do Departamento de Lingüística da Unicamp e uma das coordenadoras do Centro de Convivência de Afásicos (CCA), em sua palestra no evento. “O ato da linguagem envolve corpo, gestos, percepções, associações e expressões faciais, o que é dito por um e compreendido pelo outro. Na interlocução, enfrentam-se as mais variadas condições em que se dá o dizer, o fazer e o mostrar”, continua.

Na afasia, a evocação das palavras fica prejudicada: conforme a extensão e localização da lesão cerebral, o paciente pode apresentar um ou mais sintomas, entre eles a perda total ou parcial da capacidade de articulação das palavras. É como ter a palavra na ponta da língua, mas não conseguir dizê-la. Portanto, a gestualidade torna-se um aliado importante para que o sujeito afásico entenda e se faça entender durante uma conversação. “Se a afasia afeta certas estruturas e usos da língua e de outros sistemas não verbais, o sujeito afásico busca outros arranjos para significar, ele faz ’gatos’, ou seja, produz processos alternativos de significação”, explica Coudry.

Ela exemplifica com o caso em que conversava com um paciente sobre as frutas na mesa do café da manhã em que estavam. O paciente nomeava cada fruta, mas parou quando chegou ao mamão, não conseguindo dizer que fruta era. Coudry, então, levantou sua mão e a balançou de um lado para o outro. Imediatamente, o paciente conseguiu pronunciar o nome da fruta. “O que ele fez? Ele traduziu do gesto com a mão para a palavra, o que o faz completar a palavra desejada e dizer mamão”, diz.

O gesto é tomado pelos sujeitos afásicos como uma alternativa para dizer o que não conseguem, e ainda possibilita que passem da representação da palavra (uma mão) para a representação do objeto (mamão). Isso compõe um trabalho lingüístico que envolve todo o cérebro e que é fundamental para o rearranjo funcional que restaura as condições impostas pela afasia. Utilizando-se de gestos, é possível ajudar os sujeitos afásicos a restaurarem boa parte da linguagem afetada pela doença e melhorar sua comunicação.

Afasia

Afasia é um distúrbio da linguagem, decorrente de um acidente vascular cerebral (derrames), de um traumatismo crânio-encefálico, de agentes expansivos (como tumor) ou infecciosos (como fungos e bactérias). Essas lesões cerebrais vão afetar o domínio da linguagem no cérebro, na forma como ela é usada – isto é, o indivíduo ainda possui a linguagem, mas tem dificuldades em acessá-la e articulá-la.

A literatura acadêmica aponta vários tipos de afasia. Entre elas, destacam-se a afasia de Wernicke e a de Broca – a primeira afeta a área perceptiva – comprometendo a compreensão e a expressão – e a segunda, a motora – prejudicando a musculatura que age na articulação das palavras. Existem também vários níveis de afasia, podendo haver desde pequenas alterações na linguagem até a perda total da capacidade da articulação das palavras.

Não existe “cura” para a afasia, no sentido clássico de erradicação da enfermidade, mas há diversos meios de se melhorar a qualidade de vida das pessoas afásicas. O indivíduo afásico não chega a recuperar totalmente a sua linguagem, de modo a retomar integralmente o padrão anterior à lesão, mas pode chegar muito próximo disso através da terapia em que se estimule o uso da linguagem por meio da convivência com pessoas afásicas e não afásicas e de diversas atividades em que os indivíduos possam se expressar e trabalhar suas dificuldades.