Apenas com os textos à mão é possível delinear alguns aspectos do perfil editorial de publicações. Por meio da Análise do Discurso, a pesquisadora do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcela Fossey, identificou a existência de regras que não estão no papel mas que delimitam as possibilidades do dizer das revistas Superinteressante e Pesquisa Fapesp. Ao examinar o conteúdo dos periódicos, ela concluiu que a primeira apresenta maior distância entre cientistas e jornalistas e na segunda há mais interação entre o pesquisador e o divulgador.
As falas do cientista e do jornalista são bem marcadas na Superinteressante, por meio de discurso direto, entre aspas ou do emprego de palavras como “segundo”, “explica”, de forma a marcar a distância existente entre esses atores. Já na Pesquisa Fapesp, o texto mistura o discurso de cientistas e jornalistas, dificultando a identificação de autoria das enunciações. “O texto apresenta mais formas de discurso relatado indireto e indireto livre, o que indica mais interação entre ambos”, pontua Fossey.
Certas características textuais não desaparecem com os anos. “A Fapesp nunca vai chamar Alexandre o Grande de ’Xandão’, como fez a Super[interessante]”, exemplifica. A perpectiva utilizada no estudo define regras que não estão no papel, mas que determinam as dimensões do discurso e funcionam também como uma rede de restrições. A análise foi feita em 10 artigos da Superinteressante escolhidos aleatoriamente no período de 1987 a 2005 e em 12 artigos da Pesquisa Fapesp selecionados entre 1996 a 2005.
Diferentes perfis
Com tiragem de 35,7 mil exemplares mensais, a Pesquisa Fapesp nasceu como um boletim institucional, em 1995, e passou a ser vendida em bancas e enviada gratuitamente para 22 mil pesquisadores em 2002. Se no início, o espaço era reservado para a divulgação dos estudos mantidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), hoje a revista se autodenomina uma revista voltada para divulgar e valorizar a pesquisa brasileira. “Ela está fazendo escola e muitas fundações de [amparo à] pesquisa no Brasil estão seguindo o seu caminho”, lembra o professor de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, Wilson Bueno. Entre as fundações que lançaram publicações estão a Minas Faz Ciência da Fapemig (MG), a Amazonas Ciência da Fapeam (AM) e a Ciência em Rede da Facepe (PE) em parceria com as FAPs do Norte e Nordeste. No entanto, essas publicações estão restritas à distribuição pela Fundação e não são vendidas em bancas de jornal.
Já a Superinteressante é uma das revistas que mais vendem na área de divulgação científica, e tem melhor penetração, chegando a uma tiragem superior a 400 mil exemplares por mês. Por isso, Wilson Bueno enfatiza que é necessário prestar atenção ao trabalho que ela realiza para interagir com o público jovem, como a exploração de recursos gráficos e cores. “Ainda que possa ter restrições a sua atual investida por temas que se situam na fronteira da ciência e tenha uma perspectiva muitas vezes enciclopédica, até meio almanaque, [a revista] cumpre bem o seu papel, trazendo informações para um público que normalmente está distante da ciência e da tecnologia”, analisa.
Publicada pelo Grupo Abril desde 1987, com a compra dos direitos de publicar no Brasil a revista espanhola Muy Interesante, a Superinteressante foi uma das primeiras que abordaram temas de ciência e tecnologia no país. Com uma abordagem da ciência mais superficial e centrada nos resultados, ela costuma tratar de um tema e não de uma pesquisa, enquanto a Pesquisa Fapesp faz o oposto e tende a dar espaço para estudos, principalmente os financiados pela própria instituição de fomento.“As duas têm os seus lugares no mercado e cada uma é voltada para um público diferente”, explica.
Fossey concorda com Bueno sobre os papéis diferenciados de cada publicação no jornalismo científico brasileiro. Embora diferentes, são importantes e, “apesar [de a Superinteressante] apostar pouco na capacidade de compreensão das pessoas, a ciência não é a prejudicada por causa disso. Eu não acho que ela seja reponsável por nada ruim em relação à imagem da ciência”, pondera a pesquisadora.