E agora, doutores? Mercado premia mas não absorve recém-titulados

Roberta Ceriani, que teve sua tese de doutorado premiada pela Fundação Bunge na categoria Juventude, em setembro, retrata a situação de inúmeros doutores que a cada ano se formam no país: mesmo tendo sido reconhecida sua competência e a originalidade de sua pesquisa, ela não tem ainda nenhuma perspectiva de trabalho em alguma empresa.

A experiência de Roberta Ceriani, aluna desde a graduação da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, que teve sua tese de doutorado premiada pela Fundação Bunge na categoria Juventude, em setembro, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, não é muito diferente da situação de inúmeros doutores que a cada ano se formam no país: mesmo tendo sido reconhecida sua competência e a originalidade de sua pesquisa, ela não tem ainda nenhuma perspectiva de trabalho em alguma empresa e no momento, enquanto realiza o pós-doutorado, está se dedicando a dar aulas. Ou seja: o conhecimento gerado fica restrito à universidade.

Mas Ceriani está feliz: “O prêmio é bastante especial, pois não se faz inscrição para recebê-lo. Os contemplados são indicados”. Ela se declara “totalmente aberta a oportunidades” e afirma que está muito satisfeita com aquilo que tem em mãos: o seu pós-doutorado. “Continuo me dedicando à pesquisa e mantendo o mesmo empenho de antes”, garante.

Se tivesse oportunidade, Ceriani poderia se dedicar, por exemplo, a transformar os relatórios gerados pelo sistema de “Simulação computacional de processos de desodorização e desacidificação de óleos vegetais” – seu objeto de estudo no doutorado -, em imagens ou gráficos mais simples de serem entendidos por qualquer operador, com um mínimo de treinamento. Os gráficos atuais, baseados em cálculos matemáticos combinando variáveis de tempo e temperatura durante o processamento dos óleos, são compreensíveis apenas por especialistas.

A simulação de processos por computador, já amplamente empregada em indústrias de engenharia química, em operações de destilação e absorção, permite compreender sua lógica de funcionamento e, a partir desse conhecimento, otimizar a qualidade dos produtos e atuar para minimizar perdas. A originalidade do projeto de Ceriani está na sua utilização na engenharia de alimentos, onde a complexidade dos sistemas envolvidos torna a simulação trabalhosa. “É algo sem precedentes na literatura científica aberta”, destaca a pesquisadora. Tanto que o tema de seu trabalho deu origem a uma nova linha de investigação no Laboratório de Extração Termodinâmica Aplicada e Equilíbrio (Extrae), do Departamento de Engenharia de Alimentos, da Unicamp, onde desde 1994 se vem estudando o equilíbrio e processos na área de óleos vegetais.

“Na verdade, esse trabalho iniciou-se como um projeto de dissertação de mestrado. Mas ao final de um ano e meio, ele foi expandido para um projeto de tese de doutorado, dentro da modalidade de doutorado direto. Os resultados obtidos até então eram bastante promissores e indicavam que o projeto poderia ser mais abrangente”, relata a pesquisadora. Centrado no estudo dos processos de desacidificação por via física (remoção da acidez responsável por um certo desconforto gástrico) e desodorização (remoção de odores desagradáveis), presentes no refino de óleos vegetais, o projeto buscou a otimização da qualidade nutricional desses produtos.

“Os resultados demonstraram a viabilidade da utilização deste tipo de ferramenta como auxílio na decisão das condições de processamento nas quais os eventos favoráveis (remoção de acidez e de compostos indesejáveis) sejam sobressalentes em relação aos eventos desfavoráveis (formação de gorduras trans e perda de compostos nutritivos), uma das maiores preocupações de nutricionistas e fabricantes de alimentos atualmente”, diz Ceriani. “A diversificação nos setores de produção da indústria de óleos vegetais, com o advento do biodiesel, pode gerar novos interesses e recursos, abrindo novas oportunidades de pesquisa na área”, acrescenta.

Otimismo de um veterano

Outro homenageado da FEA/Unicamp pelo prêmio da Fundação Bunge foi o professor Valdemiro Carlos Sgarbieri, vencedor na categoria Vida e Obra. Engenheiro agrônomo de formação, iniciou sua carreira no Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), na década de 60. Partiu para a área acadêmica na Unicamp em 1973, após ter concluído mestrado e doutorado na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Não se arrepende: “Se pudesse voltar atrás e tivesse outras oportunidades na vida, estaria seguindo a mesma trilha”, declara. E acrescenta: “É uma questão de opção, de gostar do que se faz. Antigamente a atividade de pesquisa era vista como um sacerdócio”.

Para melhorar as perspectivas dos que estão se formando, ele acredita que é necessário criar uma cultura, demonstrando que investimento em pesquisa não é grande e retorna à empresa em forma de lucro. Mas é otimista: “Hoje, os doutores têm muito mais oportunidades de trabalho na indústria do que a 10 anos atrás”. Para ele, “tudo depende de uma integração muito maior entre o setor produtivo e a universidade, uma situação que vem mudando lentamente, graças a ações como as da Fapesp, que mantém programas para incentivar empresas a aproveitarem a capacitação oferecida pelas universidades”.

No início, suas atividades foram voltadas à pesquisa sobre proteínas de grãos como soja, milho e feijão, atuando com a colaboração do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Instituto de Biologia da Unicamp. Desenvolveu novas cultivares, entre elas uma nova variedade de milho, a Nutrimais, da qual foi criada uma polpa de milho verde desidratada de alto valor nutritivo.

De 1994 a 2002, seus estudos se concentraram nas proteínas do leite, visando sua utilização como matéria-prima para a produção de ingredientes funcionais, empregados na produção de alimentos. Uma das principais linhas dessas pesquisas refere-se às propriedades medicinais do soro do leite capazes de criar impacto na saúde. Os estudos constataram sua ação antitumoral e anticancerígena, a capacidade de baixar o colesterol, prevenir a úlcera estomacal e limitar ou bloquear a ação de vírus e bactérias.

Num estudo realizado por Sgarbieri em parceria com o Centro de Investigações Pediátricas (Ciped) da Unicamp, com crianças portadoras do vírus HIV, com a saúde não debilitada, foi administrada junto com o coquetel de medicamentos para tratamento da Aids uma certa quantidade de um produto desenvolvido a partir do soro do leite. Após uma série de medições de índices referentes ao estado geral de saúde dessas crianças e uma comparação com as que receberam placebo, verificou-se que o sistema imunológico das que receberam o produto foi reforçado. Nelas, foram apresentados os menores índices de infecções oportunistas.