A participação anônima da população no combate à criminalidade por meio do Disque-Denúncia, no caso da Central do Rio de Janeiro, acontece há mais de dez anos e pode ser considerada uma experiência bem sucedida, segundo a socióloga Luciane Patrício, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que pesquisou o trabalho desta Central e sua relação com a sociedade, os policiais, a mídia e os atendentes. “Houve a disseminação do modelo carioca para outros locais e o serviço continuou em funcionamento mesmo com as mudanças de governo e passagem de diferentes secretários de segurança”, justifica a pesquisadora.
O trabalho de Patrício buscou evidenciar, por meio da história e do contexto em que o serviço foi criado, como ele foi ganhando importância ao longo do tempo. O Disque-Denúncia do Rio de Janeiro, inspirado em iniciativas internacionais da década de 70, foi criado em 1995 por causa do aumento considerável do número de seqüestros. O modelo da primeira Central foi levado para outros estados: São Paulo, Goiás, Espírito Santo, Pernambuco e Bahia.
No ano passado, a Central recebeu 123.408 denúncias, sendo que as campeãs são referentes ao tráfico de drogas, seguidas por denúncias de furto e roubo (quando há violência contra a pessoa) de carro. De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, a confiabilidade das denúncias gira em torno de 80 a 90%.
Na pesquisa, Patrício aponta que a mídia atua de duas formas em relação à Central Disque-Denúncia do Rio de Janeiro: por um lado dá publicidade e visibilidade ao serviço e, por outro, o utiliza como fonte, visto que o jornalismo acaba consultando o banco de dados da central em determinados trabalhos. “Por exemplo, se um jornalista está fazendo uma matéria sobre violência contra a mulher, além dos dados das delegacias, dos depoimentos de especialistas, da consulta e pesquisa sobre o tema, ele também divulga a quantidade de denúncias que o Disque-Denúncia recebeu no último ano. A mídia é, ao mesmo tempo, colaboradora e cliente”, afirma.
No que diz respeito à população, o Disque-Denúncia além de receber denúncias criminais, é acionado para outros tipos de demandas, tais como reclamações de serviços públicos, brigas com vizinhos, problemas por barulho, entre outros. Para Patrício, isso mostra um incremento na relação de confiança entre o denunciante e este serviço, “uma vez que será atendido e terá sua demanda registrada, mesmo que não se configure, em princípio, em um problema criminal”, explica a pesquisadora.
Em relação aos atendentes, Patrício trabalhou com dois grupos, de dez pessoas cada e percebeu que muitos deles não divulgam que trabalham no Disque-Denúncia por medo de represália. De alguma forma, eles constroem uma identidade muito semelhante à do policial, que esconde sua profissão.
A representação que a polícia faz do Disque-Denúncia segue caminhos opostos: alguns reconhecem que o serviço é um importante instrumento de coleta de dados que serve para auxiliar seu trabalho; em contrapartida, outros o relacionam ao “dedurismo”, ressaltando que é uma ferramenta mais usada para vingança e punição de policiais. A pesquisadora entrevistou o subsecretario de inteligência da Secretaria de Seguranca Pública do Rio de Janeiro, Coronel Romeu Ferreira, quatro policiais (dois civis e dois militares), todos envolvidos com atividades de investigação.
A pesquisa de Patrício pode levar ao desdobramento de outros estudos, pois as próprias informações registradas pelo Disque-Denúncia, utilizadas pela polícia no serviço de inteligência, poderiam também ser objeto de análise. “A forma como esta informação está ou não sendo utilizada é que pode ser objeto de uma discussão mais aprofundada”, sugere a socióloga.