Estima-se que, no mundo, existem aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas sem acesso a água limpa e 2,6 bilhões sem acesso a sistema de esgoto. O problema, contudo, não está relacionado à escassez física da água, mas sim à pobreza. “A maioria dos países dispõe de água suficiente para satisfazer as necessidades domésticas, industriais, agrícolas e ambientais. O problema está na gestão”, afirma o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2006, divulgado dia 09 novembro pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O estudo, intitulado “Além da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água”, destaca que essa é, acima de tudo, “uma crise dos pobres”.
Devido sobretudo à falta de água potável e saneamento, 1,8 milhão de crianças menores de cinco anos morrem com diarréia por ano, o equivalente a uma criança a cada 19 segundos. É a segunda principal causa de morte na infância, só atrás de infecções respiratórias. “Ainda que possa ser evitada com medidas simples, a diarréia mata mais do que tuberculose e malária, seis vezes mais que os conflitos armados e, entre as crianças, cinco vezes mais que a Aids”, calcula o relatório, enfatizando que água limpa e saneamento estão entre os mais eficientes métodos preventivos para reduzir a mortalidade infantil. Incluindo adultos, são registrados 5 bilhões de casos de diarréia por ano nos países em desenvolvimento .
Dentre os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos pela ONU, está a redução pela metade, até 2015, da proporção de pessoas que não desfrutam desses recursos. Contudo, as projeções do RDH 2006 apontam que, no ritmo atual, o compromisso será atingido somente em 2016 no caso da água e em 2022 para o saneamento. A análise por região mostra ainda diferenças marcantes. A América Latina já cumpriu a meta da água e deve cumprir a de saneamento em 2013. A África Subsaariana, porém, só atingirá a meta da água em 2040 e a de esgoto em 2076.
No Brasil, aproximadamente 90% da população tem acesso à água potável, número semelhante ao de países com alto Índice de Desenvolvimento Humano, como Coréia do Sul (92%) e Cuba (91%). A taxa de atendimento da coleta de esgoto no país é de 75%, inferior à do Paraguai (80%) e à do México (79%). Os dados do PNUD mostram que ambos indicadores evoluíram entre 1990 e 2004 no Brasil, mas ratifica o peso da pobreza neste cenário, afirmando que os 20% mais ricos da população brasileira desfrutam de níveis de acesso a água e saneamento comparáveis ao de países ricos, enquanto os 20% mais pobres têm uma cobertura inferior à do Vietnã.
De acordo com o relatório, os investimentos necessários para atingir as metas dos Objetivos do Milênio são de cerca de US$ 10 bilhões por ano até 2015, o que corresponde de cinco a oito dias de despesas militares no mundo. “A Índia, por exemplo, gasta oito vezes mais da sua riqueza nacional em orçamentos militares do que em água e saneamento. O Paquistão gasta 47 vezes mais. A Etiópia, um dos países mais pobres do mundo e com uma das taxas de cobertura mais baixas (e algumas das taxas de mortalidade infantil por diarréia mais elevadas), ainda consegue mobilizar um orçamento militar quase 10 vezes superior ao da água e saneamento”, revela.
Mais do que uma questão de recursos e tecnologia, o subfinanciamento da área refletiria, assim, a falta de vontade política dos governos em colocar água e esgoto como prioridade. O RDH 2006 cita como exemplo a possibilidade de, em 2015, a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) enviar a Júpiter uma sonda espacial que investigará a composição de vários lagos de água salgada debaixo de superfícies de gelo daquele planeta. E observa: “A ironia que representa a despesa de milhões de dólares por parte da humanidade na exploração do potencial de vida em outros planetas seria imensa, e trágica, se, ao mesmo tempo, permitíssemos a destruição da vida e das capacidades humanas no planeta Terra por falta de tecnologias muito menos exigentes: a infra-estrutura para fornecer água potável e saneamento para todos”.
O relatório recomenda, assim, que os governos estabeleçam um mínimo de 1% do PIB para investir em água e saneamento, seguindo um plano nacional com estratégias bem definidas, para acelerar o progresso nessa área; e que também trabalhem para reverter a desigualdade social. Sugere, ainda, a criação de um Plano de Ação Global, liderado pelos países do G8, que concentre os esforços para a mobilização dos recursos e coloque a água e o saneamento no centro da agenda de desenvolvimento, partindo da premissa que a água é um direito humano básico. “Todos deveriam dispor de pelo menos 20 litros de água por dia, e as pessoas pobres deveriam obtê-la gratuitamente”, recomenda o PNUD.