Intocáveis? Nem a ciência, nem a arte. Este é o recado do grupo de cientistas e jornalistas que se uniu para montar a instalação artística “Bem me quer, mal me quer – ciência e contemporaneidade”, exposta ao público no Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campinas e aberta ao público até o final de janeiro. Eles literalmente puseram mãos à obra para colocar o projeto de pé e experimentaram a própria idéia que pretendiam passar: de que tanto arte quanto ciência não se fazem só de mentes brilhantes. E nem estão acima de qualquer suspeita, ou do bem e do mal. Na equipe estão alunos, professores e pesquisadores do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e da Faculdade de Educação da Unicamp. A exposição faz parte do projeto “Biotecnologias de Rua”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Empunhando serrotes e furadeiras, em meio a pregos, parafusos, latas de tinta. E com muita negociação para chegar às formas finais. Foi assim que a equipe ergueu as cinco peças que compõem a instalação. A novidade é que os visitantes têm a oportunidade de “dar o seu toque” e interagir com as peças e trazer à tona dúvidas, polêmicas e controvérsias.
Experimentando sensações
Num passeio pela exposição, o som é inquietante: trilhas de filme de suspense se misturam com choro de criança, gritos de bodes e ovelhas. Conforme se sucedem, as cinco instalações, “Luz na escuridão”, “o grande irmão”, “caixas-pretas”, “auto-retrato” e “ciência ou ficção”, nos levam da angústia ao riso, das trevas aos refletores.
Num túnel escuro. A cada foco de luz que a ciência joga sobre a escuridão do desconhecido, o ser humano que vive a experiência de vida na Terra acredita ter encontrado a luz no fim do túnel para alguma(s) de suas eternas incertezas. A sucessão de focos de luz não é suficiente, entretanto, para clarear o túnel e mostrar a saída para as inquietações do homem. A sensação é a de que a cada novo feixe, a cada novo achado, ele fica mais perdido, de um lado para o outro, sem saber para onde se virar e em quê acreditar, imerso na imensidão do universo, onde as descobertas científicas são como estrelas: fragmentos que piscam ao longe, tão longe que ele não consegue apreender em sua totalidade.
Interação e reflexão
A exposição proporciona aos visitantes possibilidades de reflexão, a partir da interação com as obras. Para Antônio Carlos Amorim é importante destacar o uso da linguagem artística e da subjetividade para a divulgação científica. Amorim é pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos coordenadores do projeto “Biotecnologias de rua”. “Pensamos em conceitos para as peças, mas em nenhum momento pensamos em produzir nas pessoas reações fechadas. O nosso objetivo é só fazê-las pensar”, acrescenta Flávia Dourado, jornalista e uma das produtoras da exposição.
Um dos objetivos da exposição é desmistificar simultaneamente os estigmas de que em obra de arte não se encosta e de que ciência não se entende. “Diferentemente de outras exposições artísticas, em que a pessoa vem, olha, contempla, inerte, parada, aqui o visitante está o tempo todo interagindo com a peça, experimentando, tendo uma troca com o material exposto e ao mesmo tempo contato com o conteúdo sobre biotecnologias”, explica Luiz Paulo Juttel, também jornalista e membro do grupo.
Na avaliação de Juttel, a primeira reação do público diante das peças é de estranhamento. Mas, “conforme as pessoas entram na brincadeira e vêem como funciona a instalação, vira uma grande festa!”, completa. Romper com o afastamento que as pessoas costumam ter em relação ao mundo da arte e da ciência é uma das iniciativas da exposição. “Pretendemos passar a idéia de que é possível uma aproximação da sociedade com o mundo do laboratório”, afirma Flávia Dourado. A idéia parece que dá certo. Diante do “auto-retrato”, houve quem definisse o cientista como “trabalhador, proletário, alguém como quase todo mundo”.
Caixa-preta da biotecnologia, além da mídia
Apesar de contar com jornalistas em sua composição, o grupo que montou a exposição não poupou críticas à mídia. Ela é considerada uma das grandes responsáveis pela distorção de sentidos atribuídos às ciências. O tema das biotecnologias é um bom exemplo disso. Para a equipe, a ciência não é detentora da verdade ou de um conhecimento hermeticamente fechado. “Quando você começa a ver de perto, percebe que é um processo humano como muitos outros”, observa Juttel. A mídia, porém, há tempos que colabora para consolidar a áurea de incrível e de espetacular da ciência.
Na peça “ciência ou ficção”, o visitante se depara com capas de revista, notícias e manchetes absurdas, alardeando os “milagres” das biotecnologias: tratam de assuntos como clonagem, transgênicos, biocombustíveis. Mas para enxergar direito é preciso ajustar o foco. “O tema biotecnologia é hoje, dentro da mídia, um dos temas de ciência que mais trabalha com as questões que queríamos trazer à tona: a dicotomia de sentidos, a questão de bem ou mal, a controvérsia na ciência”, explica Juttel. Flávia Dourado arremata: “a única crítica direta que a gente faz é essa: preste um pouco mais de atenção no que a mídia está divulgando!”.