Fungo que causa extinções de anfíbios na América Central é menos letal no Brasil

A quitridiomicose, que vem causando uma mortalidade desenfreada em anfíbios em alguns lugares do mundo, está também no Brasil. O segundo registro brasileiro de infecção foi publicada esta semana em artigo de Ana Carnaval, pesquisadora brasileira na Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), e colaboradores. A doença já havia sido detectada em Minas gerais, mas o novo artigo amplia a extensão da doença tanto em termos de espécies afetadas como de distribuição geográfica.

Não há indícios de declínio para a perereca-do-brejo, que ocorre somente em Itatiaia (RJ).
Foto: Célio Haddad

 

A quitridiomicose, que vem causando uma mortalidade desenfreada em anfíbios em alguns lugares do mundo, está também no Brasil. O segundo registro brasileiro de infecção pelo fungo quitrídio Batrachochytrium dendrobatidis foi publicada esta semana na edição online do periódico EcoHealth, em artigo de Ana Carnaval, pesquisadora brasileira na Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), e colaboradores. A doença já havia sido detectada em Minas Gerais (ver notícia na ComCiência), mas o novo artigo amplia a extensão da doença tanto em termos de espécies afetadas como de distribuição geográfica.

Carnaval e colegas examinaram espécimes depositados em coleções zoológicas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A quitridiomicose foi encontrada em seis indivíduos representantes de cinco espécies nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. As novas espécies afetadas são todas representantes de anuros (grupo que inclui sapos, rãs e pererecas) que ocorrem na Mata Atlântica. Os espécimes mais antigos nos quais foi detectado o quitrídio foram coletados em 1981, e os mais recentes em 2005. Isto mostra que a doença existe no Brasil há mais de duas décadas.

A presença da quitridiomicose na Mata Atlântica causa alarme entre os que se preocupam com a preservação do ambiente. Em muitos países a doença tem sido identificada como a causa de extinções ou declínios populacionais. Na Costa Rica foi recentemente documentada uma extinção em massa de rãs, publicada na revista científica Nature. Pesquisadores que presenciaram a epidemia na América Central relatam um cenário de horror: o fungo avança ao longo da cadeia montanhosa centro-americana e deixa o chão da floresta salpicado de sapos mortos, com populações inteiras extintas ou dizimadas. Para o caso costa-riquenho, os pesquisadores acreditam que a explosão da doença é conseqüência de aquecimento global.

A rã-de-corredeira, abundante apesar de alto índice de infecção.
Foto: Célio Haddad

 

Felizmente, no Brasil a situação é outra. Embora o artigo de Ana Carnaval afirme que algumas populações infectadas pelo fungo apresentam sinais de declínio, Célio Haddad, do Laboratório de Herpetologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, diz que outras parecem não ter perdido vigor. A rã-de-corredeira, em que foi feito o primeiro registro do quitrídio no Brasil, é um bom exemplo. Haddad conta que a população está abundante apesar de, por muito tempo, ele não ter sido capaz de capturar girinos sem as lesões na boca características da doença. Em expedições recentes, porém, o pesquisador capturou tanto girinos doentes como normais. Segundo suas observações, mesmo os indivíduos com lesões são capazes de alimentar-se e de atingir a idade adulta, de forma que não se sabe que dificuldades o fungo pode estar causando aos animais.

O caso brasileiro gera, portanto, muitos questionamentos. Ainda não se sabe por que aqui não se observa a letalidade vista em outros países. Haddad especula que as condições climáticas podem não ter chegado ao ponto em que causam explosão da doença, ou o quitrídio pode ter causado extinções que não foram detectadas pelos especialistas brasileiros. Ana Carnaval lembra que algumas espécies de altitude na Mata Atlântica não são encontradas há muito tempo, e ninguém sabe as causas de seu desaparecimento.

Rumo a seguir

Por enquanto, não há possibilidade de tratamento para a quitridiomicose. Uma nota na última edição online da EcoHealth propõe o uso de bactérias existentes na pele de algumas salamandras, que inibem o crescimento dos quitrídios, para imunizar anfíbios suscetíveis. No entanto os estudos nessa linha são ainda incipientes e na prática é difícil imaginar como seria possível utilizar esse recurso em ecossistemas naturais. Haddad desconhece outras menções a tentativas de combate à doença, mas acredita que pode ser um caminho promissor.

A verdade é que se sabe muito pouco sobre o fungo e sua biologia, de forma que os cientistas estão ainda engatinhando e assistem de mãos atadas à mortandade em áreas de epidemia. De acordo com o herpetólogo da Unesp, será necessário monitorar algumas dessas espécies afetadas no Brasil para verificar se o fungo causará algum problema sério. “Se causar, não sei como proceder. Ninguém sabe”, afirma.

A equipe liderada por Haddad está examinando todos os girinos da coleção do Laboratório de Herpetologia da Unesp/Rio Claro, com ênfase em espécies que vivem em riacho (habitat do fungo). O trabalho está em andamento, mas dados preliminares já estendem a ocorrência de B. dendrobatidis para mais 9 espécies de anuros dentre as 20 examinadas, com distribuição geográfica até o Rio Grande do Sul. A equipe pretende ampliar a busca para outros biomas brasileiros além da Mata Atlântica, o que incluiria áreas de altitude da Amazônia, região Centro-Oeste e Caatinga.

Uma abordagem que poderá aumentar as chances de prever as áreas sob maior risco é a modelagem ecológica, em que se sobrepõe informações ecológicas de áreas geográficas às características dos organismos sob estudo. Projeção feita em 2005 previu que o fungo estaria disseminado pela Mata Atlântica brasileira, o que vem sendo confirmado pela pesquisa recente. Ana Carnaval sugere que o próximo passo será sobrepor a essas informações a previsões de mudança climática. Desta forma pesquisadores poderão ter uma idéia prévia de que áreas serão afetadas no futuro.

Mas o mais importante, segundo a especialista, é que se faça uma abordagem experimental. “Até agora tudo o que sabemos vem de correlações”, lamenta. Verificar que o fungo existe em áreas onde há declínio de anfíbios não prova que a doença é a causadora da mortandade dos animais. “Somente observações em laboratório, sob condições controladas, poderão ajudar os pesquisadores a desvendar o modo de ação do fungo, assim como prever áreas e espécies de risco”, afirma Carnaval.

Por enquanto, no que diz respeito ao Brasil, Célio Haddad acredita que a presença da doença é motivo de preocupação, mas não há indício de que cause declínio de populações de anfíbios.

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