Falta ciência no esporte brasileiro

No congresso pré-olímpico de ciência, educação e medicina do esporte, que acontece na semana anterior ao início das Olimpíadas de Pequim, é possível constatar uma tendência do esporte brasileiro: a pouca relação da prática com as pesquisas científicas desenvolvidas na área.

Na semana anterior aos Jogos Olímpicos de Pequim, a China será sede de mais um importante evento para o mundo dos esportes: o congresso pré-olímpico. A Convenção Internacional de Ciência, Educação e Medicina do Esporte (ICSEMS, na sigla em inglês) acontece a cada 4 anos, às vésperas das Olimpíadas, e tem por objetivo construir uma ponte entre a ciência e o esporte. No encontro, os participantes discutem os resultados de suas pesquisas e trocam informações sobre novas tecnologias, fármacos e técnicas de treinamento e preparação dos atletas.

É comum encontrar médicos, preparadores físicos e outros membros de equipes olímpicas internacionais apresentando suas pesquisas. “Os principais comitês olímpicos do mundo desenvolvem pesquisas aplicadas com os atletas, o que garante a qualidade técnica do seu esporte”, diz um dos diretores do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs), Luis Carlos de Oliveira, que há anos participa do ICSEMS. Panorama brasileiro

De acordo com Oliveira, diferente de outros países, o Brasil não tem tradição de aplicação da ciência à prática esportiva. Ele explica que os atletas, treinadores, preparadores físicos e o próprio Comitê Olímpico Brasileiro (COB) dão pouco valor à teoria e aos trabalhos científicos desenvolvidos na área do esporte. “De um lado há pesquisadores de instituições de pesquisa como o CELAFISCS e universidades – que estudam o movimento humano, participam de eventos científicos e publicam os resultados – e, de outro, profissionais envolvidos no treinamento, preparação e tratamento dos atletas e, sobretudo o COB, que não dispõe de um setor dedicado à produção e aplicação do conhecimento”.

A pesquisadora do Laboratório de Eletromiografia e Biomecânica da Postura, da Faculdade de Educação Física da Unicamp, Antonia Bankoff, chama atenção para outro problema da ciência do esporte no Brasil. Para ela, as pesquisas realizadas no país costumam privilegiar apenas aspectos particulares da atividade física, enquanto teria condições de fornecer subsídios para o desenvolvimento de metodologias de treinamento abrangentes, que focassem a prevenção, além do tratamento. “A ciência do esporte pode viabilizar a preservação da morfologia corpórea do atleta, para que sua vida útil seja mais duradoura. Mas, infelizmente, ela se ocupa mais dos aspectos traumáticos que da preparação do atleta”.

Educação

Em 2001, o Ministério dos Esportes criou a Rede Cenesp (Centro de Excelência Esportiva), numa tentativa de melhorar a qualidade do esporte brasileiro a partir do estreitamento da relação entre teoria e prática esportiva. O programa aproveita a infra-estrutura das instituições de ensino superior para desenvolver, aplicar e transferir métodos e tecnologias de capacitação de recursos humanos e de avaliação de atletas, a fim de detectar e desenvolver talentos esportivos.

Lucas Tessutti, pesquisador e coordenador técnico da equipe de atletismo do Laboratório de Bioquímica do Exercício da Unicamp (Labex), diz que a iniciativa do governo federal é válida, mas há um problema: os treinadores e preparadores físicos ainda não estão educados para utilizar os resultados obtidos pela Rede como ferramenta de trabalho. “Não adianta ter um monte de resultado, se a gente não educa o treinador, o preparador físico e o próprio atleta, para que eles consigam interpretar os dados e aplicá-los na prática”, explica.

Aplicação do conhecimento

Apesar de não ser uma tendência, há iniciativas no Brasil de união de teoria à prática no esporte. Exemplo disso é o trabalho que vem sendo desenvolvido com Tiago Pereira, nadador classificado para as Olimpíadas de Pequim. Análises biomecânicas (estudo dos fundamentos da mecânica das atividades físicas) apontaram que o atleta apresenta uma deficiência no nado livre: sua braçada esquerda é superior à direita. Além disso, quando ele respira para um lado, ocorre uma queda de resistência na braçada do lado oposto. Desde que o problema foi detectado, os treinos do atleta foram direcionados para a correção desse desequilíbrio de forças, a fim de melhorar seu desempenho e reduzir a desvantagem competitiva em relação aos adversários.

Outras iniciativas partem das próprias instituições de pesquisa. É o caso do Labex, que trabalha com o esporte em duas frentes: na produção científica e na aplicação dos conhecimentos. O Laboratório conta com uma equipe de atletismo própria, que serve de objeto de estudos e, ao mesmo tempo, se beneficia de um atendimento esportivo profissional, individual e embasado. Os resultados das pesquisas realizadas na área da nutrição, psicologia, avaliações físicas e monitoramento do sangue são utilizados na preparação de cada atleta e no desenvolvimento de metodologias de treino.

Segundo a diretora do Labex, Denise Macedo, o objetivo das pesquisas é otimizar o condicionamento físico dos atletas, para que eles obtenham o máximo de desempenho sem provocar lesões ou overtraining – condição de esgotamento extremo do corpo. Ela explica que, ao contrário do que pensa grande parte dos profissionais do esporte, é possível explorar ainda mais as potencialidades do treinamento. “Algumas equipes já perceberam isso e estão começando a fazer análises sanguíneas e outros tipos de testes. Mas ainda falta conhecimento para interpretar os resultados”.

Leia mais:

Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul

Laboratório de Bioquímica do Exercício (LABEX)

Convenção Internacional de Ciência, Educação e Medicina do Esporte