Futuro dos estudos clínicos com células-tronco no Brasil é avaliado

Pesquisadores avaliam que o Brasil ainda está longe de desenvolver pesquisas nessa fase com células-embrionárias e discutem como a experimentação em humanos coloca em cena os critérios que serão utilizados na seleção dos pacientes, trazendo à tona as noções de “voluntários”, “cobaias” e consentimento informado.

No início deste mês o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) abriu um edital que disponibilizará recursos financeiros para o desenvolvimento de procedimentos terapêuticos inovadores em terapia celular, utilizando os mais diversos tipos de células-tronco – as embrionárias e as adultas derivadas da medula óssea, do cordão umbilical e de outros tecidos – com recursos, inclusive, para pesquisas na fase clínica. Pesquisadores avaliam que o Brasil ainda está longe de desenvolver pesquisas nessa fase com células-embrionárias e discutem como a experimentação em humanos coloca em cena os critérios que serão utilizados na seleção dos pacientes, trazendo à tona as noções de “voluntários”, “cobaias” e consentimento informado.

Para Lenise Garcia, do departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília (UnB), embora as pesquisas com células-tronco embrionárias tenham sido aprovadas em maio deste ano por seis votos a cinco no Supremo Tribunal Federal (STF), a discussão que envolve os estudos sobre essas células ainda está aberta, não apenas no Brasil, mas em todo mundo. Para Garcia, que tem se posicionado contrária às pesquisas com células embrionárias, a utilização dos resultados desses estudos está longe de ser um consenso popular, principalmente das que derivam do embrião humano e deve ser feita com cautela.

Em sua argumentação, Garcia cita um artigo recente publicado na Medical News Today, referindo-se a estudos da Stanford University School of Medicine, que mostra novos problemas de rejeição imunitária a esses tipos de células. Também lembra que a Food and Drug Administration (FDA) recusou a injeção de células-tronco embrionárias em testes clínicos, por seu potencial de gerar câncer. “As células-tronco embrionárias têm um longo caminho de pesquisa a percorrer, antes que possam ser testadas em pacientes, se é que um dia chegarão a ser, dados os sérios problemas técnicos que apresentam”, avalia.

Para Alice Teixeira Ferreira, do Departamento de Biofísica e membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp, que desenvolve estudos pré-clínicos com células-tronco adultas (em camundongos), um dos desafios para o futuro das pesquisas é o combate à disseminação de falsas esperanças. O sensacionalismo estaria, inclusive, prejudicando o avanço dos estudos com as células-tronco de pluripotência induzida (iPS, sigla em inglês), que são consideradas equivalentes às células-tronco embrionárias, mas não requerem o uso de embriões.

Ferreira, que faz parte do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), destaca que existem no Brasil projetos de pesquisa envolvendo tratamento de doenças como diabetes tipo 1, enfarto do miocárdio, esclerose múltipla, lesão de medula espinhal, mas apenas com células-tronco adultas. “Não existe em nenhuma instituição séria tratamentos com células-tronco embrionárias humanas, devido à chance de rejeição imunológica e 50% de risco de gerar câncer de natureza embrionária, o teratoma, nos indivíduos imunossuprimidos”.

Carmem Silvia Bertuzzo, pesquisadora do Departamento de Genética da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, também ressalta que os estudos com células embrionárias ainda estão na fase inicial, à maioria na fase pré-clínica. “Para o futuro, com o acúmulo de conhecimento que está sendo gerado, será possível passar para estudos clínicos em humanos, bem controlados para testar o poder terapêutico das células-tronco. Sempre com aprovação e acompanhamento dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)”, prevê Bertuzzo, que também é presidente do Comitê de Ética em Pesquisa da FCM da Unicamp.

Cobaias e voluntários

O apoio da família do cantor Herbert Vianna às pesquisas com células-tronco foi explicitado em diversas ocasiões. O integrante do Paralamas do Sucesso ficou paraplégico em 2001 e perdeu parte da memória quando o ultraleve que pilotava caiu no mar. Entretanto, após aprovação das pesquisas pelo STF, o pai do cantor revelou em vários programas televisivos que seu filho não participaria desta fase inicial das pesquisas, seu filho não seria “cobaia” e só faria algum tratamento quando houvesse certeza de sua eficácia. A respeito deste caso, Lenise Garcia comenta que “a ciência não avançaria se alguns pacientes não se submetessem ao risco, desde que este seja controlado e acompanhado”.

Bertuzzo, da Unicamp, considera importante diferenciar “cobaias” de “voluntários”. Para ela, como no Brasil, através do sistema CEP/Conep, todos os projetos de pesquisa envolvendo os seres humanos necessitam ser avaliados e aprovados para poderem ser realizados: “não temos a utilização de cobaias, mas sim, quando houver todo um embasamento anterior e aprovação em todas as instâncias, voluntários de pesquisa, que após todos os esclarecimentos a respeito de riscos e benefícios podem ou não querer fazer parte de um estudo”.

Critérios “técnicos”

Segundo Carmen Bertuzzo, a seleção para voluntários em projetos de pesquisa, de uma maneira geral, é feita mediante critérios clínicos de inclusão e exclusão. “Os critérios são individualizados por projeto e dependem do tipo de doença que vai ser estudada. Normalmente os critérios são: o tipo de doença, a gravidade, existência de co-morbidades etc”. De acordo com a pesquisadora da Unicamp, em nenhum estudo já feito sobre células-tronco são usados critérios como grau de escolaridade ou renda. “Utilizar esses critérios não seria ético. A preocupação é que não haja discriminação de nenhum grupo específico (etnia, escolaridade, renda, etc). É importante mencionar que toda pesquisa pode trazer benefícios, mas certamente tem riscos também e, portanto, eles devem ser distribuídos igualmente na sociedade”, argumenta.

Para Lenise Garcia, os critérios para a escolha dos pacientes são “exclusivamente técnicos” e exemplifica com um processo de inscrição de pacientes com fenda palatina, para um possível grupo de estudo clínico com células-tronco adultas. No caso células-tronco embrionárias a pesquisadora da UnB destaca ser necessário um especial cuidado, “para que pacientes pouco instruídos não facilitem uma autorização pouco informada, especialmente porque há uma grande ilusão em relação ao verdadeiro potencial da terapia celular”.

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Revista ComCiencia – Dossiê Células-tronco