Direito das mulheres é ampliado no Marrocos

Após anos de reivindicações, as marroquinas conquistaram direitos com a alteração do novo código civil. Para explicar as mudanças e suas possíveis consequências, a diretora do Instituto de Estudos Africanos, da Universidade Mohammed V do Marrocos, Fatima Harrak, esteve no Brasil, no Núcleo de Estudos de Gênero (PAGU) da Unicamp.

Após anos de reivindicações, as marroquinas conquistaram direitos com a alteração do novo código civil. Para explicar quais foram as mudanças e suas possíveis consequências, a diretora do Instituto de Estudos Africanos da Universidade Mohammed V do Marrocos, Fatima Harrak, esteve no Brasil no Núcleo de Estudos de Gênero (PAGU) da Unicamp.

Segundo Harrak, a situação das mulheres no Marrocos ainda está muito aquém da ideal, mas importantes passos foram dados nos últimos anos. “Como o Estado possui um caráter islâmico, o primeiro código civil foi feito pelos líderes religiosos e não a partir das reivindicações da sociedade civil”, afirma. “Só em 2004 o código foi alterado levando em consideração as pautas dos setores não religiosos”, completa.

O primeiro código, implantado em 1957, não dava às mulheres a condição de maioridade, “assim elas sempre dependiam do pai ou do marido até para realizar tarefas simples como tirar o passaporte”, diz Harrak. Além disso, como o homem era a pessoa responsável pelo sustento da família, a contrapartida exigida da mulher era a obediência ao marido. Para Harrak, esse tipo de estrutura familiar cerceava a liberdade das mulheres. O direito ao divórcio também só era concedido aos homens, assim como a poligamia. “Mesmo não sendo uma prática muito comum no Marrocos, os homens possuíam o direito de ter até quatro esposas”, diz.

A pressão por setores da sociedade para transformação do código começou nos anos 60, quando foi formada uma comissão para discutir o assunto. “Mas essas reivindicações nunca chegaram ao parlamento com força o suficiente”, afirma Harrak. Já nos anos 80, a pauta dos direitos das mulheres foi incorporada ao movimento ligado aos direitos humanos e ganhou força, “tanto que em 1991 foi entregue ao rei (Hassan II) uma lista com um milhão de assinaturas pedindo alterações no código civil”, diz.

Percebendo que precisaria ceder em alguns pontos, o rei autorizou uma reforma no código em 1992 que, entre outras coisas, permitia que a mulher desse o consentimento na aceitação do casamento. O divórcio (ainda só permitido aos homens) ficou mais difícil e as mulheres orfãs podiam se casar sem a autorização de seus tutores. Além disso, duas mulheres passaram a participar do parlamento.

“Esse foi um ponto de inflecção, mesmo que as mudanças tenham sido pequenas, ficou claro que a lei não era estritamente religiosa, já que havia espaço para mudanças. A partir disso outras alterações foram inevitáveis”, afirma Harrak.

Com a morte do rei Hassan II e a posse do herdeiro Mohammed VI, foi formada uma comissão nacional para preparar uma outra mudança no código civil, dessa vez com participação mais ativa das mulheres. “Logo no início o novo rei deu sinais de que haveria mudanças. A própria vida pessoal dele indicava isto, quando apresentou sua noiva publicamente, prática incomum no islamismo”, diz Harrak. As mulheres passaram a ter cota de 10% no parlamento e assumiram alguns cargos importantes no governo.

Em 2004, a reforma no código civil é votada e aprovada pelo parlamento. No que diz respeito aos direitos das mulheres, as transformações são agrupadas em 5 ítens. O primeiro diz respeito ao princípio de igualdade, ou seja, o marido perde a responsabilidade pelo sustento da família e a mulher passa a ter as mesmas obrigações. Além disso, é concedido o direito de maioridade para toda mulher com 18 anos. O divórcio também passa a ser permitido para qualquer mulher.

O segundo item, referente à poligamia, possibilita um acordo pré-nupcial em que o homem se comprometa a não ter outras esposas. Se romper o acordo, a mulher pode se divorciar. E mesmo quando existe a poligamia, o homem precisa se comprometer a dar condições de igualdade a todas as esposas.

O terceiro ponto da mudança do código civil enfatiza o papel do poder judiciário no direito da família. Tanto o divórcio, como a separação de bens de um casal são intermediadas pela justiça. Geralmente os bens são divididos meio a meio.

O quarto ponto refere-se ao direito aos filhos. O reconhecimento de filhos fora do casamento é simplificado. Antes eram necessários 12 testemunhas para confirmar esse direito, atualmente existem testes de DNA. Além disso, houve uma pequena alteração sobre a lei da guarda dos filhos. Antes, quando a mãe não tinha condições de criar os filhos após o divórcio, a criança era passada para outras pessoas na família da mulher, nunca para o pai. Agora, o pai é o encarregado da guarda dos filhos se a mulher não tiver condições. O quinto ítem garante aos judeus a liberdade de expressão de sua religião e hábitos.

“Todas essas mudanças estão atreladas a um processo de diminuição da pobreza e do analfabetismo, males que atingem mais as mulheres do que os homens. Apesar das mudanças ainda serem tímidas, é um grande avanço para o Marrocos”, finaliza Harrak.